Diversidade e Comunicação: Mariana Baierle e a mudança que precisa vir também das atitudes das pessoas
Articulista do dia em Coletiva.net, jornalista foi entrevistada por Luan Pires, curador deste especial
Mariana Baierle é jornalista, doutoranda em Linguística Aplicada pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), autora dos livros 'Histórias de Baixa Visão' e 'Maternidade e deficiência visual: do sonho ao nascimento de Natália' e uma profissional muito ciente de que a questão da acessibilidade é mais que tecnológica, ela passa pelo universo humano. Sem a atitude humana, a tecnologia não atende a todos os requisitos. E vice-versa.
O que você mais gosta da área de Comunicação? Afinal, além de profissional, de alguma maneira, você é estudiosa da área.
Sempre gostei de entrevistar pessoas e conhecer novas histórias de vida. Por isso fui para o Jornalismo. Trabalhei muitos anos em reportagem, assessoria de imprensa, edição de texto e redações? Comunicação é algo que eu me identifico muito. A área da pesquisa veio depois, mas, ainda assim, de alguma maneira, tangencia a comunicação.
Como foi o processo de perda de visão?
Nasci com cerca de 20% de visão e tenho uma doença degenerativa que na fase adulta piorou. A minha graduação eu fiz com um nível de adaptação: lia os textos usando uma lupa e tirava xerox com folha A3 ou ampliava para eu conseguir ler. No mestrado, eu contava com o núcleo de inclusão da Ufrgs, que fazia material com fonte ampliada. Eu lembro de andar com muitos livros grandes e pesados porque um livro com fonte ampliada ficava muito maior. Eu não usava leitor de tela, agora eu uso porque minha visão já diminuiu para 5%. As pessoas acham que de 20% para 5% não é muita coisa. Mas pensa: 20% sempre foi a minha noção de realidade, quando diminuiu para 5%, eu precisei me readaptar muito. É menos da metade que tu tinhas, que já era pouco. Mas o pouco que eu tenho hoje já me ajuda muito.
E como ocorre essa adaptação?
Na rua, eu uso bengala. Além do leitor de tela, eu uso letras ampliadas no computador porque o leitor não dá todas as informações que você precisa. Por exemplo, esses textos acadêmicos, quando tem uma citação, eu não vejo o recuo da citação então o pouco que eu enxergo me ajuda pra identificar isso entre outras coisas. Os próprios leitores de tela não são configurados para esses tipos de texto. E os sites não são programados para quem usa o leitor de tela, também. São vários desafios para ir enfrentando cotidianamente. Para digitação é normal, porque o que eu escrevo é lido pelo leitor de tela. Eu não uso o teclado especial, eu decoro as teclas. Desse jeito eu vou conseguindo.
A tecnologia melhorou muito no decorrer dos anos? O acesso é fácil? É barato?
A tecnologia ajuda muito e cada vez mais. O leitor de tela que eu uso é um software livre, mas a barreira do site ainda é complicada. Se tem uma foto ou um gráfico importante, o programa não vai ler. Precisaria ter descrição em todas as imagens dos sites. A maioria ainda não tem. Já o movimento #pratodosverem contribui também. Principalmente para o Instagram, que é basicamente foto. Eu acho legal essas tags de inclusão ficarem abertas e todos verem, porque você pode até botar descrição da imagem e aí só para quem tem leitor de tela enxerga. Mas deixar aberto é também algo político, mostra para toda a sociedade e isso conscientiza que existimos.
E com a questão do home-office, é fácil se adaptar ou o presencial dá mais estrutura?
No presencial, tenho bolsistas que são meus apoios porque me auxiliam em todos os desafios que até podem ser coisas simples, mas não são pensados para quem não enxerga. Às vezes, até um botão de 'Ok' que está como imagem eu não vou conseguir achar com o leitor de tela e se tu estás em casa é pior, porque não tem esse apoio. Por isso, o presencial me dá um conforto porque tem gente para me ajudar. Eu sempre digo que acessibilidade é 50% tecnológica e 50% atitudinal e humana. De nada adianta eu ter tecnologia e não ter pessoas para o apoio correto, assim como não adianta ter pessoas e não ter a tecnologia.
