Shirlei Paravisi: Apreço pela simplicidade

Na despretensiosidade da jornada de quase 30 anos na televisão, a jornalista caxiense encontrou a realização em comunicar com empatia

São muitas as pessoas que embarcam em caminhos espinhosos para construir grandes trajetórias - profissionais e pessoais. Que buscam desesperadamente atingir a grandiosidade, sentem a necessidade de se colocar fora da curva, ter o nome lembrado, referenciado ou, até mesmo, reverenciado. Mas esse não é o caso da protagonista deste perfil. Shirlei Paravisi tem uma identificação pura e genuína com a leveza daquilo que é comum e aprecia na simplicidade da vida fatores que considera intrínsecos a si mesma e que lhe deram um grande valor: a empatia.

Shirlei não é uma pessoa que precisa ser descrita sob duas perspectivas - a jornalista e o ser humano. Tudo o que faz parte da individualidade dela, de uma forma ou de outra, caminha de mãos dadas com a trajetória profissional. Cativante ao natural e muito pé no chão, foi por meio da trilha de um caminho despretensioso que encontrou a realização em comunicar. "É muito legal saber que, em muitos momentos da profissão, consegui ajudar as pessoas. Pode ser a coisa mais simples, mas, se é importante na vida de alguém, valeu a pena", assegura.

Atualmente coordenadora de Telejornalismo na RBS TV em Caxias do Sul e apresentadora do bloco regional serrano do 'Jornal do Almoço', ela é uma caxiense-raiz. Nem mesmo os 11 anos que passou em Porto Alegre, onde deu os maiores passos da carreira, casou com Jerônimo, em 2004, e deu à luz seu filho, Joaquim, em 2009, foram capazes de afastá-la das origens. O trabalho a permitiu ir ainda mais longe, com coberturas no Rio de Janeiro e São Paulo - onde chegava a ir a cada três semanas para acompanhar o lançamento de filmes, entrevistar atores e diretores. Ainda assim, em 2012, retornou à terra natal como se nunca a tivesse deixado.

A boa filha a casa torna

Filha do ferramenteiro Nestor e da costureira Francelina, Shirlei nasceu em 26 de setembro de 1975. A data poderia até mesmo ter sido uma previsão do futuro dessa jornalista apaixonada pela primavera, que dedicou a maior parte da infância e juventude ao tradicionalismo. A dedicação à dança e declamação a levou a se tornar a Primeira Prenda Juvenil do Centro de Tradições Gaúchas (CTG) Imigrantes e Tradição, que frequentava junto da família. Mais tarde, recebeu o mesmo título pela 25ª Região Tradicionalista, da qual Caxias do Sul faz parte. Poderia até mesmo ter parado por aí, mas, se tivesse, era possível que o caminho dela fosse passar mais longe do Jornalismo.

Em 1990, quando se tornou a Primeira Prenda Juvenil do Rio Grande do Sul, foram as viagens pelo Estado, onde teve a oportunidade de se apresentar e conversar com as pessoas, que fizeram com que percebesse o quanto gostava de se comunicar. Mesmo com as indecisões inerentes a uma libriana, aos 19 anos, Shirlei se matriculou na terceira turma do curso de Jornalismo da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Um tiro no escuro. "Fui sem saber o que eu ia encontrar, já que não tenho ninguém na família que seja jornalista, nenhuma referência. Nada que pudesse me influenciar na escolha da profissão", explica.

Mas que tiro certeiro! Com apenas dois meses de curso, conseguiu o primeiro estágio na RBS TV de Caxias do Sul. Durante um ano e meio, período levado entre os trancos e barrancos da imaturidade e inexperiência, aprendeu sobre as técnicas da produção e a importância de se manter bem informada. "Fiz praticamente toda a faculdade já trabalhando. E fazia muita coisa já, só não aparecia no vídeo", relembra. Contudo, não levou muito tempo para mudar essa realidade. Foi com a saída da apresentadora do 'Jornal do Almoço' que recebeu a oportunidade de ser o rosto e a voz do bloco de variedades regionais, posto que ocupou até 2001, quando foi convidada para ir à Capital.

