Jefferson Botega: A luz como norte

Editor de Imagem de Zero Hora, Jefferson Botega tem a fotografia como uma constante em sua vida

A fotografia faz parte da vida de Jefferson Botega desde 1972, ano em que nasceu. Foi nesse período que uma tia, Ivone, comprou um estúdio fotográfico e, desde então, o sobrinho foi de modelo a aprendiz em seus experimentos. Os tubos de filmes foram brinquedos antes mesmo de completar o primeiro ano, como as fotos da época não deixam mentir. Na profissão, descobriu-se aos 13 anos e agora é a arte de recortar o tempo que determina seus passos.
Editor de Imagem em Zero Hora, onde atua desde 2006, ele se considera um cara persistente, organizado e, por conta disso, às vezes até chato. Aos 41 anos, acredita que trabalhar com fotografia é um desafio constante, praticamente um exercício contra a acomodação. Ele explica: "Se eu fiz uma grande foto há 10 anos, não posso ficar me valendo disso. No jargão futebolístico, comparo ao centroavante. Não adianta ser goleador do campeonato passado. Acho que na fotografia também é assim".
Admite que como editor as oportunidades de fotografar são reduzidas, o que é difícil para qualquer profissional da área, mas garante que se esforça para seguir praticando. Foi assim que surgiu o projeto "Sem filtro", que publica perfis de personalidades na Revista Donna, todo último domingo do mês. "Sou modesto, mas vou falar: foi uma ideia minha. Apresentei para a Marta (Gleich) e ela gostou bastante, então convidei a Fernanda Pandolfi, para a parte de texto, e o Felipe Martini, para os vídeos. O retorno da estreia foi ótimo, fiquei super feliz", comemora.
Surge o fotojornalista
O primeiro emprego foi como assistente no estúdio da tia Ivone, onde, além dos eventos tradicionais de cidade do Interior - como casamentos, aniversários e batizados -, pôde trabalhar com registros fotográficos para a polícia. "Ela cobria muitos acidentes e quando não estava, eu tinha que ir. Às vezes, eu levava duas semanas para dormir depois, era bem complicado", recorda, agora de forma descontraída. Acredita que de experiências como essas tenha surgido a proximidade com o jornalismo.
Da cidade natal, Giruá, partiu em 1991 para estudar Artes Visuais em Santa Maria e, claro, não largou a fotografia. Foi justamente ela que o conduziu ao próximo destino, Caxias do Sul, onde trabalharia no jornal Pioneiro, a partir de 1996. A proposta era para ser laboratorista, mas uma pauta inesperada o colocou na posição de fotógrafo. Como resultado, a experiência no primeiro cargo durou pouco mais de um mês. Aprendeu muita coisa graças à atenção de colegas como Ricardo Wolffenbüttel, Roni Rigon e Gilmar Gomes, que era editor. "Acho que lá evoluí bastante", reconhece.
Em Caxias mesmo cursou fotografia, mais uma escolha orientada pelo encanto pela imagem. "Acho essa parte da academia muito legal, porque tu trocas muita ideia, pode fazer muitos experimentos. É muito importante viver essa vertente de ideias que é o mundo acadêmico", afirma. E também foi na cidade serrana que conheceu Tatiana Laschuk, hoje designer têxtil e professora universitária, com quem se casa em breve.
Do trágico à aventura
Em quase três décadas na fotografia, pautas marcantes são o que não falta. Muitas ficam na memória pela tensão ou pelo trágico. Uma delas foi vivida em 2010, quando um terremoto atingiu o Chile. Entre tremores, cobriu, ao lado do colega Humberto Trezzi, a posse do então presidente Sebastián Piñera. Outros fenômenos da natureza como tornados e vendavais no interior do Estado também são lembrados. "É difícil ver famílias sem suas casas. Não tem como não absorver aquela tristeza", relata.
O título de "A pior pauta da minha vida" é atribuído à cobertura da tragédia no município de Santo Cristo, que vitimou 26 pessoas em um acidente de ônibus, em 2011. "Era uma comunidade de 280 pessoas e, dessas, 26 morreram. Todos se conheciam, eram parentes, foram velados dentro de um ginásio. Demorei semanas para dormir", recorda.
Como nem só do trágico vive o jornalismo, em fevereiro deste ano, Jefferson pôde conhecer o continente gelado. Ele e o repórter Guilherme Mazui embarcaram para a Antártica para acompanhar a reconstrução da Estação Comandante Ferraz, ponto de pesquisa brasileiro, incendiado em 2012. Para chegar até lá, a dupla seguiu até Punta Arenas, no Chile, de onde voaria para o destino final. Foram uma, duas, três tentativas de pouso, impossibilitadas pelas condições meteorológicas. Quando estavam prestes a retornar ao Brasil, o tão esperado desembarque aconteceu. "Foi maluco porque nem sabia para que lado fotografar. Primeiro tu te deslumbras e depois pensas: pé no chão, preciso fazer fotos boas."
