Renato Araújo: Vida entre pistas, pautas e tamborins
Do julgamento que mudou tudo na carreira à corrida pela vida, ele fez do Jornalismo uma missão; e do esporte, um refúgio

"Às vezes, a gente vence sem subir no pódio." Essa frase não foi dita por Renato Araújo durante esta entrevista. Mas poderia. Porque a vida do jornalista, que também é atleta, sambista, irmão de sete e amigo de muitos, parece ser conduzida pelo mesmo espírito que guia suas corridas de velocidade: foco, resistência e um tanto de poesia no passo.
Ele tem a serenidade de quem viveu o bastante para contar boas histórias - e mais ainda para ouvir. E tem sido assim desde muito cedo. Nascido em Porto Alegre, em 8 de abril de 1962, foi criado entre os campos e córregos de um sítio em Viamão. Filho de Maria Antonia da Silva Araújo e Nilson Jobim Araújo, cresceu no meio da natureza, no tempo em que férias escolares doíam por significarem distância da escola. Ali, no convívio com os irmãos - ao todo, são oito -, já aprendia, sem saber, a buscar caminhos: na terra, no Jornalismo e, mais tarde, nas pistas de atletismo.
Jornalismo: uma janela para o mundo!
Renato até hoje não sabe explicar por que escolheu o Jornalismo. Talvez tenha sido por aquela ideia, que depois se confirmaria, de que a profissão é uma janela para o mundo. Começou o curso na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) em 1983, já com o olhar curioso sobre a realidade, e o País em plena transição democrática. Trabalhou como ascensorista e office boy, e foi no setor administrativo de Zero Hora, com uma revista chamada 'Ano Econômico', que teve o primeiro contato com o ambiente da notícia.
Na sequência, surgiu o Correio do Povo. Entrou despretensiosamente, perguntando sobre vagas, e acabou contratado como redator. Reescrevia, com base em telefonemas ou textos crus, o material enviado por correspondentes do Interior do Estado. Foi ali que aprendeu a costurar informações, a perceber a estrutura de uma matéria e, principalmente, a enxergar a potência do repórter.
Virou, então, aquilo que sempre quis ser: um repórter de rua. Primeiro na editora de Geral, depois mergulhado na cobertura de Segurança Pública e, logo em seguida, na Política. Sempre entre grandes nomes e desafios, mas também grandes lições.
O repórter que aprendeu a observar
Renato é tímido. E não esconde isso. Mas aprendeu que, no Jornalismo, quem observa com atenção sempre encontra uma boa história. Foi assim que acompanhou de perto o julgamento do caso Daudt, uma de suas maiores coberturas.
A ligação com a vítima começou anos antes, quando Renato, ainda estudante, entrevistou Daudt ao vivo, quando este apresentava o programa Gaúcha Repórter, da Rádio Gaúcha. "Eu e mais duas colegas tínhamos que fazer o trabalho de conclusão de curso em rádio. Aí, tivemos a ideia de pedir uma entrevista para ele e o Daudt respondeu: "Querem falar comigo? Peraí, então, que vamos entrar todos no ar". E abriu aquela edição anunciando: "'Estou aqui com estudantes de Jornalismo!' Não imaginávamos que seria assim!", relembra.
No tribunal, jornalistas mais experientes questionavam a decisão dos editores de colocarem o jovem Renato na cobertura de um julgamento tão complexo, que exigia experiência. Mas eles confiaram no potencial dele. "Para mim, esse foi o grande início da minha carreira", recorda.
Durante os quatro dias de julgamento, Renato foi responsável por acompanhar os depoimentos das testemunhas. Foi uma experiência de aprendizado intenso. Ele destaca um momento marcante: uma lâmpada estourou no plenário durante um depoimento, e o advogado Lia Pires, que defendia o deputado Antônio Dexheimer, acusado de matar Daudt, pediu para que um desembargador anotasse o horário exato - 9h45 - e guardasse o papel. O detalhe parecia trivial, mas ganhou importância.
A testemunha que depunha era uma mulher surda, que morava no mesmo prédio de Daudt e precisava usar tradução em Libras. Em seu depoimento, ela apontou que o crime havia ocorrido em determinado horário. No entanto, durante o debate, Lia Pires usou o episódio da lâmpada para questionar a precisão do depoimento da testemunha.
Ele destacou que ninguém no plenário conseguia se lembrar exatamente da hora em que a lâmpada estourou, mas a depoente, surda, afirmava com precisão o horário do crime. "Querem me convencer que a senhora surda vai determinar a hora que o Daudt morreu?", desafiou o advogado. Esse gancho virou a matéria de Renato e foi destaque na cobertura. Era uma lição prática sobre como ser um repórter atento, buscando o diferencial na notícia e aprendendo a organizar as informações.
Foi dentro das redações que aprendeu com gigantes como David Coimbra - que, segundo Renato, sabia extrair a notícia de um detalhe quase invisível. Ou com Ricardo Stefanelli, que o orientou a olhar para fora no caso de uma pauta envolvendo um incêndio, onde dois bombeiros tentavam inutilmente abrir um hidrante. Era ali, e não nas chamas, que estava a manchete. E o furo foi tão grande que mudou as estruturas da corporação à época.
