Fronteira: Estúdio de bom conteúdo
Empresa, que tem como principal cliente The Intercept Brasil, prima por contar ótimas histórias
A maior parte das ruas do Centro Histórico de Porto Alegre é superagitada e populosa, pois é onde se concentra uma grande parte do comércio local. Porém, a rua Duque de Caxias é um pouco diferente. Nela, alguns restaurantes e espaços comerciais se dividem entre as arquiteturas antigas do Palácio Piratini,da Catedral Metropolitana e os prédios residenciais. É no número 805, nos fundos da Livraria Padre Reus, no prédio que pertence aos irmãos jesuítas e, durante muito tempo, foi um alojamento da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que está localizado o Estúdio Fronteira.
O local, que funciona como um coworking entre as empresas República, Soon Content e Fronteira, tem já na entrada objetos no estilo retrô como um telefone com fio, máquina de escrever e um quadro-negro escrito com giz as respectivas salas de cada uma das iniciativas. Logo no hall, o lugar de convivência comum é colorido e aconchegante. O espaço conta com estante com livros e alguns objetos, sofá, televisão e frigobar. Ao fundo da sala, uma rede azul, num cantinho iluminado, é onde os jornalistas costumam usar para colocar em dia suas leituras ou apurar algum conteúdo.
O corredor que separa as empresas leva a equipe de Coletiva.net ao escritório do Fronteira, na sala 19. O local é iluminado e "respira" bom conteúdo. Quadros na parede, com capas de uma das publicações que conta com conteúdos produzidos pela equipe, a Superinteressante, caixas de paletes com muitos livros e revistas, uma televisão e a ilha de trabalho centralizada completam o cenário daquela minirredação.
Estúdio de conteúdo
O Fronteira surgiu em 2011 com a missão de contar boas histórias e cruzar as linhas dos formatos para entregar conteúdo relevante a todos os públicos. A iniciativa familiar do casal de jornalistas Alexandre de Santi e Sílvia Lisboa, que anteriormente trabalharam em Zero Hora, sempre foi de que o jornalismo é um ofício coletivo, por isso, tem editor, repórter, checador, coordenador de produção, e que funciona muito por conta deste coletivo.
Conforme Sílvia, as pessoas têm que escrever, ser editadas, para evitar erros, melhorar as histórias e, para que elas sejam contadas da melhor forma possível, decidiram reproduzir este fluxo de trabalho na redação, para minimizar erros e para que os trabalhos sempre fossem muito bons. "Uma das melhores coisas de trabalhar em um ambiente desses é ter contato e aprender com os outros", argumenta Sílvia.
A ideia é corroborada pelo estagiário de jornalismo Juan Ortiz, que destaca que é sua segunda escola na área e que a troca com os editores e colegas é superpositiva. Segundo ele, vai aprendendo mais do ofício com as características dos colegas, como o jornalista Alexandre de Santi, que hoje é editor do The Intercept Brasil, e que tem muita sensibilidade para os textos; já a Sílvia é quem sempre o incentiva a ir atrás das fontes e mostra mais a visão de repórter.
Maurício Brum, que já atuava como repórter freelancer desde 2013, e desde 2017 completa o time de sócios da empresa, é quem tem uma sutileza aos escrever os textos e que consegue encaixar as palavras de uma forma poética. "Ele é historiador, então, é como se fosse uma biblioteca humana, sempre sabe de memória sobre diversos fatos", relata Juan, que também cita os colegas Pedro Nakamura e Stéfani Fontanive como profissionais excelentes, inteligentes e com quem aprende um pouquinho todos os dias.
Lá e cá
Após oito anos no mercado, muitas das histórias contadas por eles viraram reportagens publicadas em algumas das principais revistas do País, como Superinteressante, Galileu, Piauí, Marie Claire e o site The Intercept Brasil. Além disso, já produziram livros, revistas completas, conteúdo para sites corporativos, ebook com o selo do Fronteira e fizeram pesquisa para documentários. "Já fomos, inclusive, chamados de sucursal Sul da Revista Superinteressante", orgulha-se Sílvia.