O retorno também não foi fácil, tampouco agradável. Como o avião novamente teve dificuldades para pouso, a alternativa foi voltar de barco, através do Estreito de Drake - onde os oceanos Atlântico e Ártico se encontram, deixando as águas turbulentas. Foram, pelo menos, 40 horas de viagem, enfrentando ondas de mais de seis metros.
Entre a sombra e a luz
Filho mais velho da funcionária pública Sirlei e do agricultor Leonorito Botega, na família que se completa com a irmã Bibiane, Jefferson teve uma infância simples, de jogar bolita, brincar na rua. "Meu pai saiu cedo de casa, devia ter uns sete anos, e nós não tínhamos energia elétrica. Com muita luta, minha mãe conseguiu trazer a energia, mas isso deve ter demorado um ano", lembra.
Apesar da ausência do pai, diz que teve no avô materno e na tia referências fundamentais para sua formação pessoal e profissional. Como não tinha muitos brinquedos, acostumou-se a improvisar, inventando brincadeiras com luz e sombra. "Sem dúvida, isso me ajudou muito, porque luz e sombra é tudo na fotografia", considera. Mesmo com as adversidades, crê que não tem do que reclamar. "Fui à escola, tive muitos amigos, criei muitas das minhas brincadeiras, acho isso legal, e brinquei muito na rua", conta.
A figura da tia, que o apresentou ao mundo da fotografia, é apontada como fonte de inspiração. "Agradeço muito a ela por ter me colocado nesse caminho, de onde nunca mais saí". Também são referências aquele que foi seu primeiro editor, Gilmar Gomes, e os colegas de trabalho. "Com cada um aprendo um pouco", diz. Completam a lista o francês Elliott Erwitt, o norte-americano Ansel Adams, o iraniano radicado em Nova Iorque Max Abadian e brasileiros como Walter Firmo e Rogério Reis.
Longe das câmeras
Não seria diferente: os livros preferidos versam sobre fotografia e cinema e também incluem biografias. A mais recente é "Sangue e champagne, a vida de Robert Capa". Leituras sobre o dadaísmo também estão entre as que aprecia, especialmente pelo fato de encontrar no movimento artístico semelhanças com o que ocorre na comunicação atualmente. "Antes, a arte era vista e contemplada. A partir da década de 20 as pessoas começaram a interagir com ela. Isso está acontecendo com a comunicação agora. Acho muito bacana entender e viver isso".
No cinema, os filmes de comédia e os românticos são dispensados e a fotografia, claro, é sempre objeto de atenção. Sobre esse aspecto, destaca "O palhaço", de Selton Mello; "O tempo e o vento", de Jayme Monjardim; e "Cisne Negro", de Darren Aronofsky, que serviu de inspiração para os vídeos da reportagem "Filho da Rua". "Aquela câmera nervosa, sempre tremida, com foco e desfoque, isso causa uma sensação de incômodo e te faz prestar atenção. Aquela fotografia me fez repensar algumas coisas e foi minha referência", revela.
Rock é o estilo musical que mais o agrada. Pode ser Rolling Stones, The Police, Lou Reed, Bruce Springsteen, The Cure, Ira, Legião Urbana, Engenheiros do Hawai, U2 ou Pink Floyd. Na gastronomia, vai do churrasco ao sushi, sem esquecer das massas, como típico descendente de família italiana. Praticar tênis três vezes por semana e andar de bicicleta são para ele não só atividades físicas, mas também maneiras de abstrair. "Minha válvula de escape é o exercício físico. Se fico sem me exercitar, fico doente. É algo que eu preciso", afirma.
Fazer a diferença
Para fotografar, não faz restrições, já que adotou como regra o princípio de jamais subestimar uma pauta. "Acho que tu tens que fazer da tua pauta a mais importante. É o que eu digo para os colegas que, às vezes, reclamam: "só faço buraco de rua". Já fiz muito buraco de rua, todo mundo faz". Na busca diária pelo clique perfeito, crê que o mais gratificante é alcançar o reconhecimento de leitores, amigos e colegas. "Saber que alguém perdeu alguns minutos com a tua imagem e mais alguns te mandando um e-mail de agradecimento, porque a tua foto mudou o dia dela, não tem outra coisa mais bacana do esse retorno", afirma e acrescenta em seguida: "acho que é isso que me mantém. Tentar trazer uma imagem relevante para a sociedade, que faça alguma diferença".
Jefferson se diz um privilegiado pela oportunidade de viver diferentes gerações na comunicação. "Pude trabalhar em laboratório, revelar filme, restaurar imagem com lápis. Vivi o momento analógico, a transição para o digital e agora toda essa transformação que a comunicação está passando. Vejo isso como um privilégio". Para o futuro, quer seguir fazendo o que gosta e, quem sabe, realizar o sonho de comprar uma Kombi e atravessar a América do Sul, registrando a jornada em imagens. "Quero uma vida um pouco mais calma, quero poder continuar fotografando até não consegui mais erguer a minha câmera", conclui.

Imagem

Jefferson Botega | Crédito: Diego Vara


 

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