A discriminação de vidas fora do compasso da normalidade

Por Lelei Teixeira, para Coletiva.net

Lelei Teixeira - Arquivo Pessoal

Uma vida com nanismo não é amena, por mais que o berço familiar seja acolhedor e cheio de estímulos. No início, eu não encarava a minha condição e o primeiro movimento foi negar. Passei por cima de situações constrangedoras, agressivas, chacotas, risos, imitações, deboches. Quem sabe uma estratégia para dar conta dos sonhos que envolviam a curiosidade de uma guria do interior encantada com a cidade grande e com as possibilidades que se desenhavam. As bancas de revista, as livrarias, o teatro, o cinema, o curso de Jornalismo, a chance de um trabalho - tudo me fascinava. O mundo lá fora era instigante. Mas para além das paredes caseiras, quando as portas se abriram para outras experiências, a discriminação rugia/rondava/afastava. A palavra "anão" começou a reverberar de um jeito agressivo, mas eu ainda não me dava conta do preconceito que esta reverberação trazia embutida. E palavras como inclusão e acessibilidade não faziam parte do meu vocabulário naquela época. O desejo que se impunha era desvendar aquele universo que se descortinava tão sedutor, apesar de. E, claro, dar conta da vida. 

A entrada no mercado de trabalho foi tranquila. Não senti nenhuma rejeição. E as responsabilidades começaram a se impor. Primeiro, abrir conta em uma instituição bancária para que o salário mensal fosse depositado. E bancos são exemplos bem adequados para a reflexão que quero fazer. Os lucros enormes são divulgados aos quatro ventos, mas não está na pauta dos banqueiros o direcionamento de uma verba para oferecer condições adequadas aos usuários com algum problema. Como uma pessoa com nanismo acessa os caixas, hoje também eletrônicos? A pergunta espanta e todos se esquivam - isso é com o gerente! Ninguém está preocupado. Não há resposta. Muito menos, solução.

Mas toda vez que frequento espaços públicos e encaro as mesmas dificuldades, tenho respostas aos borbotões. São simples e viáveis, mas dependem de atitude, de sensibilidade, de vontade política e de um enfrentamento da burocracia. Poucos estão interessados. E muitos nem se dão conta das dificuldades enfrentadas por quem tem uma deficiência. Por experiência própria, afirmo que é exaustivo reivindicar os mesmos direitos cotidianamente. Estamos sempre à mercê da boa vontade do outro, de quem atende ou daquele que te acompanha porque é solidário. Às vezes, cria-se um vácuo constrangedor. As pessoas tentam ser gentis, mas não estão preparadas para esse enfrentamento. 

Escrevo e falo muito sobre estas questões e hoje, graças à convivência estimulante com pessoas diversas, minha percepção ultrapassa o nanismo. Estamos tão mergulhados no individualismo e atordoados por governos ilegítimos e insensíveis, que outras questões somam-se à minha preocupação com a acessibilidade. Há leis que desconhecemos. Há direitos conquistados que estão nos tirando todos os dias. Há uma imposição da miséria física e moral que precisamos encarar para não cair no jogo de quem nos quer sem voz ou quer fazer um uso indevido da nossa voz. Há um cinismo usurpador corroendo nossa dignidade. Enquanto isso, a política sórdida, racista, misógina, elitista, homofóbica, comandada por homens que viram as costas para a questão social, é respaldada por um Congresso omisso. 

Acessibilidade rima com dignidade. Sei da carência de equipamentos adequados e de profissionais preparados para estimular o acesso e a inclusão, apesar das reivindicações constantes. Diante do cotidiano adverso, me pergunto, até quando? 

Por mais que tenhamos rampas, calçadas adequadas, balcões mais baixos, banheiros adaptados, elevadores e ônibus acessíveis, equipamentos e campanhas pela inclusão, tudo ainda será precário se o preconceito persistir. Encarar com serenidade as dificuldades cotidianas, a repercussão da diferença, seja ela qual for, e a discriminação que se impõe no meio em que vivemos não é tarefa fácil. Além de acessibilidade, precisamos de acolhimento e de um tratamento natural. A incapacidade de acolher e incluir não muda por decreto. Só enfrentando esse limite será possível subverter a ordem atual. O princípio básico está na educação para a diversidade que nos constitui como sujeitos plurais e únicos. Esta é uma discussão que precisa vir à tona. E é fundamental que provoque uma reflexão profunda. 

Só vamos chegar ao desenvolvimento social que buscamos quando entendermos que cada um tem contribuições a dar, a partir do seu jeito de ser e de ver o mundo, do seu saber original e da sua maneira de colaborar para a qualidade de vida de todos. A luta dos cidadãos é a mesma. Contra o preconceito de qualquer natureza, contra a falta de oportunidades, contra a reiterada posição de discriminar parecendo que não está discriminando. Nossa grande riqueza está no encontro das diferenças, com suas múltiplas possibilidades, em nome de uma vida menos segregacionista e mais humana. Quero acessibilidade e inclusão, sem dúvida, mas meu desejo agora é infinitamente maior. Lutar pelo trabalho digno, pelo lazer que todos merecem, pelos direitos que nos roubam a cada amanhecer. 

Lelei Teixeira é jornalista e escritora.

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