Rádio Gaúcha: Onde pulsa o localismo

Aos 92 anos, a emissora mescla a jovialidade da maioria dos colaboradores, com programas que atravessam décadas

 

O ouvinte da rádio Gaúcha pode estar escutando-a do outro lado do mundo por meio de um aplicativo, ou assistindo-a por meio de transmissões ao vivo, talvez no rádio do carro, ao se deslocar para o trabalho e, quem sabe, ao lado do bom e velho radinho de pilhas. São tantos os meios, porém difícil mesmo é imaginar a correria para que as informações cheguem ao ar com preciosismo de uma apuração acertada em uma programação inédita quase 24 horas por dia, transmitida para 150 afiliadas.  

São 10h50 no quarto andar do prédio localizada na Avenida Ipiranga, em Porto Alegre. De um lado, produtores e repórteres checando os últimos detalhes das informações que entrarão no ar; de outro, Antônio Carlos Macedo chega ao estúdio e se prepara para dar início ao 'Chamada Geral 1ª Edição'. Pequenos rádios espalhados pelas mesas de trabalho, sintonizados na Gaúcha, são ligados para que saibam o que está acontecendo no ar naquele exato momento, enquanto duas telas apontam o que está chamando atenção dos leitores de GaúchaZH naquele instante - recurso que os auxilia a entender o que pode ser aproveitado para a rádio.

Como um ballet com passos sincronizados: assim, finalmente, transcorre o programa. Macedo está ancorando, enquanto alguns repórteres entram no ar bem na sua frente e outros fazem inserções direto de uma movimentada estrada gaúcha. Para que tudo isso transcorra em harmonia, alguns fatores se destacam, como é o caso de cinco microfones que ficam nas mesas de quem entra no ar, com o intuito de poupar deslocamentos e facilitar organização. Por isso, quanto mais hard news for a área, mais perto do estúdio é a estação de trabalho, localizadas em várias ilhas, que percorrem toda sala e ficam de frente para o estúdio. 

É exatamente esta uma das horas de maior correria na redação, além das gravações do 'Chamada Geral 2ª Edição', 'Estúdio Gaúcha' e 'Gaúcha 19h horas' - exclusivo para a internet -, que funcionam na mesma dinâmica, conforme a editora-chefe, Andressa Xavier. Além deles, o 'Esportes ao Meio Dia' é a atração que acontece no estúdio localizado na redação, no quarto andar. Enquanto isso, o terceiro piso abriga os outros sete. Nesse nível do prédio, que é dividido com outras rádios do grupo, a exemplo da Atlântida, ainda estão a sala de produção e um local reservado ao responsável pela meteorologia, Cléo Kuhn.

Sempre perto do estúdio

O dia começa agitado. No início da manhã, às 8h, há diariamente uma reunião de pauta integrada com o pessoal do digital e de Zero Hora, com o intuito de pensarem em como entregar o melhor conteúdo nas diferentes plataformas. Para tal, há um guardião de cada formato para ter certeza que vão sanar todas as demandas. Nela, participam editores de área e chefes de reportagem. E, se mesmo depois do encontro não surgirem muitas ideias, o jeito é rezar para a Nossa Senhora do Factual. "Ela é uma imagem de Nossa Senhora Desatadora dos Nós. E, então, um colega a chamou e colou um papel na sua frente. Então, se nada está acontecendo, fazemos uma oração a ela", conta Andressa.

Trabalhando em três turnos, manhã, tarde e noite/madrugada, há ainda quem trabalhe a distância, como é o caso da comentarista de Política, que atua em Brasília (Carolina Bahia), e de quem trabalha no interior do Estado. E, para conectar todo mundo, comunicam-se muito por WhatsApp, enquanto o roteiro é enviado por e-mail. Segundo Andressa, o ambiente favorito do pessoal é o estúdio. "Quanto mais perto do microfone, mais feliz ficamos", brinca. E, quando estão na rua, há dois objetos imprescindíveis: telefone para mandar o texto, fazer foto ou vídeo, e o axis, equipamento que parece uma máquina de cartão de crédito, e é conectado ao microfone.  De acordo com a editora-chefe, é ele que dá uma boa qualidade de som, sendo muito superior a do celular.

