Renato Dornelles: Três em um

Desde 1987, o jornalista trabalha com editoria que trata da Segurança e acabou por escrever um livro e produzir documentários sobre o tema

Ingressante do Grupo RBS pelo projeto-piloto, o qual mais tarde viria a ser o 'Caras Novas', Renato Dornelles trabalha desde 1986 na empresa de mídia. No mesmo ano, formou-se em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação, Artes e Design - Famecos, da PUC. Seu primeiro trabalho foi na rádio Gaúcha; depois, após 13 anos na Zero Hora, passou a atuar na editoria de Polícia do Diário Gaúcho - local onde se encontrou. Até hoje, Renatinho, como é comumente conhecido por quem trabalha na Comunicação, atua de maneira ativa acerca do tema e parece que lá sempre foi seu lugar, afinal, por um período estudou oito semestres de Direito. Por ser curioso, acabou descobrindo que sua vocação realmente era o Jornalismo. "Não envelhecemos nunca. A profissão sempre nos apresenta coisas novas e nos faz sair da rotina", define.

Nascido em Porto Alegre em 15 de maio de 1964, filho dos servidores públicos já aposentados, Hélio Sadi de Souza Dorneles e Neuza Marlene Nunes, cresceu em uma família de músicos por parte de pai. Seu Hélio toca baixo e foi um dos primeiros baixistas elétricos da Capital; o avô, José Dorneles, também era músico e tinha o dom musical. Um dos primos, Zé Natálio, é baixista da banda gaúcha Papas da Língua. Renatinho saiu deste meio, mas sempre teve apoio familiar para se tornar jornalista. Pai de Bernardo de 10 anos, e Renata, que segue seus passos e é formada em Jornalismo aos 25 anos, em seus dias de folga gosta de estar com a família e amigos em roda de Samba e degustando sua comida favorita: churrasco. Vovô-coruja de duas netas, como se define, além de estar perto das pessoas que gosta, dedica seu tempo para literatura e assistir a filmes de todos os gêneros, porém, deixa claro que o que mais gosta de consumir são os documentários.

O início da ligação

Era 29 de julho de 1987, e o Presídio Central, em Porto Alegre, enfrentava um motim. Na ocasião, presos fizeram uma rebelião, que acabou provocando a morte de duas pessoas e a fuga de oito detentos com veículos cedidos pelas autoridades. Este fato que entrou para a história da Capital teve a cobertura de Renatinho. Uma das falas de um apenado acabou chamando a atenção do jornalista, pois o presidiário anunciava que uma "quadrilha grande iria se formar". Ele, que via o tumulto acontecer com a união de assaltantes de bancos e traficantes, lembrou-se do que se sucedia no Rio de Janeiro, segundo o livro 'Falange Vermelha': o crime organizado e facções. Após este evento, tentou alertar pessoas influentes. "Ninguém acreditava em mim", relembra.

A partir daí, começou a se identificar com a área. Um dos momentos que considera lisonjeiro foi durante uma coletiva de imprensa sobre o sistema penitenciário no governo de Alceu Collares. Sentado perto da cabeceira da mesa, onde o então governador e seu secretário de Segurança, Geraldo Gama, estavam, Renatinho percebia que as coisas que falavam aos jornalistas presentes não condiziam à realidade. Assim, ele contestava: "Secretário, mas a situação não está bem assim". Na quinta vez, ouviu de Collares: "Escuta, estou vendo que o irmãozinho sabe tudo de presídio, isso é por experiência própria?". Apesar da ironia, ele se sentiu lisonjeado pelo rótulo de saber sobre o assunto. "Isso demonstra que até hoje a questão prisional faz parte da minha carreira", avalia.

A saga do Falange Gaúcha

Seu primeiro livro-reportagem traça a história e o desenvolvimento dos primeiros grupos criminosos organizados do Rio Grande do Sul e foi publicado em 2008. Porém, o rascunho do título começou a ser feito ainda no início dos anos 90, quando o então governador do Estado, Antonio Britto, anunciou a desativação do Presídio Central. Ele achou então que deveria escrever a obra, e imaginava que o final seria o encerramento da que se tornou hoje a Cadeia Pública de Porto Alegre. Com o encerramento não acontecendo, em 1996 Renatinho registrou um final que não o agradou, e isso o fez desistir de publicá-lo naquele momento.

