Deivison Campos: Um jornalista leitor

Coordenador do curso de Jornalismo da PUCRS, ele devora livros desde pequeno

Você lembra quando começou a ler? E qual foi o primeiro livro? Talvez, a maioria das pessoas já não se recorde mais. Deivison Campos, sim. Ele sabe o nome da primeira obra que desbravou: 'No Rastro do Azulão, Cisco e Manganeto'. Essa, inclusive, é uma das primeiras lembranças que tem da infância, uma vez que iniciou o hábito da leitura aos quatro anos de idade. Hoje, com 50, ainda preserva a prática, o que fica claro para quem vê sua estante repleta de títulos. 

"Tornei-me um leitor precoce, então sempre foi muito importante para mim", conta, ao lembrar do tempo em que pedia a avó livros e revistas de presente. E foi dessa relação que surgiu o desejo de se tornar jornalista, algo que tinha em mente desde muito novo. Por ter começado a ler muito cedo, evoluiu a escrita muito rapidamente a ponto de levantar perguntas da professora da segunda série, que o questionava se aquilo que escrevia era de sua autoria ou de alguém mais velho: "Dizia que era meu, pois precisava escrever para ser jornalista quando crescesse". 

E, de fato, o desejo se tornou realidade, quando se formou pela Universidade do Vale do Sinos (Unisinos), em 1997. Com anos de experiência na redação da Rádio Gaúcha, a academia o chamou novamente, mas agora em outra área. Ligado ao movimento negro, o profissional, que coordena o curso de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), tem especializações em História, motivado por pesquisar suas origens e tudo o que envolve o 20 de Novembro, quando se destaca o Dia da Consciência Negra. 

Realização

"Muito, muito." Essa é a resposta de Deivison sobre se sentir uma pessoa realizada. E os motivos para isso são variados. Além da felicidade de poder ter constituído família, ele se vê como uma boa pessoa, que sabe ser compreensiva e estender a mão aos outros, quando necessitam. Outro aspecto que o deixa feliz é ter podido concluir o projeto de vida de ser jornalista e, ainda, seguir o rumo da leitura. 

Desde 2006, é professor, e essa é uma parte importante de realização em sua trajetória. Ele destaca o convívio com os estudantes como algo fundamental para se "manter jovem quanto à visão de mundo". E diz mais: "Assim, a gente consegue continuar lendo o mundo com os instrumentos adequados, porque envelhecer não é uma questão de idade e, sim, de não conseguir mais entender a vida", opina.

Apesar de toda satisfação, Deivison tem "o apetite do mundo", ainda pretende realizar muito e conviver com diferentes pessoas. "Isso é algo que a Comunicação me legou, pois, essencialmente, Comunicação é vida. Nós trabalhamos com a vida. Com uma palavra errada, podemos destruir alguém, mas com as corretas, também podemos alavancar."

Não à toa, para o jornalista, que vê como uma motivação impactar as pessoas, o principal momento da carreira foi a participação na famosa "Campanha dos Monstrinhos" do Grupo RBS, que se colocava em desfavor à violência contra a criança, lançada no início dos anos 2000. Na ocasião, atuou na parte editorial da ação e ajudou a mobilizar todas as redações do conglomerado midiático para um projeto considerado por ele tão importante e que pôde protagonizar transformações sociais.

Curioso pela vida

O gosto voraz pela leitura que tem desde pequeno transformou Deivison em um grande curioso pela vida. "É assim que me defino." A vontade de conhecer coisas, pessoas e novas culturas faz com que o jornalista tenha como uma paixão as viagens. Ele, que já conheceu boa parte do Brasil, ainda tem como projeto ir à América Central e ao Egito. 

Porém, a fome pela curiosidade também fez com que concluísse um mestrado em História Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e uma especialização em História Contemporânea pela Faculdade Porto-alegrense (FAPA). Além disso, ele, que tem doutorado em Comunicação pela Unisinos, está concluindo um segundo, também em História, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).

O trabalho em relação ao 20 de Novembro o tornou um dos maiores especialistas sobre o tema no Brasil. "Sempre referenciam meus textos em matérias sobre isso e já dei entrevistas para grandes jornais do País, como o 'Estadão' e a 'Folha de S.Paulo'." Ademais, ele pensa o Jornalismo como o retrato do presente, pois, em sua visão, os profissionais de notícias registram a "história do agora". Esse entendimento foi o que motivou a cursar o mestrado em História Contemporânea.  

A ida para a vida acadêmica aconteceu impulsionado pela vontade de estudar as questões não explicadas sobre as origens do Dia da Consciência Negra e a relação com o Jornalismo. Essa provocação, como conta, surgiu dos debates e das reflexões que participava como integrante do movimento negro. Mas não só isso: "Depois que comecei o mestrado, vi que me interessava por aquilo, porque eu poderia conciliar algo que já era uma prática minha à leitura profunda e à escrita".

