Minha jornada como mãe atípica
De Ane Santos, para o Multivozes de Coletiva.net
Ser mulher e mãe no nosso mercado de trabalho infelizmente ainda é uma grande barreira para muitas pessoas. Mas, quando esse combo ainda vem recheado de uma inesperada notícia sobre o diagnóstico de uma atipia de nossos filhos?
Há cerca de 3 anos, exatamente no dia que meu filho completava 2 anos de idade, passei exatamente por esta situação. Eu, em plena pandemia, em um cargo de gestão, tendo passado 24 horas do último ano trancafiada boa parte do tempo em casa com ele, tive a oportunidade de identificar sinais que me alertaram para algo que no fundo eu já suspeitava há algum tempo. Meu mundo caiu.
O primeiro instinto foi o de largar tudo para ampará-lo e dar a ele todas as oportunidades, mas saber que eu poderia contar com um ambiente acolhedor e que entenderia este momento me fez imediatamente dividir essa situação com meus líderes. Infelizmente, essa realidade não faz parte ainda da vida da maioria das mães e pais atípicos, o que se soma a uma carga extra de preocupações naturais das demandas de terapias, médicos e mesmo incertezas sobre o futuro dos nossos filhos, que geralmente culminam em diversos problemas de saúde mental e exaustão destes, o qual aqui hoje os represento.
Mesmo com todo o apoio e acolhimento que recebi, ainda assim eu colapsei. Tentei dar conta de abraçar o mundo e me perdi na minha auto cobrança de continuar em um ritmo que não cabia mais na minha vida. E então eu me retirei. Desisti de um cargo de gerência, de pessoas e rotinas que eu amava, de um lado profissional tão importante pra mim, em prol de tentar dar ao meu filho toda a dedicação que foi fundamental para que hoje ele tivesse seus atrasos cognitivos recuperados e uma perspectiva de melhor interação na sua vida social. Integrei a parcela de pais atípicos que acabam "abandonando" carreiras ou precisando se adaptar em função de um mercado que ainda não tolera o diferente, sendo este o neurotípico ou o seu responsável, o qual necessita de adaptações de horário e mais flexibilidade de rotina. Junto com isso, mergulhei em uma jornada de autoconhecimento, a qual ainda me encontro, buscando entender que para cuidarmos de quem mais amamos, precisamos antes também cuidar da gente. E este é o principal ponto em comum a todos que passam por esta jornada: a falta do olhar para si.
Hoje, depois de uma caminhada ainda pequena, mas recheada de aprendizados, entendi que é possível sim conciliarmos nossa jornada profissional e pessoal simultaneamente, mas que a forma de conduzir isso é particular de cada um e de cada momento da nossa vida. Não há um certo ou errado. Porém existe uma obrigação social de maior inclusão, a qual vem acontecendo lentamente, mas que precisa acelerar. No meio deste processo perdemos diversas mentes criativas e importantes pelas faltas de oportunidade. E se tem algo que posso dizer a vocês é: que mentes especiais! É só através da aceitação do diferente que conseguiremos evoluir não só tecnologicamente, mas socialmente, criativamente e em muitas outras áreas através da combinação de diversos olhares.
Como mãe, líder, mulher, pessoa neurodiversa (também me descobri com TDAH nesta jornada), e mãe atípica do Miguel, convido a todos a construírem um mundo mais inclusivo, com mais oportunidades e empatia com todos. O mundo que espero que meu filho tenha a chance de ser recebido de braços abertos, daqui há alguns anos, para ajudar a construir uma vida melhor para todos.
Ane Santos é estratégista Digital / [email protected]
Este artigo faz parte de um conteúdo especial do Multivozes, conduzido pelo curador do projeto, Luan Pires, e produzido por Anie Gabriel, produtora Multimídia de Coletiva.net. Mensalmente, o jornalista publica uma entrevista exclusiva com o entrevistado do podcast. Para conferir esta e outras conversas, basta clicar neste link.