Cristine Pires: Versatilidade em forma de mulher

Com mais de 30 anos de carreira, a jornalista está sempre aprendendo. Seu sonho? Poder ensinar.

Cristine Pires, jornalista do Jornal do Comércio - Arquivo Pessoal

Dizem que jornalistas são especialistas em generalidades. Provavelmente, quem criou o ditado não imaginava que uma pessoa seria capaz de personificá-lo tão bem.  Dentro ou fora da redação do Jornal do Comércio (JC), onde atua há mais de 15 anos ininterruptamente, Cristine de Andrade Pires (e ai de quem errar seu nome) é um poço de criatividade e energia. 

De editar cadernos a atender mesas em restaurante, passando pela atuação como assessora de imprensa, confecção de artesanatos, peças em marcenaria, quatro anos aprendendo italiano e um curso de auxiliar técnico em veterinária. Entre tantas outras atividades, ela ainda arranja tempo para dar carinho (aliás, isso é algo que não lhe falta) para seus quatro gatos: Mike e Connie Corleone, Tom Hagen, vulgo Alemão, e Shoyo.

Ao lado da irmã mais velha Adriane, Cris passou boa parte da infância dentro da Escola Estadual de Ensino Médio Itália, na periferia de Porto Alegre. A mãe, Arleti de Andrade Pires, era diretora e a família morava no mesmo terreno da instituição. Sua vida era quase um "Big Brother" à moda antiga. Todos da redondeza as conheciam e sabiam o que faziam. Ainda assim, a pequena se divertia. Viveu a infância entre os sonhos de se transformar no Incrível Hulk (personagem favorito pelo fato de ser um justiceiro) e as brincadeiras de taco e carrinho de lomba. 

Nesse tempo, a grande diversão era ir a Pelotas. Era na casa dos avós onde encontrava liberdade e inspiração. Aliás, é da zona sul do Estado que a jornalista guarda as melhores memórias familiares. Lá, aprendeu a importância do conhecimento, que, infelizmente, foi negado às matriarcas. 

"Eu amo estudar e escrever, e isso tem um peso maior para mim. Vim de uma família de mulheres humildes, que não tiveram oportunidades", explica. "A mãe do meu pai aprendeu a ler escondida, enquanto lavava a roupa da professora da escola local. Já a minha avó materna foi alfabetizada aos 72 anos, e morreu aos 74", relata.

Entrando na Matrix

Cris, como é carinhosamente chamada, não foi do tipo que sempre soube que queria fazer Jornalismo. Na verdade, a profissão entrou na sua vida cedo, mas quase por acaso.  "Uma amiga comentou, ainda no ensino fundamental, que pensava em fazer Jornalismo. Para mim, aquilo foi como tomar a pílula para entrar na Matrix. Um mundo se abriu", recorda, com a animação que é típica da sua personalidade. Depois da decisão tomada, ela, que sempre gostou de escrever, convenceu a amiga a fazer o curso técnico em Secretariado na Escola Técnica Estadual Irmão Pedro, em função do bom ensino de português, essencial para a profissão. Aos 14 anos, conciliava os estudos com o trabalho como secretária. 

Se durante a semana a rotina era cheia de responsabilidade, os dias de folga eram de festa no Bom Fim. Como morava no "meu país Zona Norte", como brinca, era preciso pegar ônibus para chegar até o bar Ocidente. "Quando a festa não estava boa, tínhamos que esperar até às seis da manhã para voltar. Tudo era uma aventura e tínhamos muitos amigos", relembra. 

A jornada até aqui

Assim, depois de acabar o ensino médio, Cris entrou na Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos), da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Desde o segundo semestre, começou a estagiar na área e nunca mais parou. 

Sua primeira oportunidade foi na Comunicação do Palácio Piratini, fazendo rádio-escuta sob a batuta de Joabel Pereira, ainda no tempo da máquina de escrever. "Eu tive muita sorte de começar na profissão tendo alguém como ele por perto. Foi uma escola para mim, ele é uma pessoa maravilhosa", relata, mostrando uma carta que guarda do antigo chefe, datada de 1992.

Formou-se, passou por agência de notícias, redação de jornal, pela Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul e entrou no JC, pela primeira vez, em 1999. Saiu em 2003, passou por outros veículos e retornou em 2007. "Por muito tempo, o Jornal do Comércio foi minha segunda casa, eu tenho uma família lá. Divido minha vida com aquelas pessoas", comenta.