Foi a partir daí que Deivison chegou à docência, contando com a ajuda de Luiz Artur Ferrareto. "Encontrei-o e comentei sobre o que estava fazendo no mestrado, e disse que, se ele soubesse de alguma oportunidade, poderia me acionar", relembra. Pouco tempo depois, perto do Carnaval de 2006, Ferrareto, que, na época, era coordenador dos cursos de Comunicação da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), o ligou avisando que estava precisando de um professor para o tecnólogo em rádio. 

Com o tempo, o agora professor-jornalista foi ampliando seu conjunto de disciplinas e assim seguiu até 2010, quando decidiu deixar a redação da Rádio Gaúcha. "Ali, comecei a fazer a transição, pois entrei no doutorado e, como esse é um processo que exige muita dedicação, optei por seguir concentrado em lecionar e em fazer pesquisa", explica.

A atuação como pesquisador ainda o fez criar o hábito de ouvir vinis enquanto trabalha, o que, para ele, é uma forma de "frear o tempo". Enquanto se concentra no que precisa saber, presta atenção nas músicas, pois sabe que "cada faixa tem uma duração e quantos minutos tem cada lado. É um modo de 'analogizar' a vida".

Curtindo a vida

Esse, no entanto, não é o único hábito de Deivison, que em sua rotina faz questão de incluir um tempo para passar com a família. "Vamos bastante a shows. Eu e a minha esposa Cláudia, principalmente, gostamos de conhecer cafés pela cidade. Às vezes, vamos a um samba também." 

E da parceria com a mulher, incluiu na sua rotina o hábito da yoga, que pratica duas vezes por semana, às terças-feiras e aos domingos, sendo que, no final de semana, realiza a atividade ao ar livre no Parque da Redenção. O exercício, de certa forma, substitui o futebol para o colorado Deivison, que foi obrigado a parar com o esporte, em razão de uma grave lesão. Contudo, a saudade ainda persiste e ele confessa que, às vezes, chega a sonhar que está jogando bola. 

O comunicador também não abre mão de encontrar os amigos, seja na casa de algum deles ou os recebendo na sua. Em um desses encontros, passou por uma situação bem curiosa, quando um carro de telemensagem o confundiu com outro morador da rua. "O cara chegou falando no microfone e procurando por um Alberto. Disse que não era eu e ele não acreditou, ficou até um pouco bravo. Dizia: 'Não precisa ficar tímido. Eu sei que és tu. Poxa, vem aqui, eu estou trabalhando", ri, ao contar a história. Por fim, os vizinhos escutaram a confusão e levaram o moço até o verdadeiro Alberto. 

Com os amigos, ele é responsável por um programa de solidariedade que se iniciou ainda na pandemia. Juntos, doam alimentos para pessoas carentes dos Morros da Cruz e Conceição. O grupo, formado também por parentes e conhecidos, atualmente, atende em torno de 120 famílias.

Quando fala em futuro, o objetivo é poder curtir a vida por mais tempo. Daí vem o projeto de viver até os 94 anos para servir de exemplo aos homens de sua família. "É comum que os meus familiares morram cedo, diferentemente das mulheres, que vivem muito. Então, quero mostrar para eles que é possível ir longe", contextualiza. 

Por ser professor do Programa de Pós-Graduação, Deivison forma pesquisadores e outro projeto que já toca é o de formá-los preocupados com a questão social e que desenvolvam trabalhando ligados à vida das pessoas. E, para ele, a Comunicação é o lugar ideal para se fazer isso, já que, hoje, nada se faz sem a influência das mídias e da "prótese que é o smartphone".

Do samba

Não é só a leitura e o Jornalismo que estão presentes na vida de Deivison desde criança. O samba também está lá. Nascido e criado no Mont'Serrat, bairro de Porto Alegre, ele conta que, nos anos 1970 e 1980, a região, que hoje é uma das mais nobres da Capital, era mais popular e onde se preserva a cultura negra, o que incluía as festividades do Carnaval. Foi com a dona Ivone e o seu Dilson, seus pais, que aprendeu o gosto pela festa.

O Carnaval também era parte do trabalho de Deivison, que, por muitos anos, cobriu os desfiles. Quando a obrigação terminou, ele não perdeu tempo e voltou a participar da festa, para curtir. "A partir de 2008, mais ou menos, comecei a desfilar regularmente. Então, todos os anos tem o período de ensaio e depois vamos para a avenida." Em Porto Alegre, é adepto da União da Vila do IAPI, mas quando se fala em Rio de Janeiro, o sorriso aumenta: "É a Portela, claro!".

E foi em umas dessas que conheceu Cláudia, com quem divide a vida há 23 anos. A aproximação do casal se deu por conta de Fábio Verçosa, que foi Rei Momo das festividades, e ele foi o primeiro a entrevistar. Na mesma corte, ela era princesa. "E a gente se tornou amigos. Então, conversávamos, fazíamos algumas coisas juntos e começamos a namorar." Da relação, surgiu um fruto, a filha Renata. A família que ele formou, aliás, o faz se sentir realizado com a vida e declara com muita felicidade e orgulho: "Tenho um casamento de longa duração, uma filha já adulta que está formada em Design e estudando Produção Audiovisual. Como pai, tenho o sentimento de trabalho cumprido".

Comentários