Mulher, a culpa não é tua

Por Bruna Teixeira, para Coletiva.net

Bruna Teixeira - Denison Fagundes

Preciso fazer mais uma pós-graduação para ficar atualizada. Saiu um best seller sobre comunicação e negócios e eu ainda não li. Não posso esquecer de ouvir o podcast que aborda os assuntos da atualidade. Não param de falar do meme do momento e eu tô por fora, como uma comunicóloga não tá por dentro do que acontece? Esqueci que era dia de feira e, socorro, a casa tá um caos!

Eu poderia seguir listando uma série de situações que certamente devem pairar nos seus pensamentos, caso você seja uma mulher que sente que precisa ser perfeita em todos os papéis que ocupa: como empreendedora, diretora de planejamento, esposa, mãe e tantos outros que nos colocam. A verdade é que todas carregamos culpas em determinados momentos da vida. Seja pela casa que está caótica, por não ter brincado com o filho, por ter se permitido pedir um delivery ao invés de cozinhar aquela comidinha saudável e, até mesmo, por não ter sido ouvida durante o brainstorming ou na reunião de resultados do cliente. "Eu precisava ter me preparado melhor para essa reunião", automaticamente as vozes da sua cabeça começam a deliberar sobre as causas do ocorrido e, possivelmente, a maioria delas são por sua culpa.

Certa vez, estava eu e meu sócio em uma reunião para apresentar o planejamento de um cliente. Eu era a responsável por aquele cliente e por todo o estudo que embasou a estratégia de comunicação da empresa. Foram semanas estudando o cliente, o mercado e todos os cenários possíveis, portanto, eu dominava o assunto. 

No entanto, enquanto apresentava o planejamento, a diretora da empresa simplesmente ignorou tudo o que eu estava falando, como se aquele caminho não fosse possível. Foi necessário que o meu sócio, um homem, assumisse a apresentação para que a cliente aceitasse a proposta e entendesse que aquela era a melhor estratégia para o contexto do negócio.

Essa situação foi há 10 anos. Mas eu ainda tenho a nítida lembrança de não sair feliz daquela reunião. Enquanto o meu sócio comemorava a proposta aceita, eu voltava para a agência extremamente incomodada, afinal, por que eu não me dediquei mais? 

Mudar essa chave não é tarefa fácil, eu diria que é uma dura jornada. E acredito que não exista um passo a passo a ser seguido, afinal, a diversidade é feita de muitas camadas. Mas eu, enquanto uma mulher cis, branca e hétero, ou seja, ainda com muitos privilégios, precisei construir consciência de gênero e dos problemas estruturais que o cercam. Para só aí começar a entender que a culpa não é minha - mas nem sempre o entendimento nos liberta de sentir. Um estudo britânico já mostrou que a maioria das mulheres (96%) sente culpa pelo menos uma vez ao dia - e nem preciso listar aqui todos os motivos e imposições sociais que levam mulheres a isso, não é?!

Na maioria das vezes, são atribuídos a nós, mulheres, serviços relacionados ao cuidado ou de subserviência. Não costumamos ser vistas com credibilidade se estamos à frente da estratégia ou lidando com KPIs de um negócio. Lembro bem do dia que ouvi do diretor de uma agência de comunicação que precisávamos contratar uma mulher para ser atendimento, afinal, mulheres eram experts em bajulação. E não há problema algum nos serviços de cuidado, aliás, são trabalhos muito dignos. O problema está em associar somente mulheres a eles, negando todas as outras possibilidades e capacidades de uma mulher.

Embora seja muito tênue, existe uma forte relação desses padrões que a sociedade estabelece com o sentimento de culpa e a síndrome de impostora, por exemplo. Obviamente o mercado de trabalho, mais especificamente o de comunicação, é um reflexo da nossa sociedade. Mas precisamos atuar para que haja uma mudança cultural, com conscientização de lideranças e liderados, dando mais visibilidade para mulheres em diferentes posições de comunicação. Afinal, a diversidade não pode ser representada apenas por ações isoladas, mas sim por uma jornada muito mais profunda e com relações mais igualitárias. 

 

Bruna Teixeira é empreendedora, relações-públicas e integrante do bloco de carnaval Não Mexe Comigo que Eu Não Ando Só.

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