Mimos e tocos

Por Flávio Dutra

Dezembro é o mês dos mimos, não apenas nas confraternizações familiares, mas também nas relações profissionais. É tempo de um agrado em forma de bebidas finas, eletrônicos de última geração ou algo mais, àquele profissional que precisa ser prestigiado, à espera de uma contrapartida futura ou o agradecimento por uma vantagem anterior. No jornalismo, o mimo, o brinde, o presentinho recebe o nome de Toco.

Toco é um jargão jornalístico exclusivo do Rio Grande do Sul. Pelo menos não encontrei qualquer citação em outros estados, a não ser com sentido diferente do que utilizamos. Aqui, Toco (em caixa alta inicial porque se trata de uma instituição) representa uma benesse materializada em presentes, em troca de tratamento positivo nas matérias. O toco deles (em caixa baixa porque é um mero substantivo) é usado com acepção de rasteira ou constrangimento  à fonte ou desta ao jornalista, quase com o sentido de golpe baixo.

A verdade é que já não se pratica Toco como antigamente, quando o período de fim de ano era celebrado com mimos de grande valor. Hoje, até panetone e agenda estão rareando. O jornalismo se profissionalizou - o Toco era herança de um tempo em que a profissão era um bico, subemprego e os modestos ganhos complementados com pixulés por fora. Desconheço porque a prática foi denominada Toco, talvez porque seja coisa pequena, uma rebarba qualquer.

A chamada grande imprensa implantou normas rígidas em relação à questão, vedando o Toco de qualquer natureza para seus profissionais. Outras empresas, menos estruturadas, fazem vistas grossas ou até estimulam a prática, permitindo o PF (por fora) já que não podem pagar salários mais dignos

Sobre o Toco, lembro o que ocorria numa emissora de rádio, das tantas em que trabalhei, em que o programa do meio da tarde ganhou da equipe o apelido de Hora da Serraria tal a quantidade de recados, elogios, congratulações no ar, que resultariam em tocos mais tarde para o apresentador.

E tem o Toco empresarial, conhecido como Pauta 500. Vou ficar devendo, também neste caso, o que o 500 tem a ver com a matéria de interesse da fonte e do veículo e merecedora de tratamento especial na edição. Talvez o pessoal mais  antigo saiba informar. A verdade é que o termo se espalhou, tanto assim que  sou testemunha de observar o número 500, de bom tamanho e escrito com caneta verde,  no papel das pautas de repórteres da empresa concorrente. Os profissionais torciam o nariz para a imposição,  mas não escapavam da  versão jornalística do " manda quem pode, obedece quem tem juízo".

E assim a Pauta 500 se disseminou, em forma de matérias e programas direcionados para determinado produto, serviço ou empresa, às vezes transmitidos diretamente da própria empresa, com as inevitáveis entrevistas dos dirigentes delas. É o Toco institucionalizado, que, às vezes, atende pelo nome de branded content, traduzido por "conteúdo de marca". É quando determinada  marca passa a ser associada com informação  ou entretenimento e publicado dessa forma. 

A maioria dos  veículos montou estruturas para atender a essa demanda de publicidade mascarada  de jornalismo. Observo até profissionais categorizados fazendo propaganda ao vivo e à cores de produtos, empresas e instituições, recebendo tratamento de "parceiros". Não haveria problema maior nesta ação, afinal a indústria da mídia é financiada prioritariamente pelos patrocínios, se a transparência no processo e o respeito à audiência tivesse correspondência de parte do emissor, assumindo que está fazendo propaganda, vendendo com seu prestígio alguma coisa, que nem sempre é um conteúdo relevante e de interesse do respeitável público.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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