José Aldo Pinheiro: Narrador e conciliador

Entre audiências judiciais e partidas de futebol, José Aldo Pinheiro traz uma trajetória de mais de três décadas dedicadas à narração esportiva

José Aldo Pinheiro
Usar o alto-falante da rodoviária de São Luiz Gonzaga, anunciando a saída dos ônibus, representava uma realização para o jovem José Odoraldo Medeiros Pinheiro, no começo dos anos 1980. Foi assim que o narrador esportivo, que se tornou conhecido como José Aldo Pinheiro, começou a carreira profissional. Tinha em torno de 16 anos quando o avô paterno, Abrilino, o encaminhou para o emprego, mas, ao contrário do irmão mais velho, não lidava bem com o sistema de emissão de bilhetes e acabou ficando na área de despacho de bagagens. O trabalho durou menos de um ano, o suficiente para que chamasse a atenção de profissionais da rádio da cidade. Hoje, formado em Direito e com mais de três décadas dedicadas à narração esportiva, divide-se entre o microfone nos veículos do Grupo Bandeirantes RS, as tarefas de advogado e a família.
A estreia como narrador aconteceu na partida entre Cruzeiro e Ipiranga, na cidade de Campina das Missões, em 1982. Logo, seguiu para rádio Santo Ângelo e, depois, para Caxias do Sul. A narração de gols dos clubes do Interior fez com que sua voz chegasse até a Rádio Gaúcha, onde recebeu o convite para um teste. A vaga, no entanto, foi ocupada por Ítalo Gall, mas Zé Aldo também conquistou seu espaço na emissora, dois anos depois, após novo teste. "Foi tudo muito rápido e, justamente, na época que muitos estavam saindo da Guaíba, que estava quebrando, e indo para a Gaúcha. Saí do meio da lavoura e em quatro, cinco anos, estava na principal emissora do Estado", explica.
Lá, permaneceu por um ano até aceitar uma das propostas da Guaíba, que prometia destaque na equipe de narradores. "Me diziam que eu iria narrar Copa do Mundo e eu, menino, queria conhecer o mundo", diz. Aconteceu: pela emissora, viajou a vários lugares e viveu seu primeiro Mundial como locutor, em 1990, na Itália, com direito à narração da final entre Argentina, seu país de nascimento, e Alemanha. "Era um bando de guri do interior conhecendo o mundo. Foi um tempo muito feliz, de conquistas, em que fui me realizando", afirma.
Direito e esporte, juntos
Na Guaíba, ficou até 1995, quando retornou à Gaúcha para um novo período nos veículos do Grupo RBS. Entre as lembranças desse tempo, está a participação na Copa do Mundo da França. Já credenciado para o campeonato, Zé Aldo foi cortado da equipe de cobertura e, para não perder o Mundial, pediu autorização para narrar a competição por outra emissora, a Rede Católica de Rádios. Durante os jogos, no entanto, o colega Roberto Brauner perdeu a voz e a Gaúcha pediu que o substituísse. "Acabei fazendo a Copa pelas duas emissoras, de manhã na Católica e de tarde na Gaúcha." Também esteve na Olimpíada de Sidney, na Austrália, e pôde acompanhar também eventos pela Globo no Rio de Janeiro.
O narrador diz que, após a saída de Ranzolin, começou a perder espaço na emissora, deixando de ser convocado para os grandes eventos internacionais, até que, em fevereiro de 2012, foi desligado do grupo. Mas o tempo longe do rádio não durou muito. Poucos dias após a demissão, passou a ser sondado pela Band RS e pela Rede Pampa, e, em seguida, estava estreando na Band Esportes FM. "Era um projeto novo da rede no Brasil e fiquei três meses esperando para que colocassem a rádio no ar. Ficava em casa naquela angústia", recorda. Com programação 100% dedicada aos esportes, a emissora foi extinta há cerca de dois anos, mas Zé Aldo seguiu atuante nos veículos do grupo.
Além do trabalho em veículos de comunicação, mantém paralelamente a carreira de advogado. Estimulado por Ranzolin a estudar e ampliar o conhecimento desde que ingressou no Grupo RBS, formou-se em Direito pela Ritter dos Reis (Uniritter), em meados dos anos 1990. "Uma vez que tu te formas, o canudo te desafia a praticar aquele conhecimento e tu começas a perceber que outros mundos também são importantes. Se tu tens só um trabalho, tens uma trava de segurança. Se aquela falhar, não tem outra", defende, ao contar que sempre buscou alternativas para proteger a família. "O rádio é um trabalho que me dá uma energia espiritual e o escritório dá energia material", compara, e logo acrescenta: "Gosto do conflito dialético, das discussões de ideias. A busca por justiça anima a gente". No Centro de Porto Alegre, divide escritório com dois sócios, que também o representam no caso de uma audiência coincidir com dia de jogo.
Das origens