E como é chegar em lugares novos? Geralmente estão preparados? Você precisa explicar sempre as mesmas coisas?
Em muitos lugares eu preciso quebrar a resistência de algumas pessoas que não sabem como fazer. Teve lugares que eu não recebia atividades e ficava excluída de tudo que faziam. Mas também encontrei setores que me apoiaram. Mas, a gente precisa ainda educar as pessoas e mostrar que eu posso fazer as coisas. Não deixá-los me reduzirem a uma deficiência, pois sou uma pessoa com dificuldades e potencialidades como todos. Tem uma frase da Juliana Carvalho que diz "que é preciso construir rampas nas cabeças das pessoas". Fazer de verdade a inclusão não é fácil, porque você pode até entrar em empregos, mas permanecer é difícil por tudo isso. Muitos desistem. E isso passa pelas lideranças, colegas que veem coisas acontecendo e não fazem nada, a própria cultura da organização que reflete a cultura da nossa sociedade. Então é cansativo ter que lutar por isso o tempo inteiro.
Como não se entregar as dificuldades?
Eu tento, por meio da Literatura, expressar essas coisas e me motivar através disso. Eu escrevi dois livros: o primeiro é uma coletânea que eu organizei chamada 'Histórias de Baixa Visão', que conta com mais de 20 autores do Brasil inteiro contando suas histórias neste universo. O segundo se chama 'Maternidade e Deficiência Visual: do sonho ao nascimento de Natália', que é escrito por mim e fala da minha história e da minha filha. Nos dois livros eu trago esses desafios, mas com realidade e leveza, mostrando que é possível. Minha pesquisa no doutorado fala sobre 'Letramento Acadêmico de pessoas com deficiência visual na Universidade', por exemplo. Então, eu tento de diferentes formas mostrar isso pras pessoas, é cansativo, mas também é motivador porque eu vejo avanço. Em alguns ambientes as pessoas já conhecem mais o assunto. Por exemplo, a cor da bengala: se ela é branca significa que ela é designada para pessoas cegas, verde para pessoas com baixa visão e vermelha e branca para surdocegueira, que, em diferentes graus, refere-se a quem tem a audição e a visão comprometidas. Então, quando eu vou comentar sobre o assunto, muitas pessoas já ouviram falar e já tem algum conhecimento. Isso ajuda a motivar.
Que recado você deixaria para a sociedade geral para que a gente continue avançando nestes assuntos?
De forma bem prática, vou dar dicas. Descrição de imagens, é importante. Audiodescrição de filmes e eventos culturais. Essas hashtags também ajudam, assim como a ação dos sites de se adaptarem aos leitores de tela. Outra dica: quando vai ajudar alguém a atravessar a rua, se apresenta, pergunta se a pessoa quer ajuda, não sai agarrando e puxando porque tu nem sabes o que a pessoa quer. Tratar o outro como tu gostarias de ser abordado. São coisas básicas do cotidiano. Às vezes, têm umas pessoas que saem gritando de longe: para esquerda, para direita! Eu me oriento pelo ouvido, então, às vezes pode me atrapalhar. Falta bom senso.
O que é diversidade e inclusão para você?
Eu acho que todo mundo é diverso e todo mundo está de alguma forma excluído. Existe ainda muita exclusão. Diversidade e inclusão tem a ver com tentar reduzir a exclusão. Já ouvi professores falarem: tenho 20 alunos e dois de inclusão. Ou seja, já no discurso começa a exclusão. Cuidar porque às vezes a gente está falando de inclusão, mas acaba gerando discurso de exclusão. É muito difícil mudar a cultura, por isso, é bom começar pelas partes práticas. Começar a mudar com pequenas ações. Pensar mais no outro com empatia e entender que essas ações ajudam muitas pessoas. Pensar em um desenho universal que vai funcionar para todos.
Esta matéria faz parte de um conteúdo especial sobre diversidade e Comunicação, produzido por Luan Pires para Coletiva.net. Quinzenalmente, o jornalista publica uma entrevista exclusiva com o articulista do dia. Para conferir o artigo de hoje, assinado por Mariana Baierle, clique aqui.