Com o projeto na gaveta por quase 10 anos, em 2003 o desejo veio à tona. Mostrou o esboço original para os diretores de Redação da época, Cyro Martins e Marcelo Rech. O retorno foi positivo, mas com a orientação de que faltava um 'grand finale'. O esboço ficou mais um tempo adormecido, até que, em 2005, veio a morte do preso com maior influência no sistema penitenciário gaúcho na época, Dilonei Francisco Melara. Com a morte de Melara, o final da obra estava definido. A dificuldade seguinte foi conseguir editora para um tema que não era nada comercial. "Elogiavam o texto, mas não queriam vincular seu nome ao tópico", conta.

Por mais dois anos desistiu de publicar. Foi quando, em 2007, David Coimbra o aconselhou a divulgar os textos em Zero Hora. Com o apoio de Alexandre Bach, na época editor-chefe do Diário Gaúcho, naquele ano, durante 10 finais de semanas, saía um resumo de duas páginas sobre o livro. Com esta divulgação, acabou por ganhar 10 prêmios pela reportagem, dentre eles, o reconhecimento da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), e o interesse de três editoras para a publicação da obra. O 'Falange Gaúcha' foi publicado, então, em 2008, pela RBS Publicações.

O mundo audiovisual

Durante a divulgação do seu livro em um programa da extinta TVCom, do Grupo RBS, ele encontrou uma amiga que visitava a emissora para apresentar um cineasta. Esta era Tatiana Sager, que logo ficou interessada na obra. No dia do lançamento do livro, a jornalista, que é sócia-diretora da Panda Filmes, apareceu para prestigiar o colega e pedir autógrafo nos três exemplares que comprara. Dias depois, contatou Renatinho e pediu que assinasse os direitos para que ela produzisse um documentário sobre a obra.

Em 2010, Tatiana o convidou para que participasse da produção de um curta-metragem. Foi sua primeira experiência no mundo audiovisual e foi o momento em que nasceu o projeto 'Poder Entre As Grades', veiculado em 2014, totalmente baseado em seu livro. Com a coleta de materiais, ambos perceberam que havia muito ali que não poderia ser perdido. Assim, surgiu a ideia de produzir um documentário sobre o Presídio Central. "Para ganhar impacto, acabamos por nomear somente como 'Central'."

Foram três anos de coleta e seis meses de montagem do filme que ele codirigiu com Tatiana. Durante o processo, ele garante que não houve momento em que quis desistir, apesar do árduo trabalho. "Nossa primeira reunião foi com cinco líderes de facção. Somente nós e eles, sem autoridades", lembra, orgulhoso. Para colocar em prática a ideia de presos filmarem, alguns encontros aconteceram, e o último foi com 26 chefes de facções e galerias, com o juiz de execuções penais Sidnei José Brzuska e o chefe de Segurança do Presídio à época, o major Guatemi Echart.

Com a popularidade de 'Central', ele e Tatiana planejam mais um projeto sobre o tema. Já comprado pelo canal fechado Prime Box Brazil, a dupla escreve roteiro para uma série televisiva de 13 episódios. 'Retratos do Cárcere' dará continuidade ao documentário. Na linha do projeto, o jornalista esboça um segundo livro, a quatro mãos, com sua parceira de trabalho, que dará sequência ao 'Falange Gaúcha'.

Jornalista apaixonado

Renatinho diz que se sente realizado com sua trajetória, mas que espera que coisas diferentes possam vir a acontecer, pois todas elas servem de aprendizado. "O jornalista está sempre querendo algo novo, é isso que nos move", reforça. Dentre suas histórias, em um dos anos que cobriu o Carnaval, levou para o Rio de Janeiro camisetas que a RBS produzia em celebração à festividade, e um smoking para um baile de Gala que aconteceria no Copacabana Palace. Após cobrir um dos eventos, durante a noite, recebeu uma ligação de Cyro Martins para que cobrisse o desabamento do Palace II.

O primeiro desmoronamento, das colunas um e dois do edifício, onde havia 44 apartamentos, ocorreu às 3h, de 22 de fevereiro, em 1998. "Minha sorte é que havia uma loja aberta e eu consegui comprar uma camiseta discreta. Senão, teria que ir de smoking", brinca. Segundo ele, o aprendizado que leva desde aquele momento é que um jornalista deve estar sempre preparado para todas as ocasiões.

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