O que era pra ser só a cobertura do 'Porto Alegre em Cena' virou um convite para ficar e assumir as reportagens do bloco de Cultura e Comportamento do JA. Shows, lançamentos de cinema, peças de teatro, exposições? Em tudo que fosse relacionado a essas áreas, Shirlei estava. Mais tarde, esse trabalho oportunizou que começasse a produzir matérias para a TV Globo. "Fazia especialmente para o Jornal Hoje, mas fiz também para o Jornal da Globo, Bom Dia Brasil, Fantástico. Só não fiz Jornal Nacional", conta, orgulhosa. Ainda assim, a terra natal a chamava. Quando, em 2012, abriu uma vaga para a coordenação de Jornalismo em Caxias do Sul, não teve dúvidas para assumir o desafio. "Aceitei e voltei com meu marido e filho. Botei todo mundo na mala e trouxe", brinca.

Satisfação em comunicar

Apesar do amor pelo berço, Shirlei reconhece a importância que a estadia em Porto Alegre teve na carreira. Perto de completar três décadas muito bem investidas na televisão, não são poucas as histórias que ela tem para contar. Entre os caminhos mais inusitados que o Jornalismo a levou, relembra com carinho as coberturas que fez do Carnaval de Porto Alegre. A tradicionalista de berço, que não tinha nenhum conhecimento sobre o universo carnavalesco, não esconde os desafios que enfrentou, muito menos os deslizes que cometeu. Entretanto, hoje fala com orgulho sobre como conheceu as quadras de escolas de samba da Capital e da Região Metropolitana: "Fui em todas!" Desta trajetória, trouxe amigos para a vida.

Enxerga como um grande atributo a facilidade em falar do ser humano, da arte, da cultura e do comportamento. No percurso destas editorias, também se encontrou com grandes artistas, principalmente nos 11 anos em que esteve escalada para cobrir o Festival de Cinema de Gramado. Grande amante das animações, Shirlei teve a oportunidade de conviver mais com o cinema nacional. Dos outros encontros que o Jornalismo a proporcionou, relembra, ainda, da entrevista que fez com a cantora Marisa Monte, única artista de quem se considera muito fã. "Não sabia o que perguntar, estava tão encantada e a minha vontade era de conversar com ela sobre outras coisas", ri, enquanto recorda.

Apesar do talento em ouvir e contar as histórias que cruzavam o caminho, a grande satisfação da carreira de Shirlei foi a série de reportagens que teve ela mesma como case principal. A jornalista não sabe quando surgiu o sonho de ser mãe, era algo que sempre esteve com ela, e foi durante a gravidez de Joaquim que ficou responsável por produzir o quadro semanal 'E Agora, Mamãe?', exibido durante o 'Jornal do Almoço'. Nas matérias e no conteúdo que era produzido para o blog do projeto, ela retratou todas as etapas da gestação e os primeiros meses da maternidade. Além do enriquecimento profissional, os aprendizados com a iniciativa trouxeram mais tranquilidade durante aqueles nove meses.

Programação: família

Dividida entre os cargos de gestão e apresentação, os momentos de folga se tornam escassos e, embora preze pelo descanso, não abre mão da convivência com a família. Outro presente que o retorno a Caxias do Sul trouxe foi uma maior proximidade com os pais e a irmã Xeila, que também fazem parte das programações de lazer junto com o marido e o filho. E em relação aos destinos de passeio, a Serra não deixa nada a desejar. Gramado, Canela, Bento Gonçalves e Flores da Cunha, destinos conhecidos para todos os gaúchos, mas muito mais íntimos de Shirlei. "A gente também gosta de conhecer lugares que recém abriram e espaços ao ar livre", explica.

