Edu Santos: Como uma onda no ar

Sócio da Loop Reclame e ex-apresentador da Ipanema, Pop Rock e Itapema, radialista vive atualmente em Lisboa

Edu Santos, sócio da Loop Reclame - Daryan Dornelles

* Por Cleidi Pereira, correspondente de Coletiva.net em Lisboa, Portugal. A jornalista assina conteúdos para Perfil de profissionais gaúchos da Comunicação que estão espalhados pelo mundo.

Era final dos anos 1980 e o jovem porto-alegrense Eduardo Silva dos Santos tinha um sonho: ouvir as músicas da sua banda tocar nas rádios da Capital. Na época, trabalhava como office-boy e, com certa frequência, passava nos estúdios da recém-inaugurada Ipanema para entregar gravações da sua "Paranóia". De tanto insistir, as portas da emissora se abriram. Não para as composições da banda, infelizmente - ou não... Mas para o próprio baixista e vocalista, que trocou o trabalho de boy pelo de operador folguista, e acabaria se tornando uma das célebres vozes da legendária ovelha negra, a rádio rock de Porto Alegre que, após três décadas, encerrou as atividades em 2015.

Sócio e cofundador da Loop Reclame, o radialista, que desde 2019 vive em Lisboa, Portugal, cresceu ouvindo programas de rádio e discos de vinil, por influência dos pais Cláudio Tubino e Elisabete Santos. De Roberto Carlos a Led Zeppelin. Os sons que marcaram a trilha da infância à idade adulta compõem coleção de mais de 4 mil discos e 6 mil CDs. Cerca de 400 vinis atravessaram o Atlântico e o restante ficou em Porto Alegre à espera de resgate.

Primogênito de três irmãos, Edu Santos, como é mais conhecido, aprendeu a tocar violão aos 10 anos. A paixão pela música, com o passar do tempo, virou um propósito. Assim que saiu da Ipanema, a Loop começou a contar com um selo musical. "Era o ano em que muitas gravadoras estavam fechando, que estava entrando streaming, acabando venda física. Brinquei que era o momento de devolver tudo o que a publicidade suga da Arte, e a gente resolveu investir um percentual de tudo o que a Loop faturava neste label", conta.

Em uma década, a Loop Discos contabiliza mais de mil fonogramas lançados, de 80 artistas de países como Argentina, Brasil, Estados Unidos, Inglaterra, Moçambique, Portugal e Uruguai. E aquele menino que queria viver da música foi muito além do seu objetivo: hoje, também ajuda a tornar realidade os sonhos de bandas e cantores das mais variadas origens e estilos musicais.

Tempos ipanêmicos

Nos 17 anos em que atuou na Ipanema, além de apresentador, Edu foi diretor de programação da rádio que, segundo ele, foi a primeira grande rede social do Rio Grande do Sul, isso muito antes da popularização da Internet. "A Ipanema era uma colcha de retalhos musical. A gente conseguia mixar Years of Solitude, do Astor Piazzolla, com Sepultura. Era imprevisível. E isso acho que a música perde. As playlists hoje são tão previsíveis, porque analisam teu perfil. O rádio tem a função de surpreender as pessoas e ser democrático na música", avalia. 

Para o profissional, a emissora foi uma grande escola, onde teve como mestres nomes como Mauro Borba, Katia Sumam e Mary Mezzari. Também foi lá que nasceu a Deff Reclame - que, mais tarde, se tornaria a Loop -, a partir da demanda de pequenos anunciantes da rádio por jingles. Com sede em Porto Alegre, a produtora, que acumula seis estrelas da ARP (premiação da Associação Riograndense de Propaganda), possui, atualmente, filiais em São Paulo e Lisboa.

Edu costuma brincar dizendo ser um péssimo exemplo para os seus estagiários. Isso porque cursou três faculdades (Administração, Publicidade e Relações Públicas), mas não concluiu nenhuma. Os conhecimentos adquiridos nos cursos aliados à prática, entretanto, acabaram sendo úteis para criar e gerir o próprio negócio, em parceria com o músico Marcelo Fornazier, ex-baixista do DeFalla. Enquanto a Loop engatinhava, Edu seguia nos microfones. Ele também teve passagens pelas rádios Pop Rock e Itapema FM.

Duas vezes sim

Já são quase duas décadas de relacionamento, cujos votos de amor e companheirismo foram dados em dois casamentos. Sim, Edu casou duas vezes com a mesma mulher, a publicitária Manu Adams. A primeira foi um clássico casamento em Las Vegas, nos Estados Unidos, há cerca de 10 anos, e teve como fotógrafo o filho mais velho do casal. Já a segunda, mais recentemente, ocorreu por razões burocráticas, devido à mudança para Portugal. O casal, que se conheceu na antiga Deff Reclame, tem dois filhos: Gustavo, 13 anos, e Rodrigo, 9.

A segurança e o bem-estar dos filhos, aliás, foram dois motivos que levaram a família a partir de mala e cuia para a Europa, em meados de 2019, após cogitarem uma mudança para o Uruguai. Logo veio a pandemia, o lockdown, a rotina se alterou, mas as produções e gravações da Loop não pararam, e as ideias fervilharam. Em março, por exemplo, a produtora organizou o festival on-line 'Isolamento Acústico', reunindo artistas gaúchos em uma experiência pioneira no Brasil, em tempos de coronavírus.

Música é política

Nos últimos meses, Edu tem ouvido mais música brasileira, talvez como efeito colateral da saudade da família e dos amigos que ficaram. O vinil AmarElo, do rapper Emicida, foi o presente de Natal que ele mesmo resolveu se dar, "um dos melhores trabalhos feitos ultimamente no País". "Música é política. Acho que é um dos últimos gritos mais políticos que o Brasil ainda tem. Tanto que esse governo atual declarou guerra aos artistas", comenta.

Os anos em que trabalhou na Ipanema muito lhe ensinaram a ser engajado, a olhar para onde ninguém está olhando. Embora, muitas vezes, se questione sobre o privilégio de viver no Exterior em um momento tão crítico para o País, Edu diz estar lutando a distância em prol de um Brasil melhor. "Este ano, uma galera de periferia entrou no selo, temos feito muita coisa pelo pessoal daí. Estou fazendo o dobro do que eu fazia estando aí, porque eu foquei nisso. Falei: 'Cara, vamos botar artista de periferia no selo'. Lançamos um imigrante africano, um menino trans", detalha.

Virginiano às avessas, diz acreditar mais no mar, na energia do sol e da água do que em astrologia ou qualquer coisa do gênero. "O mar é a religião da natureza", já dizia o poeta lisboeta Fernando Pessoa. Edu concorda: um banho de mar, o contato com a natureza tem um poder regenerativo. Desde que se mudou para Lisboa, a bicicleta passou a ser um meio de transporte, e os passeios costumam terminar na praia, depois de pedalar cerca de 20 quilômetros. Apesar de não gostar de fazer planos, ele tem uma única certeza acerca do futuro: "Se eu estiver perto de artistas, vou ser sempre feliz".

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