Diversidade e Comunicação: Leonardo Santos e a importância de escutar de verdade

Publicitário conversou com Luan Pires para o especial desta sexta-feira

Leonardo Santos começou a trabalhar com Publicidade em 2002. Diretor de Arte e Motion Designer, ele tem passagens em agências como a Escala e agora a HOC - House of Creativity. Leo é participante ativo e encabeça várias ações do núcleo de pessoas pretas da agência em que trabalha: o Sankofa. Além disso, é um grande fã de podcasts, já tendo trabalhado exclusivamente com isso, o Papricst. Do papo que tivemos, o que mais chamou atenção foi a sua noção de privilégio e a necessidade da escuta dentro do assunto Diversidade, Equidade e Inclusão (DE&I).   

Como pessoa negra e atuante de um núcleo de acolhimento, acredito que o assunto DE&I é presente na sua vida. Teve um momento-chave na sua trajetória sobre o tema?

Eu precisei fazer um penso retroativo na minha vida uns três anos atrás. Comecei a pensar: "Que estranho que às vezes sou tratado diferente. Que estranho que algumas oportunidades demoram mais pra chegar em mim". E, quando fui me dando conta disso, estava olhando de outra maneira várias coisas do passado e percebendo situações que antes eu não tinha percebido. Das coisas mais simples, como ter que pedir muito por oportunidades, até ouvir piada racista? Nessa época, eu pensava que era a moeda de troca que eu tinha que aguentar para estar nos espaços que eu estava. Hoje, eu entendo que não. Hoje já mudou a situação. Claro que ainda existe no mercado, mas de uma forma mais velada. A questão é saber o que melhorou, mas não esquecer do que não melhorou.

Qual você acha que é o papel das empresas de comunicação para continuar melhorando?

O principal é parar para escutar e repensar a maneira como se trabalha e se lida com as equipes. As empresas precisam aceitar que por mais desconstruídas que sejam, elas reproduzem racismo. Eu mesmo tenho consciência que reproduzo machismo, homofobia, racismo?

Todos nós em maior ou menor grau reproduzimos. Quem não admite isso nunca vai conseguir evoluir.

Exatamente. Se a sociedade nos deixou desse jeito, o que podemos fazer para melhorar isso? Eu sinto que existem movimentos, mas ainda não chegamos na equidade. A gente ainda vive num clube de homem branco hétero que comanda as oportunidades. Nem todo mundo que não é desse clube sofre da mesma maneira, mas todos de alguma maneira sofrem, então entender isso é entender a necessidade de muitas pessoas. No meu caso, tem a questão de eu eu não ser um negro retinto e embora reconheça minhas dificuldades, sei também que tem muita gente lidando com situações bem mais complicadas. Nestes casos, eu tento fazer o que eu cobro: escutar todas as intersecções e pensar em como lutar por todo mundo. Como criar espaço para todos? Já que sabemos que espaço tem! A escuta é o caminho pra tudo, a gente nunca vai entender a vivência total do outro, mas sempre podemos tentar chegar perto.

A questão da escuta ativa, né. Quando tu ouve, parece bem passivo. Mas quando tu escuta ativamente, tu realmente está trabalhando essa informação e construindo. Em agências de publicidade, é muito comum ter muita gente falando e ninguém escutando ativamente, no máximo ouvindo.

Sim. E as vivências dos outros podem nos ajudar muito. Somos histórias, né. Meus pais, por exemplo, se conheceram numa comunidade periférica de São Vicente. Mas meu pai trabalhou bastante para melhorarmos financeiramente. Então, eu cresci entre brancos, na classe média, mas me sentindo diferente. Uma coisa que me chateava era que eu não conseguia fazer os mesmos penteados dos meus amigos, hoje já adoro meu cabelo. Com o tempo entendi minha ancestralidade e sua importância. Também entendi que o meu pai gastou quase toda a energia dele melhorando nossa vida. O foco dele foi esse e não sobrou tanto espaço para falar sobre nossa ancestralidade. De chegar e dizer pra gente: sim, tu é diferente dos teus colegas e é especial por isso. Mas, ao mesmo tempo, isso fez eu reconhecer nesse ato o meu papel. Procuro sempre buscar um pouco de consciência racial e ajudar as pessoas nesse sentido.

E tem conseguido?

Sim, mas o governo anterior foi um retrocesso gigantesco. Eu comecei a vivenciar situações de preconceito que antes eu não vivia. Na rua, no prédio em que eu morava, em qualquer lugar.  Situações que não aconteciam tanto antes começaram a acontecer. 

E o Sankofa e essa troca com outras pessoas ajuda a passar por situações difíceis?

Sim, a criação do Sankofa me ajudou muito porque me rendeu a sensação de fazer algo contra isso. E nós, do núcleo, combinamos de ser um apoio para todas as áreas da vida um do outro. Quando tu se aproxima da galera que passa pelas mesmas coisas, você entende que faz sentido o que você está vendo. Não é coisa da sua cabeça. O Sankofa tem sido legal para acolher, para capacitar pessoas criando oportunidades e portfólio e até para abrir espaço para outras pessoas. A gente vai se cuidando e se protegendo. 

Para encerrar, o que é diversidade e inclusão para ti?

Eu lembrei de uma música chamada "Tá Na Hora do Pau Comer", do Coco de Umbigada, que fala: "SOU MAIS A PARTICIPAÇÃO, DO QUE ESSA REPRESENTAÇÃO". Eu acho que é por aí. Diversidade é algo que já existe, vivemos num país diverso. Já a inclusão é aceitar isso e ver que todo mundo ganha, não só quem está pedindo espaço. Numa agência de comunicação ter visões de mundo pra se somar numa criação é rico demais.


Esta matéria faz parte de um conteúdo especial sobre diversidade e Comunicação, produzido por Luan Pires para Coletiva.net.

Autor
Luan Nascimento Pires é jornalista e pós-graduado em Comunicação Digital. Tem especialização em diversidade e inclusão, escrita criativa e antropologia digital, bem como em estratégia, estudos geracionais e comportamentos do consumidor. Trabalha com planejamento estratégico e pesquisa em Publicidade e Endomarketing, atuando com marcas como Unimed, Sicredi, Corsan, Coca-Cola, Auxiliadora Predial, Deezer, Feira do Livro, Museu do Festival de Cinema em Gramado, entre outras. Articulista e responsável pelo espaço de diversidade e inclusão na Coletiva.net, com projetos de grupos inclusivos em agências e ações afirmativas no mercado de Comunicação. E-mail para contato: [email protected]

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