Integrada, sim

Com um refeitório oferecido pelo Grupo RBS, é difícil saírem para almoçar fora. É lá que convivem para além do trabalho. Os colegas também fazem a confraternização clássica de final de ano. Em vista da redação ser muito grande, há grupos menores que fazem confraternizações segmentadas, a exemplo de alguns que saem com frequência para um happy hour. E, nesta rotina integrada, o que não pode faltar no dia a dia da rádio são notícias, café ou chimarrão e uma boa conversa. As bebidas, aliás, são responsabilidade de duas pessoas: enquanto Francine Silva é quem faz e serve o mate, Pedro Quintana prepara o "líquido dos jornalistas".

Inclusive, são integrados na redação também. Há quase três anos trabalham na mesma sala que os colaboradores de Zero Hora e dos produtos digitais. "Hoje, é inimaginável como trabalhávamos antes, quando três pessoas ligavam para a mesma fonte, fazendo as mesmas perguntas e pra fechar a mesma matéria", diz Andressa.  Conforme ela, estando no mesmo local físico, eles estão se enxergando e, logo, sabem exatamente o que cada um está fazendo. Apesar de já estarem mais adaptados a esta novidade, ela recorda que, no início, aconteceu dos repórteres saírem sem os fotógrafos, por exemplo, visto que não se lembravam e antes eram só áudios, tweetes e textos.

Sem conseguirem realizar a conta individualizada, devido à integração, apontam que há quase 300 pessoas na redação em seu total. Porém, a rádio é dividida em Jornalismo Hard News, Esporte, técnicos (operadores), Opec ( comercial), sonoplastia e trilhas. Os jornalistas são divididos entre repórteres, produtores, apresentadores, editores de noticiários, comentaristas, chefes de reportagem, editor-chefe e gerente de Jornalismo.

Também são classificados por editorias, os primeiros tratam sobre notícias mais factuais, como notícias e segurança. Enquanto isso, o pessoal do Esporte se senta à direita da sala.  "Quanto mais se afasta da porta, mais soft é o assunto, isso já pensando no breaking news da rádio", explica Andressa. Entretanto, antes desta integração, não havia editorias, mas repórteres e comentaristas com afinidades de temas, como a Giane Guerra. Já hoje, são divididos em Notícias (política, economia, trânsito), Segurança, Sua Vida (serviço, saúde, trabalho, educação, empregos), Segundo Caderno (artes) e Esporte. Contudo, a chefe de reportagem Mariana Ceccon revela que não pautam os repórteres pensando em determinada editoria, mas de acordo com a afinidade do profissional com o tema ou a capacidade dele em tocar aquele assunto. 

Esportes: um mundo à parte

Enquanto as outras editorias tratam sobre diversos assuntos, o departamento de Esportes tem uma pauta para tratar: futebol - mais precisamente, dupla Grenal. Cerca de 25 pessoas atuam no setor, e em suas rotinas estão incluídas funções como acompanhar Grêmio e Inter, tanto em treinos quanto em jogos. Para tal, estão sempre com as malas prontas - em vista de muitos jogos acontecerem fora de Porto Alegre. Em coberturas de jogos, usam quase que a força total e evitam que as folgas semanais sejam em finais de semana, tampouco nas quartas-feiras. "Nos domingos, ocupamos 70% da programação, e isso movimenta quase que 100% da nossa força", conta o coordenador de Esportes, Leonardo Acosta. 

Para ele, enquanto as outras editorias de Jornalismo abrem um leque, o Esporte tem responsabilidade de ser referência em dupla Grenal. Além dos clubes gaúchos, a rádio, há alguns anos, também acompanha a Seleção Brasileira e grandes eventos esportivos, como Olimpíadas e Pan-americano. É neste setor que existem um dos programas mais antigos do rádio gaúcho: o 'Sala de Redação'. Idealizado por Cândido Norberto, com estreia em 1971, a atração segue até hoje debatendo futebol. Marcado para as 13h05, o que não falta é correria, devido aos componentes que chegam normalmente em cima da hora. O pouco tempo que resta antes de entrarem no ar é preenchido com conversas de corredor, como, por exemplo, a preocupação dos colegas com a voz do narrador e comandante do programa, Pedro Ernesto Denardin, que, na ocasião, voltava de uns dias afastado para recuperá-la.

