Sejamos Esperança. Sejamos Resistência.

Por Cris De Luca

A cada nova formatura das turmas de Comunicação da Fabico, sempre uma mesma Cris trazendo um discurso para compartilhar com vocês. E, desta vez, não seria diferente. Voltar ao Salão de Atos da Ufrgs na última sexta-feira, 13 de setembro, com lua cheia em Peixes, depois de sete meses da minha colação de grau, não poderia ter sido tão especial e simbólico como desta vez.

Me lembro de como foi ter participado de uma cerimônia ali mesmo no dia seguinte ao assassinato de Marielle Franco, minha memória ainda vive em fevereiro, na minha formatura, quando não sabíamos se nos permitiriam falar tudo que a gente queria e, agora, estar presente num momento de tantos cortes nos investimentos para a educação e o desenvolvimento científico, difícil não ser emblemático. Difícil não se emocionar e não se arrepiar a cada palavra proferida por lá.

Por isso, peço licença a vocês, para fazer algo que pedi às oradoras do curso de Jornalismo, agora minhas colegas de profissão, Thayse Ribeiro e Liz Ribeiro Dias: compartilhar o discurso que representou a tantos de nós naquele dia, naquele teatro, e que nos representa na vida! #sejamosesperança #sejamosresistencia 

"Nessa noite, pedimos licença para lhes contar uma história.

Era uma vez, em um reino não tão distante, mergulhado em tempos de trevas, uma jornalista chamada Esperança.

Esperança era idealista. Não conseguia assistir ao que acontecia sentada em uma sala de aula. Esperança queria ser voz. Queria dar voz a todo e cada uma.

Esperança reuniu aqueles dos quais conhecia o descontentamento com a condição do reino para compartilhar sua grande ideia: Vamos criar um jornal!!! Contar para essa gente toda o que o tirano faz por ódio e põe na conta do seu Deus.

Os murmúrios eram de dúvida. Mas como boa idealista, Esperança não desistia e acabou por convencer por A+B cada um naquela sala sobre a importância de ser jornalista! "É de interesse público", dizia ela.

E foi assim que nasceu um jornal que tinha por objetivo ser humano. Por ser humano, talvez contrariasse as 58 milhões de pessoas que escolheram aquele que traria para o reino uma nuvem de pânico e ódio.

Por ser humano, talvez tocasse parte desses 58 milhões lhes mostrando quem sofre mais com essa tirania. Era nessa segunda opção que a jornalista Esperança acreditava. Mas a lista de quem precisava ser ouvido era grande.

Em uma tarde, voltando para casa cheia de sonhos, Esperança sentiu estar em um pesadelo. Passava por um supermercado quando viu um homem açoitado. Era negro. E como o tirano que governava o reino já havia declarado "nem para procriar servem", esse não tinha direito a ter esperança. Mas nossa jornalista não tinha medo e escreveu a manchete na capa "1800 OU 2019?".

A vida, no entanto, açoitava não só corpos como sonhos. Esperança viu seu reino queimar. Foram dias e dias de fumaça e desespero, alimentados pela ganância dos homens que para lucrar, não medem consequências e não se preocupam com o futuro. A fumaça da sua amada floresta quase lhe matou, mas Esperança não desistiu e revelou aquilo que eles queriam esconder: O PULMÃO DO NOSSO REINO QUEIMA. O mundo ouviu Esperança e os tiranos daqui não puderam mais se esconder por trás de suas cortinas de fumaça.

Infelizmente, tirania nenhuma se sustenta sozinha, o governante do reino tinha seu respaldo em outras instâncias. Para Esperança, isso ficou claro no momento em que um governante provinciano usou de sua autoridade para calar o amor. Onde já se viu podar cultura por preconceito. "NÃO À CENSURA" seria o editorial do dia seguinte. A imagem de capa? Os mesmo dois homens se beijando que a intolerância tentou esconder como se errados fossem.

Esperança achava que os tiranos nada mais poderiam fazer contra seu povo, quando ouviu o braço direito do governante entoar em alto e bom som: "Nós, homens, nos sentimos intimidados pelo crescente papel da mulher em nossa sociedade. Por conta disso, parte de nós recorre à violência para afirmar nossa superioridade". Nesse momento, Esperança lembrou de Mariele, de Maria, de Joana e tantas outras, que a cada quatro minutos sofrem algum tipo de agressão no reino e decidiu que seria resistência e escreveu no jornal em letras garrafais: NEM UMA A MENOS!

Quando percebeu que revelar essas atrocidades era a melhor forma de atingir aqueles 58 milhões que não mais acreditavam, Esperança decidiu compartilhar seus conhecimentos, viu na universidade a oportunidade de formar muitos mais, que, como ela, poderiam acabar com a tirania do reino, porém, o malévolo governante percebeu que conhecimento é poder e cortou pela raiz os desejos de Esperança.

Agora, Esperança andava cabisbaixa. Havia perdido seu viço de jornalista iniciante. O bloco e a caneta não carregava mais em punho, mas guardados no fundo do bolso. Um dia, andava olhando para o chão quando esbarrou em Resistência.

Essa, caminhava de cabeça erguida por mais que apanhasse a cada passo. Joelhos já flexionados pelo cansaço da estrada. Não tinha bloco e caneta. Ela carregava livros. Resistência era professora.

Deram-se as mãos.

Reconheceram-se na luta.

Viram os seus serem açoitados pelas palavras, mandos e desmandos de um governante tirano que tem nome e sobrenome: Jair Bolsonaro.

Viram seu reino ruir e sua bandeira ser tomada em um reino com nome de Brasil. Mas não soltaram as mãos. Como fazemos agora.

Portanto, deem-se as mãos. Colegas, professores, familiares e amigos. Deem-se as mãos. Olhem-se nos olhos. Olhem nos nossos olhos.

Nos vejam humanas. Com direitos.

Somem esperanças.

Porque sou negra

branca

amarela

vermelha

homem

mulher

não-binário

cis

trans

gay

lésbica

hétero

bi

pam

Sou brasileira

E lhe dou a mão

Porque aqui: NINGUÉM SOLTA A MÃO DE NINGUÉM!!!!"

Autor
Jornalista, formada pela Universidade Federal de Santa Catarina, especialista em Marketing e mestre em Comunicação - e futura relações-públicas. Possui experiência em assessoria de imprensa, comunicação corporativa, produção de conteúdo e relacionamento. Apaixonada por Marketing de Influência, também integra a diretoria da ABRP RS/SC e é professora visitante na Unisinos e no Senac RS.

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