Diversidade e Comunicação: Anderson Dilkin e o trabalho que vem da troca sincera

Jornalista, que é cego desde pequeno, atua na rádio ABC e é o articulista de sexta-feira em Coletiva.net

Anderson Dilkin foi entrevistado por Luan Pires - Arquivo pessoal/Coletiva.net

Anderson Dilkin trabalha na rádio ABC desde 2015, é produtor de programas, além de gravar boletins noticiosos. Ele é cego desde pequeno, mas tem uma postura muita prática e racional sobre o lugar que quer ocupar e como acha justo fazer com que isso aconteça.

Eu queria, antes de mais nada, que você se apresentasse como você achar mais pertinente e contasse como chegou onde chegou no Jornalismo. 

Tenho 31 anos e sou cego. Não enxergo dos dois olhos desde pequeno. Fiz uma parte do meu ensino fundamental em Novo Hamburgo, onde tinha uma escola que na época atendia pessoas com deficiência visual. Nessa fase, ficava com um monitor para me ajudar a editar material, preparar as provas e transcrever para o professor entender. Como eu utilizava o Braille na época, precisava desse processo. Quando fiz o ensino médio na Feevale, comecei a trabalhar com notebook e foi mais fácil para o professor me auxiliar porque não precisava do intérprete. Fiz Jornalismo na Unisinos, tudo por meio do computador. Hoje posso acessar e fazer muitas coisas graças a esse software de leitor de tela. 

Eu trabalho na rádio ABC e sou grato porque eles abriram as portas pra mim. Eu acho que todos deveriam ter as mesmas oportunidades independente da pessoa, afinal, se eu sou bom, não teria que importar se eu enxergo ou não. Queria um mundo que não precisasse do sistema de cotas, mas vejo que é necessário. Infelizmente, pessoas com deficiência geralmente não são acolhidas. Diferente do que aconteceu comigo, que fui acolhido pelo Grupo Sinos.  

E quais os orgulhos na área que você tem? O que você já conquistou que te deixa feliz? 

Primeiro me orgulho de trabalhar. Eu poderia pegar o BPC (benefício de prestação continuada), onde tu recebe um salário por mês. Mas, para mim, trabalhar é a sensação de buscar o que eu quero. Eu entendo quem precisa, mas eu sempre quis ganhar meu próprio dinheiro. Outra coisa que me dá muito orgulho é ter feito a Central de Esportes, era um plantão e eu ficava na jornada dando as informações rápidas sobre os jogos. Já apresentei programas, fiz reportagens legais, enfim? Tudo que eu faço todos os dias me dá orgulho, porque a partir daquilo eu consigo mostrar que pessoas cegas podem fazer muitas coisas. Eu estou muito feliz em falar contigo não para falar só de mim, mas pra poder mostrar que a pessoa cega que tem oportunidade pode fazer muito.

Para chegar aos mesmos lugares, alguns grupos precisam de mais oportunidades. Estamos aqui falando de equidade, né? Percebo, e queria ouvir você sobre isso, essa questão das empresas colocarem "para dentro" pessoas diversas, mas não pensarem na estrutura necessária para isso. 

A adaptação tem que ser de ambos os lados. A empresa tem que se adaptar e eu também. Eu tenho que chegar, conversar sobre o que eu vou necessitar sem vergonha ou receio. Tenho que tentar fazer tudo que eu poderia fazer sozinho e pedir ajuda e alinhar o que eu não consigo. Essa conversa franca faz com que nós sejamos mais incluídos e sem privilégios. Precisamos de ferramentas para produzir como qualquer pessoa. 

O que ainda pode melhorar para outras pessoas terem mais acesso? Quais são os principais próximos passos do mercado de Comunicação para pessoas com deficiência visual?

A pessoa com deficiência tem que se preparar para o que faz, como qualquer outra. E o empresário tem que abrir mais a cabeça. Só porque a pessoa tem deficiência, não quer dizer que ela não pode desenvolver uma atividade, competindo de igual para igual com os colegas, trabalhando da mesma forma que eles trabalham. Eu, quando recebi a oportunidade, tentei todos os dias mostrar o máximo o que eu poderia fazer. Eu, como qualquer trabalhador, preciso mostrar que posso dar retorno, que é bom me ter na equipe. Não é caridade, é uma troca justa.  

Eu entrevistei a Lelei, e me marcou muito quando ela falou que, às vezes, as pessoas tendem a supervalorizar alguém com deficiência, como se não fosse normal ela, no caso, ser boa em algumas coisas? Como se ela conseguir fazer o simples fosse algo incrível e não algo que qualquer profissional competente conseguiria. O que você acha disso?

Eu sinto isso também. Quando falam "nossa, só tu consegue mexer nisso" ou "você é um gênio por fazer isso"... É como se eu o fato de eu ser cego fizesse tudo que eu faço ser melhor e não é assim. Sou um trabalhador ótimo no que faço, como outros. Claro que por um lado é bom ser valorizado, porque ajuda a perder a baixa autoestima e se valorizar, mas precisa ter um equilíbrio. E aceitar críticas também.

O que é Diversidade e Inclusão para você?

É incluir as pessoas em todos os lugares e fazê-las se sentir parte. É preciso que todos se sintam incluídos e acolhidos. Todo mundo tem que poder estar, fazer e ser o que quer. É o básico, ou, pelo menos, deveria ser. Como é que não vou ser incluído num lugar só porque eu sou cego? Eu me recuso.


Esta matéria faz parte de um conteúdo especial sobre diversidade e Comunicação, produzido por Luan Pires para Coletiva.net. Todas as semanas, o jornalista publica uma entrevista exclusiva com o articulista do dia. Para conferir o artigo de hoje, assinado por Anderson Dilkin, clique aqui.

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