Um Palimpsesto

Por José Antônio Moraes de Oliveira

 

"Estórias simplesmente contam estórias que já foram contadas antes".

 Umberto Eco.

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Em 1980, um professor de filosofia medieval na Universidade de Bolonha, chamado Umberto Eco anunciou que estava escrevendo uma estória de detetives. Em Roma, críticos literários coçaram a cabeça, incrédulos e desconfiados. Mas estavam enganados, pois "O Nome da Rosa" virou referência no estudo da linguagem escrita e está na lista "Os 100 Livros do Século XX".

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Umberto Eco ressuscitou o antigo Palimpsesto, onde narrativas são embutidas dentro de narrativas. Em "O Nome da Rosa" as estórias estão ocultas em livros perdidos em uma inacessível biblioteca.  Um crítico italiano revisou sua opinião, ao escrever que Eco elevou o Palimpsesto medieval a um patamar literário rarefeito e pouco frequentado. E que o escritor litaliano colocou o leitor diante de um paradoxo - que só poderá ser decifrado pela leitura do último exemplar ainda existente do "Livro sobre a Comédia", da Poética  de Aristóteles.

Para construir este enigma "O Nome da Rosa" replica a estrutura dos clássicos da literatura policial. O monje-detetive William de Baskerville é uma reverência a Sherlock Holmes, o personagem maior de Arthur Conan Doyle. E ao seu lado, no lugar do Dr.John  H. Watson, o escritor e também estudioso da Idade Média coloca o noviço Adso de Melk.

Uma citação dentro da citação, pois realmente existiu um Adson de Melk no século 14, que registrava a vida nos mosteiros beneditinos. Umberto Eco parece ter explorado ao máximo as possibilidades do palimpsesto. O leitor mais atento pode identificar citações tanto da trama clássica de Agatha Christie como da teologia de Santo Tomás de Aquino, de quem escreveu uma biografia irreetocável.

Consta que o escritor italiano, além de devorador de livros, era um homem bem-humorado. Um das figuras mais sinistras com quem se depara William de Baskerville é um bibliotecário cego, Jorge de Burgos. Novamente, não um nome ao acaso - aqui Eco revela sua admiração por Jorge Luis Borges, que como ele, era um apaixonado por livros e diretor da Biblioteca Nacional da Argentina. E mais - é autor do conto "El milagro secreto", onde o personagem é um livreiro cego.

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Ao devassar os segredos da vida monástica medieval, "O Nome..." revive personagens do tempo de disputas que abalaram a Igreja Católica. Enquanto franciscanos defendiam a renúncia aos bens materiais, grupos heréticos pregavam uma visão liberal dos Evangelhos. Um dos personagens é Bernard Gui, que viveu no Século 14 e escreveu um "Manual de Inquisitores", onde ensinava   inquisitores a lidar com os hereges. O livro ainda revela a paixão  do autor pela linguística. O monje Salvatore se expressa em alessandrino, um antigo dialeto da terra natal do escritor, que mistura lombardo, genovês, emiliano e piemontês.

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"Além da luxúria da auto-piedade, existe a luxúria da adoração e até a luxúria da humildade".

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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