Correspondentes: olhares gaúchos no cenário internacional
Candice Carvalho e Evelyn Bastos enviam notícias dos Estados Unidos para o Brasil
A série especial 'Correspondentes' já destacou o trabalho dos profissionais que noticiam nacionalmente sobre o Rio Grande do Sul, os que informam a Porto Alegre sobre o interior do Estado e, por último, aqueles que já deixaram o Brasil e colocaram a própria pele em risco, para cobrir conflitos em nível internacional. Por fim, nesta reportagem, que marca o encerramento deste apanhado, o Coletiva.net conversou com outro tipo de correspondente que atua fora do País, mas de forma fixa. São os profissionais que, por diversos motivos, se estabeleceram no exterior e se dedicam a traduzir o cenário mundial para os brasileiros.
Candice Carvalho é uma delas. A jornalista atuou no Grupo RBS por oito anos, até que, em 2013, solicitou uma licença para ir a Nova Iorque cursar especialização em Relações Internacionais. Logo na chegada, conseguiu um estágio no escritório da Globo. A estada, que era pra ser de seis meses, tornou-se de um ano, e na hora de voltar, ela percebeu que não era isso que queria. Então, cortou os laços com a emissora gaúcha e, três meses depois, foi contratada pela GloboNews, para desempenhar uma dupla função: produção e reportagem. "Comecei no programa 'Estúdio i' e fui crescendo, o lado da reportagem também foi me encantando mais e, há um ano, deixei de ser produtora para ser apenas repórter", contou.
Na função desde 2017, quando se tornou correspondente internacional, Evelyn Bastos já havia deixado o Rio Grande do Sul e atuava no Rio de Janeiro como repórter especial do programa 'Domingo Espetacular', da Record. O convite veio como uma surpresa, já que a profissional, com menos de 30 anos na época, considerava-se muito jovem para o cargo. "Mesmo assim, aceitar foi uma decisão fácil, tanto pra mim quanto pro meu marido - somos aquele casal desprendido que não tem medo de arriscar, sabe?", explicou. A ida aos Estados Unidos ainda soou como um déjà-vu: "Quando decidi fazer Jornalismo eu disse pros meus pais que seria correspondente internacional um dia. Acho que o universo conspirou".
Duas metades
O universo seguiu conspirando para Evelyn nos últimos quatro anos: "Foram os mais intensos jornalisticamente". A jornalista foi a responsável por informar ao Brasil sobre as conturbadas eleições presidenciais, que tiraram Donald Trump do poder em 2020. "Foi incrível percorrer o país para mostrar ao público todos os lados do complicado sistema eleitoral norte-americano", explicou. Além disso, também esteve presente na cobertura dos protestos após a morte de George Floyd - afro-americano estrangulado por um policial em Minneapolis, em maio de 2020 -, que ocorreram em meio ao ápice da pandemia em Nova Iorque - cidade onde a profissional reside. "Também fiz uma série de reportagens especiais sobre os 20 anos dos atentados de 11 de setembro. Marcou-me profundamente, consegui falar com sobreviventes e testemunhas que estiveram em silêncio durante essas duas décadas", contou.
Candice também teve o privilégio - como ela mesma define - de fazer coberturas que a marcaram como pessoa e jornalista. Assim como Evelyn, a profissional esteve presente nos protestos contra a morte de George Floyd e considera que foi um momento de "partir o coração em duas metades". "Tem a parte profissional, que quer cobrir a pandemia e as manifestações, mas, como cidadã, estava com medo, ninguém sabia direito o que era o vírus. Eram vários sentimentos envolvidos", relembrou. Contudo, a jornalista ainda descreveu a satisfação em poder levar essa informação para o Brasil: "É uma pauta que nunca deveria sair das nossas discussões, mas que às vezes acaba saindo, por vários motivos". Ainda foi no meio desse caos que ela conseguiu tirar inspiração para o primeiro livro, batizado de 'Asfixia', que aborda justamente os acontecimentos daquele momento.
