Roberto Schultz: advogado criador

Profissional é o autor do livro 'Publicitário Legal' e atua com o Direito focado em Comunicação há mais de 20 anos

Roberto Schultz - Crédito: Arquivo Pessoal

Não estranhe se você passar por um posto de gasolina em uma madrugada porto-alegrense pós-pandemia e encontrar um grupo sentado na loja de conveniências, batendo um papo regado a café - sim, você não leu errado, café. Ali está acontecendo um brainstorm. Nada mais publicitário que esse grupo criativo trocando ideias, experiências e risadas. Mas, na verdade, trata-se de um dos hábitos mais comuns à família de Roberto Schultz, um advogado. Sem dúvidas, o advogado mais criador e comunicativo que você conhecerá.

O nome deste perfil é trocadilho que não faz jus à criatividade do filho do seu Ernesto e da dona Veny. O autor do livro 'Publicitário Legal' é reconhecido no mercado por compilar conceitos, na obra, e instituir o termo 'direito da Publicidade'. Mais do que isso, é especializado na relação da Comunicação com a Justiça, em geral.

Por esse motivo, o crivo é de alto nível para a construção deste perfil, visto que, dos papos nas mesas de café ou dos insights enquanto estrutura defesas, Schultz tira inspiração para seus livros. Desde os anos 1980, já foram mais de cinco. Ele é contista, poeta, e um escritor capaz de encantar redigindo qualquer tipo de texto. Pelo menos, é o que dizem as histórias.

A proximidade com a publicidade, inclusive, intensificou-se em uma destas vivências. No início da carreira, foi desafiado pelo xará, que até então desconhecia, Roberto Pintaúde a escrever uma defesa para licitação de governo "inteligível". Quando o responsável pelo processo leu o documento, que citava de Kafka a Gabriel García Márquez, Schultz o ouviu dizer: "Quando li, sabia que só poderia ser do Roberto Pintaúde". Ali, nasceu uma amizade e, também, a eterna piada de que um teria roubado o texto do outro, após o advogado colocar tão bem em palavras os pensamentos de seu cliente. "Eu sempre disse pra ele: um dia vai surgir a oportunidade de eu te desmascarar. Está aí a oportunidade", brinca.

O guri

O gosto pela Comunicação nunca foi novidade. Enquanto crescia junto aos dois irmãos na Vila Cefer, zona leste de Porto Alegre, o guri viu crescer também sua vontade de ser jornalista. E era nas viagens a Santa Cruz do Sul nos finais de semana, férias e datas comemorativas, para visitar a família da mãe, que o interesse pela profissão era alimentado e compartilhado com o primo Vitor Hugo (ele mesmo, o 'Alemão', da saudosa rádio Ipanema), à medida que provavam da "extrema liberdade" de uma vida no interior, curtindo cidade e amigos, sem hora de voltar para casa.

Ao relembrar histórias em relatos fluidos, muitas palavras e gestos, Schultz admite que era tímido e que a leitura foi fundamental para consolidar o profissional que se tornou. Gibis, fotonovelas, Veja e outros tipos variados de publicações alimentaram o repertório do jovem. E deu certo. Não apenas por ter se tornado um advogado reconhecido, mas porque também ajudou a conquistar seu par na vida. Foi em uma festa de carnaval em Santa Cruz do Sul que ele ganhou o coração de Cláudia e, o que era para ser um amor de verão, tornou-se um casamento que perdura por mais de 30 anos.

A juventude foi curtida no Bom Fim, na Capital, principalmente na casa da amiga Merli Leal. Regadas a Caetano, Chico Buarque e o restante da nata da MPB, as reuniões no lar de Merli foram a vivência de Schultz na boemia do bairro. Mas as memórias das quais ele fala com mais carinho estão a 155 km de Porto Alegre, na cidade "lírica" que o encanta, no Vale do Rio Pardo. "Eu nunca morei lá. Mas todo mundo sempre falava 'tua terra', porque sempre tive uma identidade muito forte com Santa Cruz do Sul", afirma.

Em Porto Alegre, também seguiu a parceria estreitada na cidade interiorana, com o primo, ao longo da faculdade, cursada por ambos na PUCRS. Enquanto Vitor Hugo fazia Jornalismo, Schultz se dedicava às Ciências Jurídicas e Sociais. Entretanto, era comum que os professores da Escola de Direito perdessem a atenção do aluno para os colegas da Famecos. É que, mesmo decidindo pelo seu dom jurídico, o lado comunicador deixava claro que não o abandonaria e Schultz matava aula para acompanhar as classes com os futuros jornalistas.

O advogado

No dia a dia profissional, porém, a comunicação é usada e muito para "apagar incêndios", como Schultz define a rotina na advocacia. Acionado normalmente em momentos de preocupação dos clientes, o prazo é inimigo e ele acaba virando noites em claro, debruçado em processos. "Sou advogado 24 horas por dia", define.

