Sobre jornalistas e publicitários

Por Marino Boeira

Resolvi implicar com esse manifesto dos professores universitários de jornalismo aqui do Estado e que li em Coletiva.net, por me parecer uma auto louvação, que a realidade não confirma.

Primeiro, eles esquecem que são assalariados das universidades, com uma carga horária de trabalho bem mais amena do que a maioria dos outros trabalhadores e dizem que dedicam "nossos dias e noites para a formação de futuros jornalistas".

Um exagero, mas nada tão pouco verdadeiro quanto à afirmação seguinte de que "é pelo jornalismo que levamos ao conhecimento das pessoas os fatos, com verdade, ética e responsabilidade e fortalecemos os laços de uma sociedade democrática".

Como diz aquele velho ditado, "água benta e presunção, cada qual toma o que quiser".

Será que esse pessoal, entre os quais alguns meus velhos conhecidos, pensavam que estavam se referindo à Escandinávia e não ao Brasil, a se levar em conta como o jornalismo brasileiro contribuiu para a democracia nos últimos tempos.

Rapidamente, eles dirão que estavam pensando em jornalistas e não em jornais.

Vamos esquecer que o Merval Pereira, o Camarote, a Miriam Leitão, o David Coimbra, o Rogério Mendelski, a Rosane de Oliveira, o Datena, o Bóris Casoy, o Túlio Milman, o Elio Gaspari, e outras estrelas da comunicação brasileira são jornalistas  e pensar nos outros, "os que levam ao conhecimento das pessoas os fatos, com verdade, ética e responsabilidade", como diz a nota.

Alguns dos meus melhores amigos são ou foram jornalistas e sempre lembro deles como sujeitos inteligentes e cultos, embora boa parte dessas pessoas, me dou conta agora, eram mais intelectuais que jornalistas de tempo integral e que usavam os meios de comunicação para defender suas posições políticas ou ideológicas.

Eu mesmo tenho em minha primeira carteira de trabalho o registro como jornalista profissional de Última Hora, embora minha formação acadêmica tenha sido feita no curso de História da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal.

Faço essa apresentação inicial para justificar minha implicância com a arrogância de um grande número de jornalistas que usam as páginas dos jornais e os espaços na televisão e rádio para pontificarem como donos do saber absoluto.

Vou repetir a seguir o que já escrevi em outros espaços.

A cooptação dos sistemas de comunicação pelo capitalismo triunfante se tornou irreversível na medida em que eles se sofisticaram e passaram exigir altos investimentos financeiros para se tornarem eficientes.

Dentro dessa nova realidade, os enfrentamentos ao sistema, através das chamadas mídias alternativas, se tornaram a única opção, quase sempre frustradas, na luta contra o pensamento único, que na sua essência busca a preservação de uma sociedade de classes.

Então, a figura do jornalista imparcial, que "luta pela verdade acima de tudo", virou peça de museu.

Ou ele está a favor de um lado ou de outro.

Mais do que a polícia, o judiciário e o parlamento, é a mídia, controlada na sua quase totalidade pelo capitalismo devastador, que tenta eliminar qualquer resquício de inconformismo.

Os últimos dias no Brasil mostraram a sobejo como funciona o sistema.

Diante de uma disputa eleitoral, em que um candidato que não teve pejo de se apresentar com propostas fascistas, a 'Grande Mídia' se escondeu atrás de uma pretensa imparcialidade, tratando desiguais como iguais e não denunciando com o vigor que deveria ter, os métodos criminosos de aliciamento de eleitores que esse candidato usou.

No passado, quando me intitulava jornalista, os jornais se dedicavam a dar notícias e reservavam para poucos o direito de emitir opiniões em seu nome pessoal.

Na Última Hora local, quem fazia isso era o Sérgio Jockimann; na Caldas Júnior, o Cid Pinheiro Cabral, o PF Gastal e o Jotabê (João Bergmann, o precursor do Luís Fernando Verissimo) e ganharam esse direito pela qualidade de seus textos.

Por alguma razão que desconheço, hoje as páginas dos jornais estão cheias de dezenas de opiniões sobre tudo e sobre todos. Não são apenas artigos e colunas, mas mesmo uma simples cobertura de um fato policial leva o nome do autor do texto.

Ótimo, pode pensar alguém.

É a empresa respeitando a opinião dos jornalistas.

Só que a realidade é outra.

O jornal é um negócio, que vive dos anúncios pagos por terceiros e seus donos são também empresários, preocupados basicamente em ganhar dinheiro.

Mais do que isso, são os meios de comunicação (e os jornais principalmente por serem documentos palpáveis) que sustentam o sistema em que vivemos, por mais injusto que ele seja.

Então, opiniões divergentes dos jornalistas sobre a posição editorial do jornal são toleradas na medida em que ajudam a consolidar uma imagem de imparcialidade, um ponto de venda importante para enfrentar a concorrência.

Isso explica um Janio de Freitas na Folha e um Peninha, em ZH.

Como professor durante muitos anos na Famecos, conheci de perto a arrogância desses futuros jornalistas, que, quase sempre refratários aos livros mais volumosos, se diziam "formadores de opinião", um dos qualificativos mais idiotas atribuídos a um grupo de pessoas.

Na época, eu lecionava Criação para os alunos de Publicidade e quando eles se sentiam menosprezados pelos seus colegas do Jornalismo, costumava dizer a eles, que os publicitários eram muito mais honestos, porque não escondiam que iriam vender seus talentos para quem pagassem um salário maior e que eles, os jornalistas, apesar do discurso libertário, iriam escrever apenas o que seus futuros patrões permitissem.

E tinha mais um argumento a favor dos publicitários, obviamente pensando no pessoal da Criação: o jornalista, quanto mais eficiente é, mais se revela um escravo da realidade. Num mundo onde a todo o momento as pessoas são chamadas a escolher um lado, ele faz profissão de fé na imparcialidade, ainda que muitas vezes seja manipulado por interesses que sequer percebe. Onde o vernáculo é recriado todos os dias, ele se limita pelas regras gramaticais, mesmo que elas só reproduzam uma prática social elitista.

Um ser politicamente correto, ele só pode escrever 'negão', 'pila' ou 'tá legal' entre aspas, como está feito aqui (isso não é um texto publicitário) e citando como autor um anônimo qualquer. O publicitário, não. O seu campo é o simbólico. Ele é despudoradamente parcial. Não respeita a intimidade de ninguém. Diz até o nome do absorvente que aquela famosa modelo usa e revela como evitar a flatulência que pode prejudicar o fechamento de um grande negócio. Mediante uma boa remuneração, fala bem de uns e mal de outros e até se orgulha disso. Politicamente incorreto, ele escreve copiando o jeito das pessoas falarem e, o que é mais importante, sem aspas. Em vez de manipulado, ele pretende ser manipulador.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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