Zé Adão Barbosa: Multifacetado

Dono da Casa de Teatro de Porto Alegre, o ator e diretor vira personagem, detalhando suas quatro décadas de atuação nos mais variados palcos

Zé Adão Barbosa, fundador e diretor da Casa de Teatro de Porto Alegre - Arquivo Pessoal

Abram-se as cortinas, pois o espetáculo vai começar. No palco, um pouco de tudo que uma boa trama pede: drama, humor e emoção. Um protagonista em sua jornada pelo sucesso - e o significado desse termo você vai descobrir com o passar dos atos -, que enfrenta seus desafios antes de chegar ao ápice, como toda boa jornada do herói. Inclusive, entre heróis e vilões, ele já vestiu tantas histórias quanto seus mais de 40 anos de carreira comportam. Quem o viu pelas montagens da vida pode chamá-lo de Bukowski, palhaço Pepino, Mutuca, Cabo Bento, padre Lara? Aqui, ele será o José Adão Barbosa Júnior. Sem máscaras, figurino ou jogo de luzes.

Zé Adão Barbosa, como ficou conhecido o ator e diretor gaúcho de 63 anos, é fruto de uma família de sete irmãos e foi o escolhido para herdar o nome do pai. Na vida artística, levou consigo essa versão mais simples, sem abrir mão, entretanto, de como realmente se chamava. Ele confessa que não gosta de recursos como nome artístico e pseudônimos, utilizados, frequentemente, por colegas de profissão quando ingressam no meio. E, com a quantidade de identidades de personagens que ele possui no currículo, quem precisa de mais uma alcunha?

Nos palcos, encarnou personalidades de diversas localidades, porém, na sua vida, foram três as cidades que tiveram protagonismo. O guri nascido em Porto Alegre foi para Jaguarão ainda bebê e viveu lá até os 10 anos. Ainda na infância, mudou-se para Camaquã, onde passou a adolescência, regressando à Capital aos 18 anos. Na fronteira foi onde mostrou seu talento pela primeira vez. Camaquã lhe convenceu de que era um bom artista. E Porto Alegre consagrou Zé Adão Barbosa como o ator e diretor que os gaúchos e o Brasil inteiro conhecem hoje.

As mudanças se devem a uma particularidade da família: Zé Adão tem dois pais e duas mães. Dona Ceny Mattos Barbosa teve peritonite (inflamação do peritônio, a membrana que reveste a parede abdominal interna e envolve os órgãos dentro do abdômen) na gravidez e chegou a receber a extrema-unção. Foi quando pediu que o casal de cunhados criasse seu quinto filho recém-nascido. Ela se recuperou, mas o guri já tinha se apegado aos outros pais. Ele ilustra sua vida dividindo em duas casas com a peça 'O Círculo de Giz Caucasiano', de Bertolt Brecht, em que o rei manda dividir a criança em duas e dar uma parte para cada mãe, sendo a mãe verdadeira a que aceita abrir mão. Nesse caso, a história termina com duas mães verdadeiras.

ATO I - O anjinho

O Teatro Esperança, em Jaguarão, onde morava com os tios-pais Dalmácio Batista Dibe e Ely Barbosa Dibe, foi o primeiro palco de que tem lembrança. Aos cinco anos, fez um dos anjos em uma montagem sacra de Dia das Mães. Zé Adão foi o escolhido para declamar uma poesia a Nossa Senhora. Ele diz que o motivo era ser vizinho da intérprete de Maria, mas é possível que já mostrasse sua vocação nessa época. A peça ficou na memória. "Eu posso jurar que aí que começou a coisa. Tanto é que eu tenho até hoje a sensação de eu com aquela roupinha de anjo, aquele palco, teatro lotado, aquelas luzes...".

A partir da primeira peça, a atuação virou brincadeira frequente do guri. Entre os familiares que chegavam em sua casa, a pergunta era sempre a mesma: "Cadê o artista da família?". O amor pela arte foi inspiração do pai biológico. Seu José Adão de Assis Barbosa era um amante da literatura e da música, incentivando os filhos com novos livros e LPs sempre que possível. Na sala, os festivais de música que revelaram grandes nomes da MPB eram programa obrigatório na tevê. A mãe biológica chegou a ser atriz na juventude, mas o profissional acredita que esse fato não chegou a influenciá-lo, pois, com sete filhos, ela se dedicou ao lar.

ATO II - O amador

A prática artística permaneceu no dia a dia de Zé Adão Barbosa. Na adolescência, em Camaquã, começou a integrar grupos teatrais e atuou em montagens, principalmente infantis. Contudo, ele queria mais. Aos 18 anos, decidiu arriscar e ir de mala e cuia para Porto Alegre tentar se consolidar na carreira. A família incentivava a arte, mas o pai foi contra a mudança, porque tinha medo da incerteza da profissão que o filho escolhera. Não tinha mais convencimento, ele estava decidido.