Tantas horas de trabalho possibilitaram diversas viagens e, com elas, muitas histórias. O profissional se diverte ao relatar que já atendeu a diversas celebridades, sem nunca vê-las pessoalmente. A lista inclui até a estrela de Holywood Ashton Kutcher. No entanto, a vivência mais engraçada é em nível nacional. Schultz foi chamado ao escritório do ator Fábio Assunção para resolver um problema e, ao ver o global ao final das escadas, subiu empolgado. Mas não foi desta vez. Ele relembra, aos risos, a decepção ao perceber o engano: "Era um totem do Fábio Assunção em tamanho real".

A rotina intensa preocupa a família e ele garante que vai desacelerar. Mas a verdade é que a satisfação com o que faz transborda em sua fala, e com a cabeça borbulhando de ideias e projetos, o profissional não aparenta intenção de aposentadoria. "Eu não consigo me imaginar parando de trabalhar. Em 10 anos, quero me ver trabalhando, em 20 anos trabalhando, se eu tiver saúde", revela.

E um dos motivos é a possibilidade de estar perto da família, enquanto trabalha. O home office não surgiu para Schultz com a pandemia de Covid-19. A modalidade, adotada em um período de desequilíbrio financeiro, virou preferência. Afinal, não é todo mundo que consegue terminar uma tarefa e brincar de bonecas com a filha no tapete ou fazer uma reunião por telefone dentro da piscina - situações reais que ele se diverte ao lembrar.

O 'pai de família'

Ver de perto a filha crescer foi uma das principais satisfações da vida de Schultz. Lívia, agora com 25 anos, é fruto do amor do advogado com Cláudia e herdou a paixão pela Comunicação cultivada pelo pai: virou jornalista. E criatividade para estimular as ideias da jovem não falta na família. Cláudia, que cursou Letras, reinventou-se e hoje trabalha advogando, ao lado do marido. Além disso, ela ainda é cantora.

Dos brainstorms nos postos de gasolina - já que Porto Alegre não tem o costume dos cafés abertos durante a noite - até o hábito de curtir filmes fazem da casa de Schultz um espaço de cultura. Escrita, música, filmes e literatura são hobbies em comum, que contribuem, inclusive, com o lado profissional. "Todo este 'caldo cultural', para um advogado, é excelente. Tem que abrir os olhos e ouvidos", reflete.

O criador

Não é à toa que, como dito lá no início, Schultz é o advogado mais criador que você conhecerá. Uma das explicações pode estar nas referências mais diversas possíveis, que ajudam a ampliar o campo de ideias. No Direito, admira personalidades como Evandro Lins e Silva e Márcio Thomaz Bastos, inspirações que se misturam com as grandes mentes por trás do cinema argentino e com as narrativas de Rubem Fonseca, a quem classifica como "O Machado de Assis dos séculos XX e XXI".

Também têm espaço na 'fonte' de onde 'bebe' o criador - ou melhor, no 'caldo' - os colegas e amigos da Publicidade: Pintaúde, Roberto Callage, Alexandre Assumpção e outros tantos que atuaram com ele, especialmente em trabalhos para agências como DCS, e21, Escala, Paim, Competence e BOX1824. Ainda que restrita pela pandemia, a sociedade também inspira Schultz. Ele destaca a importância de conviver com as pessoas, para não "perder a noção da realidade", e se orgulha da capacidade de transitar do ônibus ao escritório do Fábio Assunção sem perder sua essência.

Essa característica verte da "alma criativa dentro do corpo de advogado", como se define. Schultz possui contos em andamento e retoma suas anotações a qualquer sinal de uma ideia, nem que seja para registrá-la e tornar a deixar o texto inacabado de lado, até o próximo lampejo. Entre as obras prontas, estão 'O Coro do Vento', 'O Amor dessa Mulher', 'Margaridas Forjadas' e 'Segredo e Fim', além do reconhecido 'Publicitário Legal'.

Reeditar a publicação sobre direito da Publicidade, inclusive, está nos planos de Schultz. E quando ele fala sobre estar trabalhando nos próximos anos, projetos para serem postos em prática não faltam. O profissional, que já deu aulas na Publicidade e Propaganda na ESPM e Unisinos - sendo escolhido como professor homenageado das turmas em ambas as ocasiões -, idealiza a dedicação a um mestrado.

Schultz não quer estar apenas em sala de aula, mas se fazer presente onde o mundo acontece. A ânsia de viver a Comunicação faz com que o profissional também planeje ampliar a presença digital do escritório que tem com a esposa e colega, Schultz & Rossa Advogados. Porém, não é apenas atrás das telas que pretende se comunicar. Ele projeta, após a pandemia, voltar a sentir a satisfação de lotar palestras de interessados em ouvir suas experiências e estourar seu tempo ao microfone, respondendo perguntas. Nada para este advogado criador. Afinal, há diferença entre o poder do malhete de um juiz e da palavra de um comunicador?

Comentários