Dois meses de uma Porto Alegre quase dos sonhos

Porto Alegre se transforma no paraíso nos meses de janeiro e fevereiro. Ano após ano, é sempre assim na capital do Rio Grande do …

Porto Alegre se transforma no paraíso nos meses de janeiro e fevereiro. Ano após ano, é sempre assim na capital do Rio Grande do Sul. Com a migração de parcela significativa da população para outros destinos a fim de curtir seus períodos de férias no verão, os habitantes que permanecem no município usufruem da maravilha que é viver em uma cidade grande sem o ônus que invariavelmente decorre do crescimento nem sempre planejado das metrópoles. Nos dois primeiros meses, os moradores e as moradoras de Porto Alegre não convivem com filas em bancos, supermercados, lojas, shoppings, cinemas. Não necessitam aguardar por lugar nos bares sempre lotados do bairro Cidade Baixa e nas calçadas do Moinhos de Vento. Não perdem preciosos minutos do dia nos engarrafamentos, antes restritos às vias mais movimentadas e agora rotina em qualquer ruela pelo pouco investimento do poder municipal em circulação viária. Não precisam caçar vaga para estacionar nos poucos locais onde ainda é permitido. E nem enfrentar gente nervosa, atendente irritado, caixa de banco com expressão de quem chupou limão azedo ou cobrador de ônibus de mau humor.
Definitivamente, a saída de habitantes de Porto Alegre para suas viagens de férias proporciona aos que ficam na capital um cenário que se assemelha à cidade dos sonhos. Não existem filas nos bancos que ultrapassem os 15 minutos em dias normais ou 20 minutos após feriados prolongados e em dias de pagamento dos funcionários públicos municipais, estaduais ou federais, como deveria impedir a lei municipal específica. É possível realizar tudo que estava pendente para resolver no banco e que exigia uma visita ao gerente e não apenas aos caixas eletrônicos em apenas 10 ou 15 minutos. Se a agência onde você necessitou acertar suas pendências estiver localizada no Centro Histórico de Porto Alegre, é aconselhável sorver um café nas cafeterias que ainda resistem no entorno. Quem sabe, uma esticadinha até o Mercado Público? Sentir seus cheiros e seus tons geniais? Mas, muito cuidado, a cidade parece terra de ninguém em termos de segurança e todo o dia ouve-se uma história tenebrosa de assalto nas esquinas, nos bares e restaurantes, na saída dos bancos, nos ônibus, nos lotações.
Se você, por diferentes motivos, ficar sitiado (a) na capital gaúcha nos dois primeiros meses de 2016, programe-se para colocar em dia os filmes que ainda estão na lista a serem assistidos. A oferta de títulos ainda não condiz com o desfile que sempre ocorre nesta época dos concorrentes e favoritos ao Oscar, mas pode ser que mais para o final de janeiro, novos filmes entrem em cartaz. Pesquise os dias em que os cinemas oferecem descontos e abuse da maravilha que é a arte cinematográfica, principalmente com valores reduzidos dos ingressos em dias e noites de menor movimento. Depois do filme, permita-se uma caminhada pelo shopping, uma olhada nas vitrines (alguns estabelecimentos antecipam-se e realizam liquidações disfarçadas mais cedo), uma passeada pelas livrarias para namorar (meu caso, pela ausência de recursos financeiros) ou comprar livros. Mas, atenção, Porto Alegre está entregue aos ladrões e isto não é privilégio de uma cidade menos movimentada. Trata-se da união de um conjunto de fatores existentes em metrópoles, que é agravado pela falta de uma política estadual adequada de segurança pública. Não se vê policiamento nas ruas. Não se vê viaturas rondando o centro ou os bairros mais visados pelos ladrões. Não se vê a preocupação dos órgãos competentes em solucionar este impasse.
Já que você é um daqueles ou daquelas que não têm férias, não têm dinheiro para viajar ou simplesmente não planejou deixar a cidade em janeiro e fevereiro, experimente viver Porto Alegre sem a neurose do dia a dia, sem o estresse das filas imensas nos bancos ou outros estabelecimentos de serviços ou de comércio, sem o nervoso de andar apressado para conseguir cumprir a agenda de tarefas rotineiras, sem o preocupante desviar das pessoas na Rua dos Andradas, na Avenida Borges de Medeiros, na Rua Siqueira Campos e demais acessos do Centro Histórico. Conheça melhor as praças da cidade. Passeie pela linda e poética Casa de Cultura Mario Quintana. Renda-se aos encantos do Parcão, da Praça da Encol, do Parque Germânia, da sempre acolhedora e simpática Redenção (não só nos finais de semana). No entanto, todo cuidado é pouco. Os pontos mais lindos, atrativos e turísticos de Porto Alegre são também frequentados pelos assaltantes que passeiam pelos locais como se fossem os donos legítimos dos espaços e se aproveitam da ausência total de segurança pública.
Logo, Porto Alegre vive dois meses de uma cidade quase dos sonhos, mas com protagonistas salvando-se de pesadelos ao escapar ilesos de assaltos à mão armada, furtos, arrastões nas linhas de ônibus, violências crescentes e preocupantes aos usuários de transportes coletivos. É quase a capital das melhores fantasias, mas com cenas de caos em função da pouca atenção dos poderes responsáveis pela segurança na metrópole. Porto Alegre realmente, nos meses de janeiro e fevereiro, é a capital de menos filas, menos congestionamentos, menos irritação, menos espera, menos ônibus lotados, menos problemas decorrentes do crescimento populacional. E, infelizmente Porto Alegre é demais. De tanta violência urbana, tanto assalto, tanto roubo de carteiras e telefones celulares, tanto ladrão agindo impunemente. Sem falar em outros tipos de agressões mais cruéis. Porto Alegre me dói.
Esta coluna foi originalmente publicada em 6 de janeiro de 2016.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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