Uma das questões que queriam mudar era o fato de não ser só demandados, mas oferecer pautas que também tivessem interesse em fazer. "Conseguimos aprimorar muito a nossa forma de trabalho para que conseguíssemos também fazer reportagens de assuntos nos quais acreditávamos", explica a sócia-diretora. Maurício completa dizendo que conseguiram ganhar mais esta liberdade para fazer as propostas de pautas e enviar para alguns veículos, como a BBC Brasil.
De um ano para cá, a agência de notícias do The Intercept Brasil se tornou o principal cliente da empresa, o que envolve toda equipe em um trabalho diário com as seleções das produções, checagem das reportagens, edição de colunistas, seleções das traduções do Intercept norte-americano e checagens das produções. "Fizemos grandes matérias que nos orgulhamos bastante e que nos trouxeram ao Intercept, onde agora o Alexandre é editor e eu sou editora da Vozes (seção específica do site), mas o contrato envolve toda a empresa", refere Sílvia.
Atualmente, a empresa funciona lá e cá, com Sílvia comandando do Rio de Janeiro (o portal conversou com ela a distância), por meio da ferramenta Slack, e o Maurício 'in loco', com os três estagiários. Santi continua na sociedade, mas sem atuar no cotidiano da empresa neste momento, em função das atividades que exerce na agência de notícias. A organização é pequena, mas funciona como um hub, com muitos profissionais envolvidos. Conforme o projeto, como o dossiê especial para Revista Superinteressante que eles estavam fechando no dia da visita do Coletiva.net e o especial de saúde animal, que foi entregue no mês anterior, é necessário recorrer à rede de freelas que já trabalha com eles para contribuir para o desenvolvimento de iniciativas pontuais.
Além de uma empresa acolhedora e familiar, hoje, o Fronteira é um estúdio que faz reportagens investigativas com qualidade e tem como diferencial contar boas histórias, sempre preocupados com os valores do jornalismo. "Nossas entregas são com textos que tenham qualidade, envolvam o leitor e sejam muito rigorosos nas informações, precisos e estejam checados", garante Sílvia.
Oportunidade, responsabilidade e reconhecimento
Os três estagiários, que hoje integram a equipe, são estudantes de Jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e chegaram até a empresa por intermédio de professores que conheciam a Sílvia, pois ela fez seu graduação e mestrado na instituição de ensino.
Pedro está no Fronteira desde maio. Das situações marcantes vividas até agora, destaca a experiência e o aprendizado de lidar com o sofrimento do mundo. Ele conta que, muitas vezes, recebe relatos de pessoas que passam por situações muito complicadas e diz que é necessário ter um jogo de cintura para saber como lidar com este tipo de situação, com a informação que está recebendo, sem ser "uma pedra", ou "deixar se tocar demais". "Na editoria de Vozes, é bem comum recebermos algumas histórias pesadas, então, é um aprendizado diário", desabafa.
É com orgulho que compartilha que um dos primeiros desafios que encontrou foi o fato de receber crédito pelo que faz. "É muito interessante ter nosso nome de estagiário nas produções e, ao mesmo tempo, um baita desafio e uma responsabilidade grande. Assim como os textos que recebemos de pessoas consagradas e nós editamos", comemora.
Stéfani é a feminista do grupo. Diz que o Fronteira tem uma parcela enorme de contribuição para o seu crescimento profissional, pois foi ali que descobriu que gosta de jornalismo escrito, mas que ainda tem muito o que aprender. Desde que começou a trabalhar na empresa, viu que já deu um salto grande na qualidade das entrevistas, nas perguntas para as fontes, como aprofundar os assuntos e na melhora contínua. "Isso me ajudou muito a ver que eu gosto mesmo do jornalismo e que é isso que quero fazer". No início do ano também auxiliou Sílvia na editoria Vozes, que teve entrevista com o professor Pedro Mara, que foi procurado pelos assassinos de Marielle Franco e enfrentou um processo de exoneração, e, em função deste texto que saiu no Intercept, ele teve seu emprego de volta, o que, para ela, foi muito gratificante.