Cinco perguntas para Carlos Villela

Profissional é formado em Jornalismo pela PUCRS e tem pós-graduação em Gestão Pública

Carlos Villela é editor-assistente noturno no site do Jornal do Comércio - Crédito: Tânia Meinerz

1 - Quem é você, de onde vem e o que faz?

Meu nome é Carlos Müller Villela, tenho 29 anos, sou formado em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e tenho pós-graduação em Gestão Pública. Sou filho do José Luiz, funcionário público exemplar, compositor e meu saudoso poeta do rio Uruguai, e da Margaret, a melhor costureira da história. 

Sou natural de São Sebastião do Caí, onde morei grande parte da minha infância e adolescência, e tenho minha família paterna em Uruguaiana. Vim para Porto Alegre aos 17 anos para estudar com bolsa integral do Programa Universidade Para Todos (ProUni), e desde então moro aqui.

Atualmente sou editor-assistente noturno no site do Jornal do Comércio (JC), empresa que entrei em 2017 como estagiário na editoria de Política, retornando como formado para a cobertura das eleições nacionais de 2018 e outras contribuições, até ser contratado como repórter da editoria de Economia. Desde 2021, integro a equipe do JC Online no turno da noite, trabalhando com tarefas de edição, apoio a repórteres e estagiários e integração da edição impressa com a versão digital.

2 - Por que optou pelo Jornalismo? 

Minhas primeiras conexões com o Jornalismo aconteceram por causa do meu interesse de criança por história e geografia. Quando eu fiz oito anos, minha mãe me deu de presente uma assinatura da revista 'Os Caminhos da Terra'. A primeira que recebi tinha como capa a Catedral de São Basílio em Moscou, com outras reportagens sobre a região do Ladakh nos Himalaias e sobre sequoias, as maiores árvores do mundo, e cada edição a partir dali me abria uma nova dimensão.

Eu adorava assistir às reportagens da Glória Maria mundo afora no 'Globo Repórter', e as viagens da Hebe Camargo indo até Fátima todo ano ou a Dubai para fazer uma peregrinação a joalherias. Também gostava muito do desenho 'Em que lugar da Terra está Carmen Sandiego?', sobre uma equipe que ia de país em país seguindo as pistas de uma criminosa internacional que roubava artefatos históricos e monumentos inteiros apenas pelo prazer da perseguição. Acho que eu mais queria era me envolver em uma missão internacional.

Já na adolescência eu lia todo dia o Correio do Povo na casa do meu avô, e minhas colunas favoritas eram as do Juremir Machado da Silva e da Taline Opptiz. Me instigava muito que a Taline trazia sobre os bastidores da Câmara de Porto Alegre e da Assembleia Legislativa, e como agiam os indivíduos que faziam a máquina pública funcionar. 

Quando estava no último ano do ensino médio, o Juremir foi na minha escola no Caí a convite da lendária professora Leotânea Neiss conversar com a nossa turma, o que foi muito especial, e influenciou na decisão. Na escola tive sorte de pensar sobre um futuro como jornalista na companhia da Cândida Schaedler, minha amiga que fez o ensino médio comigo e também foi minha colega na Escola de Comunicação Arte e Design (Famecos) da PUCRS, e hoje é uma referência na profissão em temas como agroecologia e mobilização climática. Então todo esse aprendizado desde cedo e possibilidade de viver algum tipo de aventura ou história, o que pode acontecer até mesmo sentado dentro de uma redação, apontou para o Jornalismo como a única escolha.

3 - Em setembro do ano passado você trabalhou na cobertura das enchentes. Como você avalia essa experiência?

Foi desafiador. Acredito que era complexo, numa perspectiva de operário, circular naquele ambiente e conversar com os moradores da região sem sentir que estava incomodando. A enchente do rio Taquari foi uma tragédia sem precedentes, e eu e outros jornalistas acompanhamos a comitiva com o presidente em exercício Geraldo Alckmin e oito ministros em Roca Sales, Muçum e Lajeado.

Naquela situação, era preciso se colocar no lugar dos moradores que estavam sem luz e incomunicáveis há dias, exaustos daquela faxina sem fim, e ainda tinham que aguentar tudo parar por uma tarde para receber uma comitiva nacional, com todo o aparato de segurança que atrapalha o deslocamento do público, e uma horda de jornalistas vindo atrás correndo, fazendo pergunta sobre o quão triste foi aquilo tudo para logo depois todo mundo voltar para suas cidades. Eu precisava entender o meu espaço ali, e era fundamental ter uma reverência com o que as pessoas estavam passando para me apresentar, explicar o que eu pretendia com minha reportagem e estabelecer uma conexão momentânea legítima, respeitando a humanidade deles.

