Ontem eu chorei

Por Márcia Christofoli, para Coletiva.net

Eu voto desde os 17 anos, por opção. Antes disso, acompanhava meus pais e o dia de votação era intenso. A gente saía cedo, entrava com eles na seção eleitoral e os via marcando seu X no candidato que queriam, para depositar seu papel na urna. A caminho dos locais de cada um, bandeira para fora do carro, buzinas, adesivos e demais aparatos tradicionais da ocasião.

O almoço em família era sinônimo de discussões políticas e, principalmente, de agradecimento por vivermos na democracia. Eles eram gratos por poderem sair às ruas e gritar ao mundo suas opiniões e preferências. Tive um avô preso na ditadura (sim, amiguinhos, ela existiu) e outro que era muito envolvido com a sociedade em si. Minhas tias se reuniram para ir para a avenida João Pessoa e aguardar o resultado. Em caso de vitória dos seus candidatos, partiamos para o Largo da Epatur.

Sim, eu nasci numa família extremamente politizada. Cresci ouvindo e aprendendo como era importante o dever cívico, dar valor ao poder do voto e ao direito de escolha - quando muitos antes de nós não tiveram o mesmo benefício. Lembro, inclusive, de acompanhar o impeachment de Fernando Collor com meus pais, como se entendesse o que acontecia, vibrando com o resultado final.

Pois ontem eu chorei. Alguns podem se perguntar o motivo, já que nunca me manifesto sobre política nas redes sociais. De fato, escolhi não fazer isso para não dar a chance das pessoas confundirem Pessoa Física e Pessoa Jurídica. Represento um veículo de Comunicação que não tem ideologia, nem opinião, nem lado, nem preferências partidárias. Infelizmente, nem todos saberiam separar o que é direito da cidadã Márcia de se manifestar, da isenção profissional com a qual a jornalista Márcia Christofoli sempre se propôs a trabalhar. Sim, eu não apenas amo a minha profissão como levo ela muito a sério.

Mas, ontem, eu chorei. Não estou no Brasil e, portanto, não votei no segundo turno. Quando a viagem se definiu, o prazo para cadastro de voto em trânsito já estava findado. E, sim, eu sofri por não dar minha contribuição cívica à sociedade. Do outro lado do oceano, acompanhei a apuração, aflita pela decisão que se deu quase ao final da contagem das urnas (além de estar em outro fuso horário).

O que me restou? Falar freneticamente com um grupo de amigas que, ufa!, desejam fortemente o mesmo que eu. E com a minha mãe - ela, aliás, estava desacreditada da política há muito tempo, mas esta eleição reacendeu nela o desejo de lutar pelo que acredita. Inclusive, durante a campanha eleitoral, apelidei-a carinhosamente de "nossa agência particular de fact-checking". Apesar da pouca intimidade com a tecnologia e a idade de estar no grupo das "tias que espalham fake news pelo whatsapp", ela se prestou a outro papel. Qualquer que fosse o link que recebesse, de um lado ou de outro, buscava a fonte da informação e respondia com a notícia correta (orgulho da filha jornalista!).

Já tive partido, já fui militante, já me afastei totalmente da política, já entendi que entre o preto e o branco existem muitos tons de cinza. Ontem eu chorei por estar sozinha nessa apuração, sem poder comentar com meus pais cada ponto de vista que os analistas políticos reportavam. Chorei por poder respirar aliviada. Sou petista? Não mais. Tenho político de estimação? Também não. Acho que o Lula é perfeito? Muito menos. Acredito que a política é linda e cheia de boas intenções? Jamais. 

Por isso, ontem eu chorei. Cansei de ouvir que não existe mais ideologia política. Cansei de ouvir que, como empresária, eu deveria apoiar a direita. Cansei de ouvir que o "PT isso, o Lula aquilo, a esquerda aquele outro". Sim, eu acredito na minha ideologia. A mesma que me faz perceber que eu, mulher, branca, hetero e de classe média sou repleta de privilégios, mas que eles não são para todos. E é nesse "todos" que penso, é por eles que luto, são eles que quero ver crescer com mais dignidade. 

A propósito, tenho muitos amigos de direita, com os quais converso, troco ideias e ouço. Tenho alguns (poucos) amigos bolsonaristas, a quem amo, respeito e com quem decidi não falar sobre política ou eleições, porque quero manter nossa amizade e respeito. Enquanto eu não tiver capacidade de entender o que os fez votar (e defender) Jair Bolsonaro, não quero que esse seja o nome que nos afastará. Sim, eu escolhi fingir demência com alguns, porque o meu coração fica melhor assim. A outros excluí, das redes, do meu convívio ou da minha vida. Eles não me acrescentam em nada - e tudo bem.

Ontem eu chorei de orgulho de onde vim. De serenidade por dividir a vida com pessoas tão especiais. De alívio por ver que, na minha pequena bolha, tantos outros estavam felizes e esperançosos. Ontem eu chorei por ver que, depois de quatro anos sofrendo calada com um governo do qual discordo fortemente, volto a acreditar que muitos nos quais eu penso, luto e convivo poderão ter mais dignidade. 

E, por favor, não preciso de ninguém se dizendo decepcionado comigo, tentando me convencer que estou errada, argumentando a favor do atual governo. Aos que se sentirem incomodados com o que resolvi compartilhar, apenas ignorem ou (façam como eu e) me excluam. Eu fiz isso nos últimos quatro anos: convivi respeitosamente com vocês, jamais tentei dizer que eu era a certa, sequer fiz postagens irônicas (o que seria muito esperado de minha parte). Então, espero o mesmo de vocês. POR FAVOR, ME DEIXEM EM PAZ. Ontem eu chorei e vou chorar sempre que me sentir aliviada. 

Aos que, como eu, ficaram felizes com o resultado das urnas: vencemos. É disso que se faz uma democracia. É disso que se trata a liberdade de expressão e imprensa (a verdadeira, não aquela que usam para espalhar o ódio disfarçado de direitos). Obrigada, pai, mãe, vô Alfredo, vô Parágua, tias, primas, mano. Vocês não me deixam esquecer de onde eu vim e, principalmente, para onde quero ir.

 

Márcia Christofoli é jornalista e publisher de Coletiva.net.

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