Detetives e comilões

Por José Antônio Moraes de Oliveira

Parece existir um traço comum no comportamento de alguns dos mais conhecidos personagens da literatura policial contemporânea. Além de perseguir vilões e solucionar crimes insolúveis, eles são apreciadores da "La bonne table" como o Comissário Jules Maigret, de Georges Simenon ou da "La bella cuccina" de Salvo Montalbano, do italiano Andrea Camilleri. 

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Ambos são detetives que gostam de comer bem. Maigret é parisiense, tranquilo, fumador de cachimbo e bebedor de calvados e de cervejas alsacianas. Montalbano é um siciliano glutão, que dispara palavrões em um dialeto incompreensível, enquanto persegue malandros e mafiosos. 

São aventuras que lembram emoções juvenis dos tempos do "mocinho versus bandido" e nos convidam a voltar à mesa para mais algumas garfadas. 

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Os casos que chegam à mesa do Comissário Maigret no 'Quais des Orfèvres' são quase sempre homicídios misteriosos ou roubos estranhos, envolvendo tipos humanos complexos e enigmáticos. Investigações que o levam a todos os cantos de Paris, desde as mansões suntuosas da Avenue Montaigne aos mafuás sombrios da Place Pigalle. É quando emerge a notável habilidade de Simenon de descrever os ambientes frequentados por Maigret. Como um velho bistrot, onde ele pede um ou dois copos de cerveja, acende seu cachimbo e nota um tipo suspeito bebendo Pernod. Ou quando vai à Normandia atrás de um foragido, ouve a batida das ondas nas pedras do cais para depois almoçar um linguado recém pescado com molho de ervas, acompanhado do blanc de blancs da região.

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Já o italiano Salvo Montalbano vive longe, em uma fictícia Vigàta (na realidade, Porto Empedocle, a cidade natal do autor Andrea Camilleri). É a Sicília moderna, com crimes e bandidos violentos, onde não há tempo para psicologia criminal nem demoradas investigações. O Comissário Montalbano agride rufiões, derruba portas e se envolve com gente da Máfia. Mas sempre encontra tempo para admirar o azul do Mediterrâneo e usufruir a culinária siciliana. Que ainda guarda a herança de gregos, romanos, bizantinos, moçárabes e africanos. Seus pratos favoritos: o spaghetti alle vongole e a pancetta dei nebrodi, temperada com limões e sal marinho.

As aventuras policiais dos dois comissários nos deixam íntimos dos prazeres de brasseries e távolas. Em nossa memória gustativa permanecem guardados algo das caponatas de Montalbano, dos cozidos de Madame Maigret e dos sanduíches com cerveja da Brasserie Dauphine.

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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