Diversidade e Comunicação: Fabrício Silva em prol dos espaços de conversa e de oportunidades

Profissional assinou artigo para Coletiva.net nesta sexta-feira e foi entrevistado por Luan Pires

Fabrício é curador de talentos - Arquivo Pessoal

Fabrício Silva, ou como é mais conhecido, o Fab, define-se como um homem preto, periférico, batuqueiro e curador de talentos da Eyxo em Estratégias de Inovação. Já atuando como redator, produtor de conteúdo e agora como curador de talentos, propõe-se a proporcionar espaços de conversa e de oportunidades. De sorrisão no rosto, tivemos um papo que foi mais que uma troca, mas uma aula.

Em poucas palavras, como você definiria o que você faz?

Sou um organizador de oportunidades. Minha tentativa é traduzir os cenários e os momentos para pessoas que buscam e necessitam dessas oportunidades. Mas obviamente, sempre cuidando das individualidades de cada um.  

Existe um momento-chave sobre diversidade na tua vida?

Foram alguns. Mas acho que o momento inicial foi entrar numa universidade através do sistema de cotas e perceber a ausência de pessoas como eu naquele meio. Eu vim e fui criado em espaços pretos na minha adolescência, então foi a primeira vez que passei a refletir que o acesso aos espaços não era igual. Em uma turma de 30 pessoas, ter somente eu e mais uma outra pessoa negra me mostrou que a temática racial seria uma pauta que iria me acompanhar a vida toda. Outro momento que me marcou bastante foi logo após a morte do George Perry Floyd (nota: afro-americano assassinado em Minneapolis estrangulado pelo policial branco Derek Chauvin que ajoelhou em seu pescoço durante uma abordagem por supostamente usar uma nota falsificada de vinte dólares em um supermercado), quando houve um movimento mundial de telas pretas no Instagram. Em determinado momento, a Eyxo pensou em aderir ao movimento, mas antes perguntaram para a galera preta da empresa o que a gente achava da ação. Eu lembro muito da minha fala: NÃO FAÇAM!  Minha justificativa foi: por mais que seja uma manifestação importante, acredito que temos outras inúmeras ações que podemos fazer internamente antes. Desde então, a Eyxo junto dos colaboradores pretos, passaram a criar estratégias dentro de casa para pensar e ampliar ações de impacto nesse assunto. 

Foi então um início de uma série de ações?

Sim, a gente pensava semanalmente nisso. Construímos uma leitura coletiva, que está na 3º edição, do livro Pequeno Manual Antirracista, da Djamila Ribeiro. Criamos também um Guia Cultural para compartilhamento de experiências e vivências. Foram muitas ações para deixar o espaço mais diverso para todos os grupos identitários. Mas talvez o marco dessa história foi construir o programa de estágio da Eyxo focado em pessoas negras. Participar deste processo foi importante para eu criar um olhar de sensibilidade e construir pequenos movimentos para não distanciar a galera preta das vagas de publicidade. Como: precisamos realmente de alguém que fale inglês ou precisamos alguém que com acesso possa crescer e acrescentar novas visões aqui dentro?

E além de dar acesso, é preciso qualificar essas pessoas e os espaços que vão receber essas pessoas. Até para elas chegarem a cargos de liderança e coordenação, né?

Sim, o problema é que o movimento de puxar a base para cima é mais difícil porque ainda esses espaços são ocupados por homens cis-heteros brancos. Então, o meu foco hoje é gerar acesso, mas ao decorrer do tempo, temos que batalhar para evoluir essa conquista. A gente já começa a perceber um movimento que está saindo da base e indo pra liderança, mas existe ainda um gap muito grande. Um discurso que me machuca muito quando eu ouço é aquele "se a pessoa se esforçar, ela consegue". Porque? Cara, claro que algumas pessoas pretas vão conseguir mesmo com o cenário adverso. Mas é sempre oferecendo o dobro de si, porque elas não têm acesso às mesmas oportunidades. Precisamos trabalhar a equidade como regra. Todos se esforçam, precisamos dar as ferramentas para que o esforço seja com justiça social. O discurso que a meritocracia vai vencer contribui muito para manter as estruturas iguais. Além disso, esse movimento de questionar também precisa vir da galera branca: até porque o RACISMO FOI CRIADO POR ELES;

Como a comunidade minorizada pode contribuir para acelerar esse processo de equidade, diversidade e inclusão? Onde encontramos nossos pontos comuns para fortalecer a pauta? Tu vê um caminho de integração?

É o entendimento sobre caminhar juntos. Eu, como homem negro periférico, posso criar espaço em relação à raça. Mas isso ainda não é um lugar diverso. Além de olhar pra mim, preciso pensar em outros grupos. Essa construção deve ser coletiva. A presença da mulher negra, da mulher trans? todas essas são importantes. Se eu não entender isso, eu vou reproduzir o que eu tanto quero que as pessoas parem de reproduzir. O cerne está em saber ganhar e ceder espaço é o resumo. Acho que em geral todos os grupos minorizados têm essa noção, o que acontece é que ainda não chegamos ao ponto de saber priorizar as lutas. Quer um exemplo? Quando falamos em acesso ao mercado de trabalho, e ouço "não estamos achando esses grupos", me pergunto: Onde você está procurando? Que experiências você está priorizando? Em geral, as empresas não querem formar talentos porque isso dá trabalho. Talvez custe mais, mas custa a curto prazo. A longo prazo é só vantagens.

Tu chegou a sofrer micro-violências nesse processo todo de acesso ao ambiente de trabalho?

Quase que diariamente. Às vezes, eu estou melhor psicologicamente e elas acabam passando. Mas, outras vezes, elas machucam muito. Uma vez, eu passei num processo seletivo para redação e meus textos após ter entrado eram revisados por uma pessoa que nem tinha formação em publicidade e tão pouco em letras, à pessoa não tinha muita experiência. Mas, eles precisavam de alguém para revisar o trabalho do preto, mesmo eu tendo passado pelo processo de seleção. Eu ficava pensando: não posso errar, porque se eu errar e quem está me corrigindo não tem experiência, e enxergar meu eu errar, eu estarei na vitrine da falta de qualidade técnica. Era uma pressão enorme. Um local de vulnerabilidade muito grande. 

E agora, qual tu acha que é caminho para continuar essa estrada em busca de inclusão? E o que é diversidade para ti?

É importante ocupar espaços que foram embranquecidos, porém é mais importante ainda valorizar os nossos espaços periféricos tornando-os atrativos. Minha dica é: entre em todos os espaços possíveis e torne-os confortáveis para as suas vivências individuais e coletivas. É claro que eu tive um momento de se moldar ao espaço, mas estou fazendo essa retomada de não mudar quem sou, mas mudar o espaço. E entrando na resposta do que é diversidade: para mim é criar um espaço confortável para todos que foram e são historicamente marginalizados, invisibilizados e esquecidos pela sociedade brasileira. Se eu entrar num espaço e ele for desconfortável pra ti, pra mim não pode ser mais um lugar de conforto. Pode parecer até utópico, mas precisamos pensar no todo, em todos. Além de criar espaços confortáveis, precisamos criar situações confortáveis. Esses espaços só vão fazer sentido quando a gente pensar neles pros outros também. 


Esta matéria faz parte de um conteúdo especial sobre diversidade e Comunicação, produzido por Luan Pires para Coletiva.net. Todas as semanas, o jornalista publica uma entrevista exclusiva com o articulista do dia. Para conferir o artigo de hoje, assinado por Fabrício Silva, clique aqui.

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