Nascido em 2 de maio de 1965, em Puerto Wanda, província de Misiones, na Argentina, Zé Aldo veio para o Brasil após a separação dos pais. Cresceu em São Luiz Gonzaga, ao lado da família paterna e tornou a rever a mãe, Maria del Pilar, e a cidade natal somente aos 27 anos. Os avós tiveram 20 filhos e criaram cinco netos e Zé Aldo brinca que é o "número 1" por ter sido o primeiro deles. Lembra que a proximidade e o vínculo gerado o faziam ser chamado de "Zequinha da vó Idê", como, por vezes, menciona no grupo da família no WhatsApp.
Também dela acredita ter absorvido muito do espírito conciliador e pacificador que traz na personalidade. "Quando tem algum conflito, me chamam. Sempre fui um cara com trânsito em todos os veículos. Não sou de divergência e isso vem da minha criação", diz, acrescentando que acredita que é por conta dessa característica de personalidade que foi presidente da Aceg (Associação de Cronistas Esportivos Gaúchos) por dois mandatos. Hoje, contando o segundo casamento do pai e da mãe, são nove irmãos, no Brasil e na Argentina. "É divertido porque quando a gente quer sacanear alguém, a gente fala de forma acelerada (cada um em seu idioma)", conta aos rios.
Após ter passado por dois casamentos e agora em um novo relacionamento, Zé Aldo é pai de Renan, advogado, e Camila, professora e mestranda em História, do primeiro casamento com Marisa; de Suela Raíssa, estudante, fruto da união com Rosângela; e Cauane, filha de criação, que hoje vive na Itália. Ao falar sobre o tempo livre, se reconhece como um refém do calendário de escalas do trabalho. "É tudo programado com base na escala, às vezes, três dias antes", assume. Natação e corrida são algumas atividades que costuma desempenhar semanalmente, embora, com relação à última, admite que esteja distante.
Avesso à rotina, faz o possível para não perder uma oportunidade de viajar, seja pelo Rio Grande do Sul ou para o Exterior. Pode ser atendendo a um convite de amigos para pescar em Rosário do Sul ou para celebrar um aniversário no interior da Inglaterra. "Se consigo uma liberação, vou. Nunca tive a experiência de fazer tudo programado, sempre fui muito de improviso", argumenta. Recentemente, aproveitou uma semana de férias para esquiar em Ushuaia, no território argentino, lugar que ainda não conhecia, mas também gosta de ir à praia ou à piscina.
Gostos e peculiaridades
Como um apreciador dos esportes mais diversos, Zé Aldo diz que admira a arte da competição bem realizada, do salto com vara e corrida de 100 metros rasos à Fórmula 1 e corrida de cavalo em cancha reta. Ainda critica o que chama de "cultura do antagonismo" presente no Rio Grande do Sul, que estimula a rivalidade e cobra dos comunicadores um posicionamento com relação à preferência por times de futebol. "Não é porque o cara gosta de arroz que não pode gostar de feijão, pode gostar dos dois e dos dois junto. Curto tudo no esporte e curto sem torcer, pelo prazer de apreciar de arte", diz.
No carro, quando cansa de ouvir os colegas falando sobre futebol, como brinca, recorre à música, e a emissora escolhida é Antena 1, na qual também acompanha em casa, por aplicativo, as programações de Lisboa e Roma. "Meu gênero é meio tiozinho mesmo", confessa. Quando viaja, o hábito é escutar canções regionais e reforçar a alma campeira. Esclarece que não é "de ouvir música clássica", mas, sendo agradável, gosta de todos os gêneros. Para a gastronomia, da mesma forma, o gosto é variado. Ele se denomina um "morto de fome" e destaca a culinária italiana entre as que mais aprecia, mas um prato que dispensa é canjica. Uma particularidade para a qual não encontra explicação está na rejeição a bebidas alcoólicas.
Católico, tem na igreja um ambiente para renovar as energias e acalmar a mente. Também se diz seguidor da filosofia de Platão e conta que faz parte do grupo maçom. "Alguns não falam sobre isso, outros se exibem. Eu não me encaixo nem em um, nem outro, só não escondo. No centro de todos os sistemas político-religiosos, está fazer o bem para o ser humano. Acredito que a gente se realiza quando faz o bem."
Zé Aldo diz que tem como defeitos a incapacidade de dizer não e o déficit de atenção, que faz com que tenha dificuldade de concentração em situações diversas, o que, no entanto, não ocorre na narração esportiva.  "Dizem que quem tem déficit de atenção se identifica em algo e se concentra pelo gosto que tem por aquilo. Acho que é isso que acontece comigo", avalia. Embora assuma não ficar à vontade para encontrar qualidades em si, considera-se uma pessoa cortês: "Em um tempo em que as pessoas são agressivas, penso que essa é uma virtude".
O futuro é alimentado por desejos de viagens aos países nórdicos, de retorno a nações como Estados Unidos e Alemanha - onde esteve a trabalho -, e possibilidades de conhecer maravilhas, como as pirâmides do Egito e a Muralha da China. Convicto, dá a sentença final: "Tenho muita coisa para fazer como projetos pessoais depois de me aposentar. Até os 60 anos, ainda quero incomodar".

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