Alan Barcellos: Uma voz que marca
Por trás do barítono imponente do comunicador, há uma pessoa tímida, que prefere mudar de assunto se precisa falar de si mesma
Para muitos, os comunicadores são como super-heróis, capazes de transformar a vida das pessoas e deixar uma marca eterna. Alguns até respondem aos apresentadores e radialistas como se fossem velhos amigos, sem ao menos conhecer os seus rostos, graças a um simples "bom dia" ou "boa noite". Afinal, o rádio e a TV ainda são grandes influenciadores da cultura popular, que moldam mentes e corações. Para tanto, há nomes como Alan Barcellos e suas locuções na TVE e FM Cultura - a exemplo daquelas que dizem: "Palcos da vida, nesta quinta-feira, às 23h30", ou "Nação, sábado, às 10 horas da manhã".
Por trás da voz imponente do comunicador de rádio e televisão, há uma pessoa humilde, simples e tímida, que prefere mudar de assunto se precisa falar de si mesma. No entanto, quando provocado, surge o brado grave do barítono que, levemente, destaca-se ao dar ênfase nas frases verbalizadas. Ao fechar os olhos, cria-se a sensação de estar sintonizado na TVE e FM Cultura. Aliás, essas emissoras estão no coração de Alan, afinal de contas, são mais de 20 anos na TV Educativa do Rio Grande do Sul. "Essas emissoras representam Arte, Cultura e dão voz àqueles silenciados", considera.
Não é por acaso que o comunicador faz parte do time de talentos do veículo. Isso porque a história dele quase que se mistura com a dos veículos do Estado, que têm as suas próprias características e casam com a sua filosofia de vida, que é de falar de Arte, Cultura e se dedicar aos temas relacionados às minorias sociais. Além da formação no curso de Locutor Apresentador, Anunciador, Entrevistador e Noticiarista da Oscip, Alan Barcellos é sociólogo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e mestre em Educação pela PUCRS. Com esses conhecimentos, aliado à paixão pelo que faz, não há dúvidas de que Alan está no lugar certo.
Foi em Alvorada
Mas a pergunta que fica é: quando foi que surgiu o interesse pela pauta social? O comunicador considera que "isso pode até ser de vidas passadas, por meio dos ancestrais", conforme brinca. De fato, o que fica perceptível é a sua luta pelos direitos da população negra. E isso fica nítido uma vez que o comunicador embarga a voz e enche os olhos de lágrimas ao citar o assassinato da vereadora Mariele Franco e do George Floyd, negro assassinado por policiais nos Estados Unidos. "Casos como esses nos mostram o quanto ainda estamos longe de mudar os problemas raciais e as consequências causadas por esta problemática", afirma.
Outro fator preponderante para Alan é que "não é preciso ser negro para se engajar à luta antirracista". Segundo ele, a infância e dedicação dos pais o ensinaram muito. Nascido em Porto Alegre, foi criado na cidade de Alvorada, Região Metropolitana da Capital. "Minha construção de vida e entendimento do que era ser uma pessoa preta na sociedade surgiu naquela época, a partir dos anos de 1980", comenta. De família simples, o filho caçula da dona Vilma Terezinha e do seu Fábio Roberto teve uma juventude de muitos conhecimentos, além de amor e afeto. "Foi uma época que não tínhamos muito, mas que não nos faltava nada", resume.
As brincadeiras de infância eram especiais e ficaram marcadas na memória. As principais estão relacionadas aos jogos de taco, corridas, bem como brincadeiras de esconder, em frente à casa onde morava. Além dos diversos amigos vizinhos, os irmãos estão presentes nas lembranças, ainda mais por terem pouca diferença de idade: para a mais velha, Liliane, são três anos, e para o do meio, Fábio, apenas um. "Isso fez total diferença na nossa relação, que sempre foi de muita união, mas sempre nos pegando no pau", lembra, aos risos.
A cidade que tanto ama ainda é uma das suas referências. "Lembro de escutar programas de rádio que sempre falavam mal de Alvorada, mas, morando lá, eu nunca tive ou vi nenhum tipo de problema." Um município de pessoas unidas e que se conheciam pelo nome. Além disso, exclusivamente naquela localidade, havia alguns fenômenos que fizeram diferença na formação de Alan. "Os músicos talentosos e as diversas bandas foram as minhas referências para a minha paixão pela música."
O que faz o coração bater
E essa relação veio dos bares. Ainda jovem, Alan frequentava o centro da cidade a fim de escutar e aprender mais com os músicos da noite de Alvorada. No entanto, foi na igreja que iniciou a trajetória de violonista e cantor. "Foi no local religioso que meus pais frequentavam que aprendi a me desenvolver como músico." Com base nisso, não largou mais o violão, visto que, junto da voz, tornou-se uma arma para verbalizar os problemas sociais que observava.
Com o amadurecimento, os entendimentos ficaram ainda mais latentes. Surge daí um Alan compositor, que faria críticas sociais por meio das letras. Músicas de todos os tipos, daquelas que pegam no coração, e outras mais divertidas, no entanto, todas atreladas à realidade, como forma de desabafo. O comunicador teve algumas bandas, mas foi por meio do grupo de samba Cambatuque que apresentou ao público canções como 'Anastácia', música que faz alusão a negra que cansou de ser escrava e critica, de forma irônica, a dificuldade no acesso à educação da população negra.