Óbvio que é pesado manter a postura profissional diante de um cenário tão desesperador, a vulnerabilidade bate com força. A vontade é de tentar consolar, mas eles não precisavam de consolo de turistas declarando empatia. A prioridade era fazer o Jornalismo que as fontes confiavam que fosse feito.

Como eu fiz essa cobertura em uma colaboração especial para a Folha de São Paulo, veículo que tem alcance nacional, naturalmente tinha uma autopressão ainda maior para noticiar corretamente o que estava acontecendo, e contextualizar aquelas comunidades para quem não é gaúcho. Eram muitos os compromissos a assumir com diferentes lados, o que fez disso uma experiência muito intensa. 

Uma coisa que me ajudou a processar essas preocupações e canalizá-las para a apuração das matérias naquela ocasião foi a oportunidade de fazer essa cobertura na companhia da Bárbara Lima, que integra comigo a equipe do JC Online. Estávamos atuando por veículos diferentes naquela ocasião pontual, mas fizemos a apuração juntos caminhando pelas ruas das cidades, e conseguimos debater durante o processo de apuração temas que envolviam a nossa responsabilidade ali naquela cobertura. 

4 - Para você, qual foi o momento mais difícil da cobertura?

Acho que o mais difícil da cobertura foi assimilar a larga escala do desastre ambiental e do luto dos moradores. Acompanhei outros colegas no carro seguindo o percurso da comitiva e vínhamos apontando para os rastros da enchente em diferentes pontos na beira da estrada, a incredulidade e o choque aumentando a cada curva. 

A marca da lama passava da metade do segundo andar em muitos prédios em Roca Sales e Muçum, níveis de inundação que não faziam sentido. Eu e a Bárbara conhecemos uma senhora que morava em uma lomba, um lugar impensável de entrar água até então, e ela nos contou que via a correnteza da enchente passando logo abaixo da sacada dela, com a cidade inteiramente sem luz e gritos de desespero a noite toda. Então, reportar essa dor tão brutal e exposta sem sentir angústia ou ansiedade era impossível. 

O jornalismo é uma profissão mórbida por natureza, e "tudo bem", entre muitas aspas, mas uma das mais sensíveis também. Por isso a gente dá o melhor de si e já aceita logo que a tristeza vai bater depois que entregar a matéria, quando tivermos mais tempo. Os dias seguintes foram pesados, mas o melhor a fazer para superar esse impacto posterior é cultivar a esperança que as histórias que contei ajudaram de alguma maneira, e honraram as fontes que colaboraram comigo.

5 - Quais são os seus planos para daqui a cinco anos?

É uma pergunta meio difícil. Uma parte de mim está apavorada pensando na inevitabilidade do tempo, olhando pra frente e vendo um ponto de interrogação do tamanho de um colosso me fazendo sombra. Outra parte de mim está calma, o que é muito estranho, porque estou vivendo mais ou menos em harmonia. 

É um longo caminho desde meu primeiro estágio na Secretaria Estadual do Meio Ambiente em 2012, ano que do nada é inexplicavelmente longínquo. Agora eu aparentemente tenho uma carreira, me chamam para responder perguntas sobre minha trajetória, tenho estagiários com quem tenho responsabilidades e que tiram dúvidas comigo, recém comprei um ar-condicionado próprio 12 mil BTUs e terei condições de pagar, tudo isso tá me fazendo pensar que talvez esteja tudo bem e eu meio que 'cheguei lá', em algum 'lá'.

Acho que meu plano profissional do momento é aprender mais sobre alguns interesses pessoais de longa data, e a partir disso buscar especializações para qualificar meu trabalho como jornalista. Já o meu plano realista e otimista de vida para os próximos cinco anos é me consolidar como integrante da classe média brasileira e dela nunca mais descer. 

Tendo isso e algumas boas jornadas pela frente, alcanço quase tudo o que um jornalista deseja. Ainda tenho as metas básicas como ter um apartamento próprio, quem sabe com um terracinho, e os desejos de viver uma vida boa no lazer e sossego da minha casa, e na companhia da minha família, amigos, colegas e pessoas que amo.

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