Uma característica marcante da jornalista é o lado "Nazaré Tedesco", de "roubar" os estagiários. "Sou bem mãezona mesmo, pelo carinho e cuidado que busco ter com eles. Tanto que mantenho amizade com a maioria até hoje", afirma. Falando em estagiários, ela relembra o primeiro: Eduardo Paganella. "Ele foi o meu primeiro estagiário e eu cobrava dele como se ele fosse um repórter formado, quase tirei o couro dele, pobrezinho", lamenta. "Depois, passei a ser menos exigente com quem está aprendendo. É que eu também estava aprendendo. Toda vez que eu vejo o Paganella, peço desculpas, e ele dá risadas", relata.

Mãe de pet

Cris nunca tinha tido uma relação muito próxima com os animais. Até que Chanti Lee (ou Chanti, para os íntimos) chegou. A gata, toda branca, cheia de manias e com a idade avançada, conquistou o coração da jornalista. A felina teve câncer de mama, mas conseguiu se curar. Depois, foi vítima de uma doença renal. Hoje, os quatro gatos que tem são os "filhos de quatro patas", com quem divide a vida e o apartamento. 

Além disso, ela atua como assessora de comunicação no Conselho Regional de Medicina Veterinária do Rio Grande do Sul, onde trabalha concomitantemente ao JC. "Tenho cada vez mais vínculo com os animais. Até comecei a fazer um curso de auxiliar técnico veterinário", revela. 

De tudo e ao mesmo tempo

Nos momentos de folga, que não são muitos, ela adora fazer macramê, chinelos decorados e marcenaria. Como boa geminiana, faz várias coisas ao mesmo tempo - e demora para concluir cada uma das tarefas. "Se me convidar para ir num shopping comprar uma bolsa, um sapato, eu não gosto muito. Quer me ver feliz é me convidar para ir a uma ferragem", afirma.

Outro aspecto peculiar é a sua ligação com a máfia. "Minha bisavó veio da região da Sicília e eu sempre brinco com isso. Mas faço questão de frisar que a máfia não é uma coisa bonita, minha família saiu de lá fugida", explica. Essa relação familiar foi o estopim para uma pesquisa mais aprofundada sobre o tema: sua dissertação de mestrado. "Pesquisei sobre o filme 'O Poderoso Chefão', justamente pelo filme ter tornado tudo muito lindo. Minha reflexão é sobre como o cinema consegue interferir na percepção das pessoas sobre algo que é extremamente cruel", pontua.

Cris é colorada graças ao padrinho. "Até hoje não sei o que ele fez, mas eu sei que funcionou", diz, orgulhosa. "Sou sócia do Inter, vou aos jogos, já fiz horrores para conseguir tirar uma foto com o D'Alessandro", fala. Além do Inter, o outro time do coração da jornalista é o Itararé Football Club, pois seu avô jogou nesse time, depois o pai, tios e primos. O estádio fica ao lado da casa dos avós, então a memória afetiva com eles é intensa e permanente. Inclusive, ela é consulesa do time em Porto Alegre. Além de adorar futebol, a jornalista fez box e adora andar de bicicleta. 

Sonhos e.... lambrusco!

Vinho, espumante e lambrusco, uma espécie de frisante italiano, estão entre as bebidas favoritas. Na cozinha, prefere receitas como macarronada com bastante molho. No dia a dia, o café é um fiel companheiro. Na música, é fã da banda The Cure. Na literatura, gosta de Vargas Llosa, Saramago, Lya Luft e Erico Verissimo, entre tantos outros.  Se o tema é religião, a devota de Nossa Senhora do Trabalho, que foi criada na Igreja Católica, hoje frequenta a Umbanda, depois de ter conhecido templos de todos os tipos.  

Sobre planos para o futuro, ela reflete: "Comecei a trabalhar no Jornalismo em 1990. Então, chega uma hora que se quer experimentar coisas novas". Inclusive, antes da pandemia, fez extras como garçonete no restaurante de amigos. "Adorava aquela função de conversar com as pessoas, atender as mesas", lembra. Apesar de já ter feito de tudo um pouco, um dos grandes sonhos ainda não foi realizado: dar aulas em alguma faculdade de Jornalismo. "Queria muito ter esse contato com a gurizada. Tenho 30 anos de profissão, gostaria de poder compartilhar o que aprendi", explica. Para a aposentadoria, porém, os planos são outros. Deixar as letras de lado, pelo menos profissionalmente, e ter uma pousada em Cambará do Sul. 

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