Assim, Alan participou, junto do seu grupo, de festivais de talentos e ainda gravou um CD e um videoclip. A canção do audiovisual fazia referência aos problemas enfrentados pela TVE e a então autoridade pública em questão que, para o comunicador, rejeitava a importância da TV educativa local. Um dos trechos da letra manifesta: "Construiu o seu barraco sem ninguém saber o por quê, bebeu chá de cogumelos e colocou fogo na TV", diz.
Paixão por Elis Regina
E não é que quase tudo na vida do comunicador está mesmo ligado à música? A talentosa cantora Elis Regina foi, e ainda é, uma das grandes paixões na vida de muitas pessoas e, para Alan, não é diferente. No entanto, não bastava ser somente apreciador da artista, visto que é casado, há 23 anos, com uma pessoa que leva o mesmo nome da cantora: Elis Regina Mattos de Borba. Eles se conheceram por acaso, pois ambos cantavam no coral do Serviço Social do Comércio (SESC). "A minha primeira palavra para ela foi: muito prazer, eu sou seu fã", recorda, aos risos.
O casal parceiro de vida e de música teve uma filha. Alan se emociona ao falar da menina, pois diz que seu nascimento se trata de uma benção de Deus. Eles já tinham mais de 10 anos juntos, no entanto, por uma peculiaridade de saúde, a qual prefere não detalhar, não conseguiam ter filhos. "Eu me debulhava em lágrimas ouvindo a música 'O FILHO QUE EU QUERO TER', de Toquinho e Vinícius de Moraes", confessa.
No entanto, após anos, o casal parou de pensar no assunto, foi quando menos esperavam que acabaram recebendo a notícia de que a trariam ao mundo uma menina. "Recebemos essa graças divina. Foi só a gente relaxar e parar de pensar, que aconteceu." Hoje, Ayana Borba da Rosa tem 13 anos. Segundo o pai, agora, está mais alta que a mãe", conta.
TVE e FM Cultura
O início da carreira profissional foi na área Técnica, por meio da Escola Parobé. Formação que, por ter explorado bastante as disciplinas da área técnica, não deixou uma boa base educacional voltada às humanidades.
Segundo ele, por muitas vezes se imaginava apresentando um programa naquele veículo de Comunicação pública. "Eu chegava a imitar os locutores enquanto trabalhava", recorda. As referências que ele escutava na época eram Chico Noronha, Claudio Andrade, Paulinho Moreira, entre outros. E após realizar alguns trabalhos de locuções publicitárias para produtoras de áudio, pode se habilitar para realizar o concurso da Fundação Cultural Piratini. Ao ingressar, em 2002, ficou à disposição da equipe de chamadas da TVE. Ao longo dos anos, apresentou programas lá e na rádio, além de matérias especiais.
Foi só em 2005 que conseguiu realizar o sonho de ser radialista, quando foi convidado para apresentar o programa 'Manhã Popular Brasileira'. "Neste período, de fato, eu me encontrei. Tive que ter algumas adaptações, mas foi uma realização", orgulha-se. De lá para cá, atua tanto nas telas quanto no rádio, como, por exemplo, atrações especiais de carnaval, programas como o 'Nação', 'Quilombo', entre outros.
Atualmente, está à frente do 'Manhã Popular Brasileira' e do 'Conversa de Botequim'. Neste último, o comunicador faz uma referência: "Sempre escutava esta atração na voz do meu grande amigo Luiz Henrique Mazzini Fontoura, programa que considero dele, eu estou provisoriamente à frente do programa, aguardando o seu retorno", comenta sobre o caso do colega, que foi demitido em 2021.
Realização profissional
Hoje, a rotina é agitada. Na rádio, além de apresentar os programas 'Manhã Popular Brasileira' e 'Conversa de Botequim', este último, produzido pela colega Jaqueline Chala, ele mesmo produz e apresenta o programa 'Quilombo', baseado nas culturas de matriz africana - música negra, afrobrasileira e afro-gaúcha. Durante o período de pandemia, além das reduções no número de funcionários, uma das mudanças foi a necessidade de trabalho remoto. A rádio e a tv não pararam suas produções. O próprio comunicador comprou os equipamentos e montou um ambiente apropriado em sua casa para a gravação dos programas. "O que mais me deixa triste nisso tudo é a falta de reconhecimento do trabalho realizado pelos funcionários concursados da TVE e da FM Cultura" desabafa.
Apesar disso, o comunicador se considera uma pessoa realizada na carreira. "O meu combustível é levantar todos os dias, criar conteúdos, debater e produzir mais programas. É desta maneira que procuro forças para seguir", confessa.
Por outro lado, daqui a 10 anos, enxerga-se no mesmo local fazendo aquilo que mais gosta, comunicar de maneira responsável, por meio da Arte, da Educação e da Cultura. "A valorização da cultura negra, assim como a garantia do espaço para a diversidade cultural que compõem o território gaúcho é a verdadeira missão das emissoras públicas de comunicação, por isso, enquanto lá estiver, estarei comprometido com essa pauta".
Inquieto por natureza, Alan Barcellos é um obcecado por projetos. Hoje, com a música pausada, está decidido que deve retornar. Além do mais, é a sua ferramenta de combate e com ela pretende ir além e não parar com as lutas. "Ainda não sei o que farei no futuro, mas não estarei parado, e disso eu tenho clareza", finaliza.