LUCHAR

Por Fernando Puhlmann

"A pintura não foi feita para decorar apartamentos. 
Ela é uma arma de ataque e defesa contra o inimigo"
Pablo Picasso

A tarde caia silenciosa e fria, o mate recém feito ainda espumava a cada servida. Pela janela se avistava a copa das árvores que dançavam ao sabor do vento gelado que cortava o Alegrete. Acabara de ler sobre Guernica, mas ainda não conseguia conceber o absurdo humano em sua essência.

Nunca fora envolvido ideologicamente com política, era uma amante da liberdade de corpo e espírito, acreditava que correntes políticas apreendiam a alma e o cérebro. Nas conversas da faculdade de jornalismo, no final dos anos 80, era tido como um alienado por colegas que queriam a revanche sobre a ditadura, ele só sorria e pensava que precisávamos seguir adiante, sem esquecer do passado.

-Pedro, posso entrar? - Era o Pai que abria a porta do quarto.
- Claro. Não sabia que tu estavas aí, a mãe me disse que tu estavas para fora.
- Cheguei agora. Está muito frio aqui. Vamos tomar esse mate na frente da lareira. Teu apartamento em Porto Alegre não tem esses luxos - disse sorrindo.
- Verdade.
Sentaram em dois mochos, bem próximo ao fogo que esquentava a sala grande do sobrado.
- Eu acabei de ler um artigo sobre Guernica, ainda estou perplexo como o homem pode fazer isso.
- Eu conheci o quadro do Picasso há alguns anos, quando eu e a tua mãe estivemos Madri. É impressionante.
- A vida humana não valia nada naquela época.
- E vale hoje? O que fazemos nas periferias das grandes cidades não são pequenas Guernicas? Exércitos treinados e armados pelo estado que dizimam uma população indefesa para deleite de tiranos gananciosos.
- Mas um bombardeio aéreo, Pai? Crianças, mulheres e homens indefesos.
- Todo tirano é um covarde, sempre atacará o mais fraco, o mais despreparado para reagir. Tu nunca verás um genocídio contra quem pode se defender.
- Tu estás pregando que as pessoas se armem contra o estado?
- Não, estou pregando que as pessoas estudem e entendam que a melhor arma é a capacidade de discernir entre o líder e falso Salvador da Pátria.

O pai atira mais uma acha de lenha ao fogo, levanta e caminha em direção ao banheiro, ainda na saída da sala ele fala: - Enquanto dependermos de um único homem para nos salvar da miséria, estaremos sempre refém de populistas.

Naquela noite, deitado em seu quarto de infância, Pedro sentiu medo, o medo que todo homem que luta pela liberdade sente ao se deparar com a vida diária. Mas também percebeu que o medo se combate com luta, alguns usam armas de fogo, outros, palavras.

O próximo artigo começou a ser escrito na sua cabeça.

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