Tiago Cirqueira: Sossegado demais

O gerente-executivo do Esporte do Grupo RBS compartilha vitórias, inspirações e revela seu percurso de acadêmico em MG até a liderança no RS

Essa é uma história periférica. Mas os limites que dão sentido a esse termo, aqui, não são de território. São de pessoas e fatos que não ocupam o centro das conversas. São essas as melhores pautas para Tiago Cirqueira. E por que não afirmar que é também assim a sua trajetória? Longe das luzes e dos microfones, o jornalista transita de forma serena pelo limite entre a Comunicação e a Gestão, desde os tempos de acadêmico e, hoje, é gerente-executivo do Esporte do Grupo RBS. 

Sabe aquelas coberturas que tu olhas e dizes "que golaço!"? A jogada, provavelmente, começou lá atrás das câmeras, sob o comando dele. Mineiro de certidão, paulista de passagem, devido ao trabalho do pai (e um pouquinho goiano também), foi no Pampa que Cirqueira virou craque. Direto dos juniores da Comunicação, aflorou, no Rio Grande do Sul, seu DNA de liderança e começou a formação para ser capitão. 

Ao longo da carreira, arriscou lances em algumas editorias, mas o pódio e os prêmios vieram por meio do jornalismo esportivo. O desempenho na liderança resultou na conquista da gestão, desde 2019, do setor de Esportes em rádio, TV, impresso e digital da RBS. O jovem ingressou no conglomerado gaúcho por meio de um trainee de gestão, em 2012 e, nessa quase uma década, marcaram o percurso treinadores como Alice Urbim, Andiara Perterle, Caio Klein, Claudio Toigo e Cezar Freitas. Tal qual uma final de atletismo, saltou obstáculos, entre eles um câncer descoberto em 2014 - e curado - e a distância física da família. 

Em 1992, o mineirinho - de apenas seis anos de idade - brilhava o olho com o encarte dos Jogos Olímpicos de Barcelona, feito pela 'Folha de S. Paulo'. Ele lembra até hoje da figura do judoca Aurélio Miguel na publicação e do calendário com todas as disputas. A memória guarda, inclusive, momentos importantes para o Brasil na competição: "Lembro do ponto do vôlei masculino contra a Holanda na final. De correr pela casa com a minha família comemorando".

Saindo do banco

Quase três décadas depois da Olimpíada de Barcelona, a dedicação levou Cirqueira a campo. Em 2021, não estava mais no banco, olhando de longe as disputas: comandou a cobertura olímpica da RBS, 'A gente vive Tóquio junto'. O trabalho rendeu a categoria 'Esportes' do 38º prêmio Top de Marketing ADVB e contou ainda, in loco, com os colegas Alice Bastos Neves, André Silva, Rodrigo Oliveira e Zé Alberto Andrade, além da equipe que atuou desde Porto Alegre.

"O esporte é uma desculpa pra olhar pro mundo", acredita Cirqueira. E olhando além do óbvio, ele conseguiu captar no celular, ao fim da competição, um emocionante encontro entre a atleta de vôlei Fernanda Garay e a apresentadora do Globo Esporte RS. A cena resume o propósito da equipe na viagem, para o gestor. "Ela viu na Alice sua casa, o Rio Grande do Sul, a pessoa que fez diversas entrevistas com ela? Foi um abraço de conforto". 

Encontrar pautas no que é periférico e não central aproxima as pessoas por meio da identificação, conforme o jornalista. E outros momentos são elencados por ele como exemplos da representatividade dessas coberturas. Entre eles, estão a entrevista em que a judoca Mayra Aguiar apontou o comunicador André Silva como seu amuleto; a apuração na qual Rodrigo Oliveira descobriu que a skatista Raísa Leal jogou na escolinha do Grêmio; ou, ainda, quando Zé Alberto Andrade colocou a gaúcha Michelle Lenhardt, esposa e treinadora do nadador Bruno Fratus, como protagonista da conquista olímpica do atleta.

A atenção para enxergar histórias é desenvolvida também em solo brasileiro. Cirqueira produziu, junto de Alice e de toda a equipe do GE RS, a série 'Vitórias'. A ideia era conseguir, falando de esporte, conscientizar sobre o câncer de mama, doença enfrentada pela apresentadora do programa, descrita pelo gestor como "a pessoa com o maior sorriso pra encarar uma situação como essa". O profissional, também, aponta como "o melhor exemplo de todos" no quesito sensibilidade a matéria de Leonardo Muller sobre o jovem vendedor de panos de prato, de 13 anos, que teve um encontro emocionante com Neymar.

Equipe entrosada

Olhando pra união entre Cirqueira e os colegas do Esporte da RBS, não há dúvida de que é cesta de três pontos. O entrosamento dele é maior ainda com outro time: a família. Até o Atlético-MG, clube de futebol do coração, fica pra trás nesse ranking. O pai, o professor universitário Sérgio Ricardo de Souza, e a mãe, a advogada Maria Celeste Cirqueira Cordova, formaram seu quarteto de ouro com a adição de Tiago e da caçula Clara. Na infância, os oito primos fizeram parte da história também, mas é na irmã e nos pais que ele tem sua base até hoje.