Na Capital, o guri chegou com economias guardadas do trabalho que tinha na prefeitura de Camaquã. Para se manter, trabalhou em diversos locais, como as extintas empresas JH Santos e o Badesul. Foram muitos os perrengues entre 1976 e meados de 1980. Nessa época, relembra que havia um emprego no Centro e, junto com um colega, preferiam caminhar até o curso de teatro noturno, na avenida Polônia, zona norte da cidade, para economizar a passagem de ida e comer um cachorro-quente do Mercado Público na volta. "Éramos jovens, a gente achava lindo, não sofria", diverte-se com as memórias.

ATO III - O protagonista

A consolidação do autodidata como ator profissional veio em 1986, quando, junto com amigos, decidiu produzir a peça 'A Lição', de Eugène Ionesco. Ele atribui à qualidade do conjunto, à atuação dos colegas e sua o sucesso da montagem, além, é claro, do famoso 'boca a boca'. Zé Adão recorda que as pessoas assistiam, encantavam-se e compartilhavam os elogios com as outras, que também iam conferir o trabalho. 

O artista pontua que não tem nenhuma fé. Sua crença é apenas no próprio esforço. Ele conta que foram anos de estudos de voz, dança e até acrobacias para atingir seu melhor em cada papel. "Eu não acredito em nada divino, não acredito em dom. Acredito em técnica, trabalho", ressalta. Zé Adão considera o estouro da carreira em 'A Lição' uma "epifania", que poderia ter surgido de sua dedicação a outros papéis, em outros momentos. Um deles, por exemplo, poderia ter sido Charles Bukowski, de 'Memory Motel'. O ator não esquece de quando encarou com preconceito o convite para encarnar o escritor polêmico, porém, aceitou, focou no personagem e foi conquistado pela trama.

ATO III - O comunicador

Os trabalhos nos palcos passaram a dividir espaço com os microfones, também em 1980. Zé Adão Barbosa foi convidado para fazer trabalhos publicitários e topou, visto que a remuneração como ator ainda não era suficiente para se manter. Ali surgiu o locutor - trabalho que ainda mantém, ocasionalmente - e o gosto pela dublagem.

Comunicação, inclusive, é uma das carreiras que o profissional acha que poderia ter seguido, assim como a Psicologia, caso a atuação não tivesse lhe arrebatado o coração. Ele chegou a figurar no cenário de comunicadores gaúchos quando, em 1993, apresentou um quadro de humor no Jornal do Almoço. Nos anos 2000, chegou ao rádio, comandando o programa 'Era Uma Vez em Porto Alegre', na Gaúcha.

ATO IV - Do cabo ao padre Lara

A década de 1980 reservou outro presente a Zé Adão Barbosa, além da consagração no teatro como ator e diretor: o encontro com o cinema. Em 1986, estreou no curta 'O Dia em que Dorival Encarou a Guarda', de Jorge Furtado e José Pedro Goulart. A partir daí, as telonas também ganharam espaço em sua vida. Atuou em outras diversas produções como 'Mentiroso', de Werner Shünemann, 'Noite de São João', de Sérgio Silva, e 'Neto e o Domador de Cavalos', de Tabajara Ruas.

O sucesso no cinema em nível nacional veio quando, em 2013, foi o padre Lara, no filme 'O Tempo e o Vento', de Jaime Monjardim. O convite foi uma realização para o ator. "Foi uma coisa muito louca eu fazer um personagem de um dos livros que mais marcou a minha vida", revela, destacando a admiração pela obra de Erico Verissimo que inspirou o longa. A produção ainda virou série da Globo, e Zé Adão pôde ser visto nas telinhas. Ele já havia estado na emissora, na novela 'Laços de Família', entre 2000 e 2001, mas afirma que o "fazer televisão" não lhe conquistou.

ATO V - O empreendedor do ensino

A bagagem no ramo artístico e os aprendizados com o pai biológico, comerciante, fizeram o ator e diretor decidir ter o seu negócio. "Sempre acreditei que, para sobreviver em Porto Alegre, tu não podes ser somente um artista livre, também tem que ser empresário." Aliando esse espírito empreendedor com a vontade de profissionalizar as aulas que ministrava desde o fim da década de 1980, surgiu, em 1996, o Tepa - Teatro Escola de Porto Alegre, formando diversos atores, com registro profissional, na Capital. 

Em 2010, após discordâncias sobre o futuro do empreendimento, saiu da sociedade e criou a Casa de Teatro de Porto Alegre, que comanda até hoje. Com um curso profissionalizante de dois anos, composto por quatro horas de aula diárias, ele se orgulha do trabalho: "É a escola que eu quero, a escola que eu imagino". Solteiro, ele divide o tempo entre viagens, aventuras na cozinha, atenção aos dois cachorros e um gato de estimação e o empenho em transformar a Casa de Teatro em uma universidade, enfim, chegando ao ápice de sua jornada do herói.

Ao fechar das cortinas, ainda se ouve a trilha de MPB e jazz que embala essa trama. O premiado artista - com seus três Prêmios Açorianos e outros tantos na estante - se curva em reverência ao público do teatro que ele considera "sublime" por estar ali. Cara a cara. Respirando, chorando, gargalhando? aplaudindo os tantos personagens que estiveram ali, faces de um mesmo homem, que seguem na memória de quem lhe foi plateia.

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