Ainda assim, nada substitui o aconchego do lar para ela, que se considera muito caseira. Os dias de frio e chuva - que em Caxias do Sul não são poucos - já são um pretexto para buscar outra companhia: a televisão. Ou melhor, as televisões, no plural mesmo. O trabalho está longe de ser a única conexão que a jornalista tem com a TV,  que carrega um alto significado para ela. Os vizinhos do apartamento de Shirlei, certamente, já se perguntaram como ela consegue estar com a casa sempre cheia, repleta de vozes e assuntos distintos. Mas não é esse o caso, são apenas os três aparelhos, um em cada cômodo, que costumam estar ligados até mesmo enquanto cuida dos afazeres. "Queria ter uma no banheiro, se pudesse. Não tenho, porque meu marido não deixa, diz que estraga", brinca.

Ela não esconde que a paixão pela televisão pode ser considerada um vício, mas admite que não consegue estar em um ambiente com uma tela apagada. Quase que adotando um tom de superstição, Shirlei justifica: "Parece que, se a TV está desligada, tem algum problema". A crença surgiu ainda na infância, pois quando Dona Francelina e Seu Nestor precisavam falar de um assunto mais sério, ter uma "conversa de adulto", o aparelho era imediatamente desconectado. Por conta disso, hoje ela faz questão de estar sempre com a TV ligada, que atua como um talismã contra as adversidades.

Contudo, essa não é a única proteção que acompanha Shirlei, uma grande devota de Nossa Senhora de Caravaggio. O santuário, em Farroupilha, é o destino certeiro dos momentos em que ela sente a necessidade de dar uma parada, reforçar o espírito e o emocional. "É um lugar de muita paz, com uma energia incrível e ela já me ajudou muito, me deu muitas bênçãos", reconhece. Embora o sedentarismo a tenha desencorajado de participar da romaria que acontece anualmente em 26 de maio, a jornalista se sente perdoada pela santa: "Ela entende nossas capacidades". No dia a dia, a imagem e a vela que mantém em casa são o acalento para a alma.

A jornada continua

Mesmo com 27 anos de atuação voltada quase que exclusivamente à televisão, Shirlei não pensa em grandes mudanças para o futuro próximo. Em todo o período que se dedicou a comunicar, percebe que nunca trabalhou tanto quanto hoje, o que relaciona ao acúmulo das funções de gestão e apresentação. Mesmo assim, a rotina não incomoda em nada a jornalista que segue muito apaixonada por aquilo que faz. "O Jornalismo tem essa característica: tu nunca sabes como vai ser teu dia", justifica. Em função disso, ela opta por apenas viver o dia a dia, com a simplicidade característica.

Em nenhum momento, nem mesmo nos de maior desafio, chegou a se arrepender da profissão que escolheu e considera que o reconhecimento das pessoas é um grande combustível. Respeitosa, empática, justa, consciente. Todos adjetivos que, de certa forma, já surgiram neste texto são as características que levam Shirlei a orgulhar-se do trabalho que faz. Para ela, ter o poder de ajudar os outros e ser um reflexo positivo na vida das pessoas são uma fonte inesgotável de realização. Apesar disso, compreende que de nada adiantam os devaneios de que pode mudar o mundo sozinha, apenas orgulha-se em cumprir o papel que assumiu.

Pensando longe, lá na aposentadoria, Shirlei admite que gostaria de curtir um pouco mais a vida pessoal e tirar mais tempo para si e para a família. Soltar-se das amarras do WhatsApp, do e-mail, das ligações e da previsão do tempo está entre os objetivos. "Queria poder olhar para uma chuva e não precisar pensar se vai acontecer um destelhamento e vou ter que mandar uma equipe. Ver a neve na rua e dizer: 'Que beleza!", relata. Nas horas de sono, poderia ter o telefone desligado, sem a preocupação de se perguntar: "E se acontecer alguma coisa? Como vou saber?". Simplesmente não saberia. Neste futuro, a jornalista se tornaria apenas uma espectadora das três televisões ligadas no apartamento.

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