A mudança para solo gaúcho não foi a única na vida do jornalista. Nos primeiros meses do primogênito, a família deixou Belo Horizonte para viver em Goiânia, onde o pai foi aprovado em um concurso. São Paulo foi o destino após quatro anos, quando o professor iniciou um doutorado na Unicamp. Em 1993, quando Maria Celeste já estava grávida de Clara, Cirqueira voltou com a mãe à capital mineira - para onde o pai também retornou já doutor.

Após tantas viagens juntos, atualmente são 10 anos distantes. Ele sabe de cor: são 1.700km separando Porto Alegre de BH. "Essa distância é muito encurtada pela presença de tudo que eles me passaram e de tudo que eu sempre tento lembrar deles, das referências", reflete. Cirqueira garante ainda que quem trabalha com ele entende bem dessa "sensação de presença", visto a quantidade de vezes que menciona a família e interage com seu núcleo mineiro, via WhatsApp e outras formas de comunicação.

"Assembleias" foi como o seu Sérgio apelidou as reuniões do quarteto, conforme o filho. Vale debater de tudo nas videochamadas frequentes que fazem quando as visitas não são possíveis: economia, política, esporte, cultura, mídia. Cirqueira acredita que esse hábito marca sua personalidade em todas as ocasiões. "Eu sempre tenho argumentos, discuto, aprofundo, analiso, enfim, às vezes sou até meio chato, mas juro que tem um bom propósito por trás", diverte-se.

Há uma única divergência que conversa nenhuma resolve nessa família: enquanto dona Maria Celeste acha que Caetano é o ícone supremo da MPB, o marido é fã incondicional de Milton Nascimento. Os finais de semana da infância de Cirqueira eram divididos: sábados com o som escolhido pela mãe e domingos, pelo pai. Apostando em todos os clássicos e nas novas descobertas, ele segue esse amor pela música que descreve como seu tempo para respirar e refletir. Do fone de ouvido lendo e-mails, até a caixa de som no banho, vale tudo, desde o gaúcho Vitor Ramil - do qual ganhou livros e discos ao vir para o Sul - até a playlist nomeada 'Novo Brasil'.

Capitão

A herança musical rendeu mais que uma paixão a Cirqueira, foi a oportunidade do set-point de sua carreira acadêmica. Por meio de um intercâmbio, o então estudante desenvolveu e colocou em prática um programa musical na Universidad de Salamanca, na cidade de mesmo nome, localizada na Espanha. O 'Sons Tupiniquins' nasceu com a proposta de apresentar aos europeus, musicalmente, um Brasil diferente do estereótipo "carnaval, praia e caipirinha". Em seu retorno, um ano depois, a revista radiofônica foi tema do TCC. A ideia de levar a língua portuguesa e a MPB para o outro lado do Atlântico surgiu para burlar a dificuldade com o espanhol - e deu certo. 

Outras jogadas dignas de um camisa 9 também alavancaram sua carreira. Em 2007, durante os Jogos Panamericanos, a chefia instigou a equipe a elencar os favoritos para a Olimpíada do ano seguinte. Foi quando compararam os melhores tempos na piscina e identificaram que não eram do então destaque Thiago Pereira e sim do, até o momento, pouco conhecido César Cielo. Apuração, produção, contatos. Assim, a equipe chegou à avó do nadador, que, enfim, indicou o caminho para entrevistá-lo. Cirqueira lembra com orgulho de quando a rádio Educativa da UFMG deu espaço para o atleta que seria ouro em Pequim, 2008. 

A própria viagem à Espanha, feita três anos após a cobertura do Pan, foi um lance que merece replay - pelo menos na memória. A Universidade Federal de Minas Gerais, por exemplo, onde se graduou jornalista, não possuía programa de intercâmbio antes de 2010. Ao fazer um favor para o responsável pela rádio Educativa da UFMG, da qual fazia parte, Cirqueira arriscou: pediu que, além do habitual compartilhamento de programação com a rádio da instituição espanhola, intercambiassem estudantes também. Minutos depois, o e-mail de aceite da proposta chegou.

Os traços de estratégia, planejamento e gestão que mostrava desde a faculdade, o profissional atribui ao "intraempreendedorismo". Seguindo os conselhos do pai, afirma não ter programado cada passo, mas sim "sempre tentar estar preparado para, quando a oportunidade surgir, conseguir dar conta dela ou, minimamente, testar-se". Mas ele se prepara para o que pode vir na tranquilidade. MPB, família, leituras...

Quem já mandou mensagem a Cirqueira perguntando "tudo bem?", deve ter lido a resposta que é quase sua marca registrada: "Sossegado demais". Foi assim que o jornalista construiu sua carreira, com o foco de um medalhista olímpico. E é assim que espera o futuro bater à sua porta. Casamento? Filhos? Talvez. A única inquietação é a vontade de compartilhar vivências, quiçá em "assembleias", como as que unem seu quarteto familiar. Em solo gaúcho? Só Deus sabe - aquele Deus que, de tanta fé de suas avós, também fez o jovem respeitar. A certeza é seguir amando o que for fazer, provavelmente como o astronauta lírico, de 'Satolep Sambatown' do Ramil, "leve, pensativo".

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