De volta ao Apollo

Por José Antônio Moraes de Oliveira

Aconteceu um sonho estranho na outra noite - eu estava de volta ao meu antigo bairro. Caminhando à toa, lendo as placas com os nomes de ruas - Júlio de Castilhos, Ramiro Barcelos, Fernandes Vieira, Castro Alves, Felipe Camarão, João Telles... Procurando - mas sabendo não encontrar - as pequenas placas esmaltadas azul-e-branco com os números das velhas casas geminadas e sobrados. Com aquelas janelas de venezianas azuis, de onde chegavam vozes e perfumes. Agora, se vê prédios anônimos cercados por grades de ferro.

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Mesmo sabendo que há muito não estão lá, continuo buscando as casas dos antigos companheiros de travessuras. Aqui, na Ramiro, moravam os Dischingers, mais adiante, na Castro Alves, o Arno Dreher e o Erno Schneider. Descendo a Felipe, me voltam nomes de alguns - o Moshe Starosta, os Millmans, o ruivo Goldberg.

Haviam outros mais, agora nomes sem rostos que ficaram nos esquecimentos. Mas aqui e ali, aparecem vestígios de domingos -a missa dos carmelitas na Santa Terezinha, as matinês no Cine Theatro Apollo. Ficava lá no início da Independência, onde o bonde Prado fazia curva, na altura da Santa Casa. Parecia mais um hangar, um pé direito muito alto e um grande palco,sem. cortina, ocupado pela tela de cinema. A gurizada amava os programas duplos, onde se reencontrava heróis das historietas em quadrinhos: Flash Gordon, Hopalong Cassidy, Tarzan, o Rei das Selvas e desenhos em longa metragem do Super-Homem e do Batman, o Homem-Morcego. A grande travessura era esperar o projecionista pegar no sono, deixando o filme queimar. Então, começava uma barulheira dos demônios, com a bateção dos assentos das cadeiras de madeira até acenderem as luzes e o gerente distribuir vales que valiam como ingresso em outro dia.

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Naqueles tempos sem televisão, a grande tela iluminada dos cinemas era a maior diversão e um conveniente escape para o mundo encantado do faz-de-conta. Para os adultos, era a sessão soirée nos cinemas do centro - uma hora mágica, na companhia das estrelas de Hollywood: Bette Davies, Clark Gable, Tyrone Power, Robert Taylor, Heddy Lamar. De quando em vez, surgia uma deslumbrante Maria Félix, fazendo brilhar os olhos dos pais e tios. Ou os tangos sofridos da cantante Libertad Lamarque, que arrancavam suspiros das mães e tias.

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Mas as tardes e noites mágicas no escuro dos cinemas estavam quase no fim, com centenas de filmes chegando na telinha da TV. Não mais as matinês no Imperial, quando nos postávamos na primeira fila para "secar" as meninas que chegavam risonhas e felizes. E ainda mais distantes as cadeiras de madeira do Apollo e o foguete interplanetário do Dr. Zarcov a caminho do Planeta Mongo com Flash Gordon e Dale Arden ao encontro do Imperador Ming.

Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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