Nova velha mensagem para o novo ano

Por Flávio Dutra

Novíssimo Ano, 

Durante sua vigência peço encarecidamente: livrai-me dos chatos. Repito o pedido: livrai-me dos chatos. Faça uma forcinha e mantenha longe de mim também os mordedores em geral e os pedintes de favores que não estão ao meu alcance. Se possível, afaste os hipocondríacos, com suas doenças e seus remédios para todos os males. Quero distância, igualmente, dos baixos astrais, dos angustiados, dos obsessivos, porque tenho medo de contrair uma "deprê". Dá um jeito para que fiquem bem longe aqueles que gostam de tudo bem explicadinho e dos que não sabem explicar nada.

Não permita que encontre velhos conhecidos sem lembrar o nome e seja brindado com um "lembra aquela vez? " ou, o que é pior, "Lembra de mim?". E aqueles que, cinicamente, garantem que continuo "muito bem". Me ajuda, meu boníssimo Ano Novíssimo, para que aqueles outros que querem "apenas dois minutos" do meu tempo não cruzem comigo, porque são malas disfarçadas e já apelei por isso lá em cima. E também os que conversam pegando meu braço com tanta força que deixam marcas e, ainda, os que me tomam por idiota, perguntando se eu estou entendendo o que eles estão falando. Mais um pedidinho: não compactue com os que me cobram posições que não tomei, injustiças que não cometi e prejuízos que não causei. E mais unzinho: mande para longe os duvidosos de caráter, os falcatruas, os descompromissados e os sugadores de energia. Coloque em fuga, por especial gentileza, os arrogantes, os prepotentes, os invejosos e todos da mesma índole.

Rogo para que não me falte inspiração para novas crônicas, nem leitores para elas e para os próximos livros. Que não me falte também ânimo e energia para as caminhadas matinais e que meu caminho seja pontuado por moças saudáveis e caldáveis, para reforçar meu ânimo e minha energia. Salve-me daqueles programas que tem tudo para virar indiada, mas se a indiada for inevitável que, pelo menos, a bebida e os acepipes sejam honestos. Aí sou capaz de aguentar até cantoria desafinada, mas não os bebuns inconvenientes, mesmo que no passado tenha sido um deles.  Apelo ainda para que o celular toque menos e que, de preferência, não seja telemarketing. Novissimo Ano, dá uma geral nos facebooks da vida e lime todos os donos da verdade. Aproveita e faz o seguinte: devolve pros autores todas as mensagens de autoajuda, as correntes picaretas, as armadilhas golpistas, as piadas de mau gosto e as ofertas imperdíveis que infestam meu computador. Com um pouquinho de boa vontade, veja se é possível devolver também todos os convites para fazer parte de novas redes sociais porque não agüento mais tanta interação.

Com sua ajuda, Novíssimo Ano, espero ouvir menos "veja bem", "olha só", "pois, então", "o que acontece", "tá ligado?"  e todas as expressões do gênero. Acrescenta ai: "todes", "bora", "empatia", "uma pegada", "resiliência", "no tocante", "isso daí", nada a ver uma com a outra, mas é questão de ojeriza, que também pode entrar na lista. Enrolão, basta eu.

Por generosidade, salve-me das filas, as dos bancos e dos supermercados, e todas as outras onde corra o risco de ser interpelado por desconhecidos que me tiram para confessionário e interrompem minhas ruminações. Não admita, por compaixão, que a guria bonita me pergunte a idade antes de distribuir a senha, se não der para escapar da maldita fila. Ah, um apelo todo especial: me livra das burocracias, tanto as públicas como as privadas, pois elas me dão urticária.

Não deixe faltar uma boa carne na minha mesa, saladas variadas, cerveja gelada, um tinto encorpado para as noites de inverno e um demi-sec para bem celebrar. E se não for pedir muito, que eu reencontre aquele doce de abóbora, de comer ajoelhado, que recebi de presente. Ah, e aquela berinjela à milanesa, a carne de panela com batatas e uma caixa de Bis só pra mim. Se não for contraditório, aproxime-me dessas tentações. E que sempre possa dividir a boa mesa com companhias agradáveis, brindando os bons momentos da vida que não são muito e, assim, precisam ser valorizados. Por isso, proteja minhas confrarias para que não fiquem mais desfalcadas.

Conceda-me, de vez em quando, jogar um pouco de conversa fora, curtir mais a minha gente, vagabundear sem culpa, experimentar o novo e, por que não?, me entregar a alguma extravagância. Vamos combinar que não é pedir demais.

Em contrapartida, caríssimo Ano Novíssimo, prometo me exercitar mais, comer menos fritura, moderar na bebida, ouvir mais e falar menos, ser menos irônico e debochado, lembrar o aniversário de casamento e outras datas da família, parar de deseducar os netos e não desejar a mulher do próximo, nem a do distante, porque outros pecados não os cometo. A não ser que um pouco de rabugice seja pecado, dos veniais, mas até isso pretendo corrigir. Nesses termos peço sua compreensão e deferimento, caríssimo, boníssimo e novíssimo Ano.

*Reeditada do original de 2010, mas valendo.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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