Diversidade e Comunicação: Raphael Simioni e as brincadeirinhas que não são engraçadas
Articulista do dia em Coletiva.net, publicitário cedeu entrevista ao curador deste espaço, Luan Pires
Raphael Simioni tem 29 anos, sendo oito deles dedicados ao mercado de Comunicação. Formado em Publicidade e Propaganda pela Escola Superior de Propaganda e Marketing de Porto Alegre (ESPM POA), atualmente divide seu tempo trabalhando como atendimento publicitário na agência Closer e diretor de Marketing na empresa da família, a Padrão Empreendimentos Imobiliários. Entre idas e vindas no caminho entre São Paulo e Porto Alegre, encontrou uma pandemia, um burnout e a percepção de que precisava cuidar da saúde mental em um meio que exige mais do que entrega de qualidade, mas um bom jeito de saber lidar com as pessoas.
Como foi enfrentar a pandemia, voltar para São Paulo e encarar um diagnóstico de burnout?
A pandemia foi uma virada de chave, porque percebi como me fez falta o contato humano. Estabelecer relações interpessoais e expressar meu "eu" é essencial para o meu dia a dia. A falta disso acabou resultando em um diagnóstico de burnout. Claro, tenho consciência do meu local de privilégio com uma família que, se eu precisar, não vai me deixar faltar nada. Mas, naquela situação, percebi que, mais do que isso, precisava cuidar de mim. Hoje, eu vejo a importância de cuidar da saúde mental para evitar essas situações. Ter um acompanhamento. Depois da pandemia, o assunto começou a pipocar, mas ainda é pouco comentado. Principalmente, se considerarmos o homem hétero que tem toda a questão da masculinidade frágil e que pensa que "terapia é coisa pra gente louca". A terapia me ajudou muito a entender questões que eu não olhava por medo. Até hoje é meu momento sagrado semanal porque a vida é mutável, então, por mais que seja uma situação que tu já conheces, tu precisas aprender a lidar, porque cada momento é um momento.
Como o assunto diversidade entrou na sua vida? Em que momento você se descobriu gay e quais são os pontos importantes dessa descoberta?
Para falar disso preciso contar a história da minha mãe. Ela é assistente social. Durante a trajetória dela trabalhou com muitas pessoas. Entre esses, um homem gay e um mulher cis lésbica que trabalhavam com ela. Eu sempre gostei de ficar perto deles. Estavam sempre por perto e eu convivia muito. Foi quando eu comecei a ter os primeiros contatos com pessoas LGBTs e eu comecei a entender... Na época, era algo ainda novo, mas sabia que eu me sentia bem perto deles. Pra mim, isso já era uma espécie de rede de apoio. Desde então, isso foi aumentando na minha vida. Sempre tive pessoas LGBTs perto de mim e isso me ajudou muito. Se eu não tivesse essas referências desde criança talvez eu não tivesse o entendimento do meu eu. Então, é importante para quem está no processo de descoberta poder enxergar outras pessoas desse recorte. Para enxergar que vale a pena ser quem você é, embora não seja fácil.
Como você vê a representatividade no mercado de trabalho da Comunicação?
A gente vive nas nossas bolhas e a minha é basicamente LGBT, com alguns héteros perdidos. Mas, na agência que eu estou, a grande maioria é LGBT. Principalmente LGB, mas a gente não vê muito a letra T. O que vale uma reflexão: temos a maior parada LGBT do mundo, somos o país que mais consome conteúdo pornográfico de pessoas trans e, ao mesmo tempo, o que mais mata essas pessoas. Por isso, a representatividade é importante. Você precisa ser visto para existir. Que a sigla LGBTQIAPN+ siga aumentando para todos terem a chance de se sentirem representados.
Até porque o processo de autodescoberta nunca termina, né...
Exato. Quando eu entrei na faculdade eu já cheguei falando: eu sou um homem gay. Muitos dos meus amigos chegaram como héteros, mas com o tempo foram se entendendo como homens gays. Eles me viram como referência na época, e hoje também são minhas referências. Essa é a real importância da representatividade. Se as pessoas não se enxergam, elas não vão se declarar. Principalmente depois do último desgoverno. Até empresas que tinham voz mais ativa na pauta pararam. Ainda estamos com poucas vagas, poucos personagens gays, personagens gays escrachados... O gay é sempre o personagem alegre, feliz, contente... Como as pessoas vão se sentir representadas?
Representatividade não é só mostrar fotinho da empresa feliz com a bandeira, mas dar oportunidade das pessoas entrarem e ocuparem os espaços nas empresas. É mais que a foto da pessoa PCD no outdoor, porque não adianta fazer isso se você não está dando espaço para essas pessoas na sua empresa.
Sabemos que avançamos, mas tem algo mais específico que ainda o incomoda sobre essas questões?
Me incomoda as pessoas ainda darem espaço para brincadeiras que não são brincadeiras. Preconceitos disfarçados de brincadeiras. Apesar de termos avançado muito, a internet ainda é uma terra sem lei. Eu vejo comentários em conteúdos de pessoas diversas que são criminosos! Como que isso ainda é tolerado? As pessoas tem que saber diferenciar opinião de crime.
O que é diversidade e inclusão para você?
Acredito que, para mim, é aceitar a pluralidade do mundo em qualquer âmbito. Mais que aceitar: abraçar, impulsionar e falar cada vez mais disso. É abrir esses espaços para discutir e debater com todo mundo sobre esses temas e tentar assim diminuir discursos violentos e preconceituosos.
Esta matéria faz parte de um conteúdo especial sobre diversidade e Comunicação, produzido por Luan Pires para Coletiva.net. Quinzenalmente, o jornalista publica uma entrevista exclusiva com o articulista do dia. Para conferir o artigo de hoje, assinado por Jaques Machado, clique aqui.