Jeito Gaúcha de Ser 

Ao circular pelos estúdios e corredores, há, nitidamente, um "jeito Gaúcha de ser" dos colaboradores. É o caso de Macedo, o mais antigo da casa, que abre a pasta de anunciantes muito tempo depois do programa ter começado, visto que já os conhece bem. Outra voz conhecida de anos é a de Cleo Kuhn, que passa o dia em uma sala perto do estúdio principal, onde grava todas as previsões. Ao demorar para entrar no ar em alguns momentos, os colegas relatam que há explicação para isso: Cleo possui dois microfones à sua disposição, um para entrar ao vivo e outro para gravar. Com isso, ele acaba se confundindo, mesmo com uma fita rosa em um deles para ser diferenciado do outro. 

"Cléo é um personagem que transcende", brinca Mariana, ao dizer que ele não fica na redação, mas como entra muitas vezes no ar, acaba sendo onipresente. Ela relata ainda que sempre ao visitá-los na redação é um momento muito engraçado, pois faz perguntas muito hilárias. "Quando recebemos convidados, como uma turma de estudantes, os levamos no Cleo pois ele sabe receber muito bem. Pergunta de onde a pessoa é e dá a previsão do tempo para aquele dia no local", comenta. 

Já o "queridão" dos colegas é o repórter Cid Martins, chamado, carinhosamente, de "nosso patrimônio", devido ao bastante tempo de casa. Carinhoso com todo mundo, conforme Mariana, ele chega e cumprimenta de perto as pessoas, com seu jeito de falar muito e rápido. "Está sempre acelerado", brinca a chefe de reportagem. Contudo, e apesar de Cid e Macedo, é uma equipe muito jovem. Mariana, por exemplo, uma das líderes, tem 25 anos e, segundo ela, é muito divertido trabalhar na Gaúcha: "É uma equipe muito unida, que se dá muito bem e que conversa muito", diz, ao comentar que escutam a rádio a todo momento e interagem com as entrevistas no ar. Ela conta que vibram juntos, assim como se indignam também, bem como discordam e debatem.

Outra voz que pode ser reconhecida como a Gaúcha é a de Kelly Matos. Desde 2006 na empresa, começou trabalhando das 8h30 às 16h30. Porém, já empurraram três vezes o horário da jornada. "Trabalhar aqui é a minha vida, sou extremamente apaixonada pelo o que faço", declara-se. Segundo a jornalista, não tem quase nenhum minuto em que não faça algo, por isso falam que ela precisa ficar em uma sala que não veja ninguém, já que tem uma demanda diferente com cada colega. 

Dentre um dos momentos mais peculiares que passou na empresa, Kelly cita algo que aconteceu ainda este ano. Ao entrevistar uma passista de escola de samba, que tatuou o rosto do presidente Jair Bolsonaro e foi impedida de desfilar, recebeu a ligação do vice-presidente, Hamilton Mourão, no mesmo instante. Isso visto que a jornalista estava negociando a entrevista há um tempo para debater outro assunto. O jeito que encontrou foi fazer sinal para que o colega de programa Luciano Potter encerrasse o bate-papo e colocou o general no ar ao botar o celular no microfone.

Essência Gaúcha

Aos 92 anos, definida por Andressa como "essência Gaúcha", ela percebe o veículo como uma rádio que possui o seu padrão, com foco em notícias locais, de uma maneira própria e tradicional. Tanto que o DNA da emissora, aos olhos da editora-chefe, é entregar informação sobre o Estado, bem apurada, com bastidores e precisão.

Para ela, o diferencial da Gaúcha é ter ouvintes que os complementam e, muitas vezes, estão onde não conseguem ir ou os alertam para onde precisam se dirigir. "A audiência é parte muito importante da programação", salienta, ao apontar, também, que têm repórteres onde as notícias estão acontecendo, com espírito breaking news. E é exatamente assim que seguem: correndo, checando e pulsando pelo Rio Grande.

 

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