Construindo pontes
Evelyn enxerga o trabalho como um desafio diário surpreendente, onde lida com o inesperado o tempo todo. Com pautas majoritárias sobre Política e Economia, ela entende a necessidade de transformar as notícias complexas para algo de fácil entendimento e mais próximo da realidade brasileira. "É essencial ser um repórter versátil, capaz de traduzir essas informações e levá-las de forma mais simples e leve para a audiência", apontou. A jornalista não esconde que o trabalho carrega muita responsabilidade, demanda energia, atenção e disponibilidade 24 horas por dia, além de poder se tornar exaustivo, física e mentalmente, "mas é delicioso, sou apaixonada pela minha profissão".
No mesmo sentido, Candice considera que um dos maiores desafios como correspondente internacional é não perder o contato com aquilo que é importante para os brasileiros. "Nem sempre uma notícia que é relevante aqui tem impacto para o Brasil. Ou tem uma informação que é útil nos Estados Unidos, e tem apenas um aspecto - às vezes nem tão comentado - que a população vai se interessar", explicou. É necessário ver e viver um mundo pela perspectiva de dois países com amplas diferenças políticas, econômicas, culturais, geográficas, climáticas, etc. "A gente tem que sempre estar atento ao que está acontecendo no cenário atual brasileiro e no norte-americano, para conseguir criar uma ponte", pontuou.
Outra dificuldade apontada pela jornalista da GloboNews é a competitividade com outros correspondentes e veículos locais, visto que Nova Iorque tem sedes de emissoras do mundo todo. "Na hora de conseguir uma entrevista você tem que batalhar, insistir, correr atrás mais do que precisaria no Brasil, onde todo mundo conhece a Globo. Aqui muita gente até conhece, mas não todos", justificou.
Autonomia
Apesar da preferência pelo trabalho em equipe, Candice percebeu logo cedo que a realidade seria mais solitária e ressignificou o sentimento dentro de si mesma: "Gosto dessa independência". Mesmo mantendo o contato com a produção no Brasil, ainda pesa a responsabilidade de estar na rua, reportando sozinha os fatos. "Eu acho que o trabalho do repórter, hoje em dia, exige o conhecimento para operar câmera, entender minimamente sobre luz, pra não ficar em uma posição ruim, senão a imagem não vai ficar boa", apontou. Nesse sentido, ela ponderou que foi o avanço da tecnologia aliado, mais recentemente, à pandemia que trouxe uma maior cobrança para a figura do repórter. "Tem seu lado bom e ruim", afirmou.
O peso da responsabilidade é algo que Evelyn também compartilha, muito mais do que a própria solidão. "O dia a dia é tão pesado e corrido que nem dá tempo de perceber que fisicamente estou sozinha", comentou. Como única correspondente da emissora nos Estados Unidos, acaba acumulando todas as demandas que surgem, algo que a experiência a ensinou a lidar com mais leveza, "pelo bem da minha sanidade mental". Ela também enxerga que ter uma equipe bem estruturada e competente para se reportar aqui no Brasil acaba minimizando as eventuais dificuldades que surgem pelo caminho. "É algo que enriquece diariamente essa experiência", afirmou.
Esta matéria faz parte da série especial 'Correspondentes' do Coletiva.net, publicada de 28 a 31 de março de 2022. Nas reportagens anteriores, Bruna Ostermann, Flávio Ilha e Hygino Vasconcellos compartilharam como é levar informações do Rio Grande do Sul para veículos nacionais, enquanto Everson Dornelles, Renato Oliveira e Stephany Sander contaram sobre o trabalho de enviar notícias do interior do Estado para as redações de Porto Alegre. Marcos Losekann e Rodrigo Lopes também relataram a experiência com a cobertura de guerras. Não deixe de conferir todas!