Da pista para a redação, da redação para a avenida
Além de jornalista, Renato é velocista. Desde os 14 anos, corre. Parou por quase duas décadas, para estudar e trabalhar, mas voltou. Já representou clubes como o Inter e a Sogipa, onde até hoje é sócio laureado. Compete na categoria Master, com passagens por países como Argentina, Uruguai, Chile, Colômbia, França, Espanha e Finlândia. Ele diz que o esporte o ensinou sobre disciplina, autocuidado e ética: "Não se vence uma corrida derrubando o outro. Isso vale para o esporte e para a vida".
E como se não bastassem a notícia e a velocidade, há ainda espaço para o samba. Ligado desde cedo à cultura popular, Renato é parte ativa da escola de samba Os Bambas da Orgia, onde toca cuíca e participa da velha guarda da bateria, além de ser sócio e membro do Conselho Deliberativo. Vai seguidamente aos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro, onde trabalhou nos últimos quatro anos ao lado de Cláudio Brito. "Em dezembro, os ensaios começam com força total". Até lá, cuida do preparo físico e da alma.
O transplante que mudou tudo
Se tivesse que eleger o episódio mais marcante de sua trajetória, Renato não hesita: a cobertura de um transplante de fígado, em 1995, quando atuava como repórter em Zero Hora. O convite partiu da própria equipe médica, que ligou para a redação pedindo que um jornalista acompanhasse todo o processo, da busca pelo órgão até a cirurgia.
A vítima, um jovem de 20 anos, havia perdido a vida em um acidente de carro, e teve o fígado e as córneas doados com o consentimento da família. Durante toda a pauta, Renato e o fotógrafo que o acompanhava só não puderam permanecer no momento da retirada dos órgãos. Enquanto isso, ele decidiu ir até a casa do doador e conversou com os familiares, ouvindo, com respeito e sensibilidade, sobre a importância do gesto que salvava outras vidas.
A cobertura, por si só, já era intensa e inesquecível, mas um obstáculo no meio do caminho quase mudou tudo. Alguns dias antes, um assalto havia ocorrido na mesma região por onde passavam os médicos e jornalistas. Ao avistarem o carro, a Brigada Militar fez uma abordagem. Todos tiveram que descer.
Durante a revista, quando um dos policiais ameaçou abrir a caixa onde estava o fígado, Renato ouviu o médico dizer, com firmeza: "Se tu abrir isso aí, tu vai preso por matar uma pessoa". Só então os policiais perceberam que estavam diante de uma corrida contra o tempo para salvar uma vida. Num gesto de reparação, a BM passou a escoltar o carro até o aeroporto, abrindo caminho com uma viatura como batedor.
Em Porto Alegre, já na correria da Capital, mal houve tempo para respirar: Renato tomou um banho, vestiu a roupa do bloco cirúrgico e entrou na sala de operação. "Vi centenas de veias e vasos sendo reconectados! Um milagre de vida", lembra, emocionado.
Renato também circulou com desenvoltura nos bastidores da política. Trabalhou como assessor de imprensa no Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (CPERS Sindicato), depois no Governo do Estado.Lá, acompanhou de perto casos difíceis, como a coordenação da reconstituição dos crimes do maníaco Adriano, acusado de matar oito crianças na Região Norte do Estado. O episódio exigiu de Renato, à época assessor de Imprensa da Secretaria de Segurança do Rio Grande do Sul, sangue-frio, organização e cuidado com os colegas jornalistas, em meio a uma população revoltada.
O homem por trás das pautas
Renato é pai de Gabriel, estudante de Geologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), e ex-marido de duas mulheres marcantes em sua vida: Josi, que é a mãe do filho; e Isabela, jornalista que virou policial civil, decisão que ele admira profundamente. As duas ex-companheiras são referências para o homem por trás das pautas. Assim como seu amigo Renato Dornelles, o amigo que costuma dizer que é o irmão que escolheu ter, devido aos 45 anos de amizade. Os dois se conheceram no colégio Julio de Castilhos, o Julinho, e se reencontraram na PUCRS, quando Dorneles se tornou amigo de um dos seus irmãos que estudava Publicidade e Propaganda. Já trabalharam juntos, por algumas vezes, nos mesmos jornais. Dorneles foi o responsável por aproximar Renato do jornalista Cláudio Brito, nos anos 1990.
No tempo livre, toca violão, lê, assiste documentários, séries e filmes que retratam o comportamento humano. Também se dedica ao estudo da língua inglesa, que pratica em um curso on-line. É colorado, fã de comida feita por ele e pela mãe. Adora peixe, mas não dispensa um bom churrasco, ainda mais quando toda família está reunida.
Renato se define como alguém que leva a vida sorrindo, mas ele pensa que, às vezes, isso pode até soar como um defeito. "Parece que não dou tanta importância para os momentos difíceis", reflete, pensativo. "Será que, se eu tivesse levado algumas coisas mais a sério, teria sido diferente?" Talvez a dúvida revele uma sabedoria: mais importante do que ter todas as respostas é saber fazer as perguntas certas. Certeza mesmo ele tem no lema que o acompanha: "A sorrir, eu pretendo levar a vida", do mestre Cartola.
E talvez seja esse o segredo de Renato Araújo: correr leve, mas com profundidade. Entre pautas, pistas e tamborins, ele vai deixando rastros de humanidade por onde passa.