Carla Seabra: Sempre em construção

Editora-chefe do 'Rio Grande no Ar', jornalista é apaixonada por futebol

Carla Pacheco Seabra é uma jornalista apaixonada pela profissão que escolheu depois de entrar na faculdade. Desde criança, por influência de um tio, coleciona outro amor: o Grêmio. Filha do seu Jorge e da dona Eraia, sempre teve uma vida confortável, o que nunca a impediu de abrir os olhos para a realidade do mundo e enxergar as injustiças pelas quais os outros passavam. Mesmo na fase mais difícil da vida, quando chegou "ao fundo do poço", tirou todo o aprendizado possível do episódio e o usou para se reconstruir.

Atuando no Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) há cerca de oito anos, a porto-alegrense ocupa a função de primeira vice-presidente. O convívio com a entidade começou por influência da amiga Márcia Martins e, depois de um tempo acompanhando reuniões, foi convidada pelo então presidente Milton Simas a fazer parte da direção executiva. Foi ali que se encontrou com outro gosto que tem: a política. "Somos seres políticos, tudo se trata disso", argumenta.

No dia a dia, inclusive, sempre reserva um tempo para editar os programas do Sindjors que lançou junto com Viviane Finkielsztejn. Os finais de semana são reservados para isso. Mas o descanso dela é dividido com outras atividades, como as brincadeiras com a cadelinha Maloca, os livros ou os filmes, algo que adora. "Amo cinema de ação e aventura. 'Vingadores', eu já vi todos. 'Star Wars', também. E agora estou enlouquecida porque ainda não consegui assistir o último 'John Wick'."

Sempre em construção

Carla faz questão de se afirmar como uma pessoa que sempre está em construção, descobrindo coisas novas e entendendo o mundo ao seu redor. Ela percebeu isso, porém, pela primeira vez, ainda nos tempos de faculdade. "Eu virei gente dentro da universidade, porque eu vinha de uma realidade muito confortável", diz. Filha de um banqueiro, na graduação a jornalista se deparou com mundos que não enxergava e com coisas que nunca ouviu falar. Como, por exemplo, a vez em que soube que um colega "muito talentoso" tivera que largar os estudos e voltar para o interior por conta da falta de dinheiro.

Essa vivência, que considera como um grande impacto na vida, deixou marcas em sua personalidade. "Foi ali que descobri o mundo real, não o da Barbie", relembra. Toda essa visão só foi possível a partir de uma característica de Carla: a de se sensibilizar. O traço da personalidade também foi marcante durante o exercício da profissão.

No entanto, o caso não foi o primeiro "baque" na vida da profissional. Com o passar do tempo, já no mercado de trabalho, acostumou-se com uma vida financeira próspera. "Quando comecei a trabalhar ganhava bem, ia para outro emprego e recebia aumento, ia ganhar cinco vezes mais." Porém, anos depois, a separação do marido e com os três filhos para criar, somada à perda do emprego, a fizeram "chegar ao fundo do poço", tanto financeira, quanto psicologicamente. As perguntas eram muitas em sua cabeça. Com pouco dinheiro e com uma família para administrar sozinha, precisou enfrentar as dificuldades só.

Sem condições de pagar um psicólogo, teve que buscar dentro de si a força para se reconstruir e mudar a mentalidade. "Eu peguei essa força e me levantei. Fui lutando, saí disso e estou aí de novo", pontua. Mesmo os tempos difíceis pelos quais passou serviram de aprendizado e garante que nada do que passou apagou o "brilho que se tem para conseguir continuar".

Tricolor

Gremista desde pequena, a relação com o time do coração começou graças a um tio paterno, o Zeca, que levava o irmão mais velho de Carla, o Arthur, a todos os jogos. Quando chegavam, as histórias sobre a experiência eram muitas, o que fazia os olhos dela, aos seis anos, brilharem. Após alguns pedidos, também começou a ser levada à antiga Social do Olímpico. "Aquilo tudo foi mágico para mim", recorda.

Aliás, a paixão pelo Grêmio é um caso de família. Irmão e sobrinhos, todos se vestem de azul, e até um cunhado americano. O pai era colorado, mas sempre dizia ser torcedor do Rio Grande, time da cidade natal, conhecido por ser o mais antigo do Brasil. "Um dia, ele resolveu confessar que torcia para o Inter. Aí disse: 'Deu ruim, você deixou na mão do tio Zeca. Todo mundo virou gremista'", diverte-se ao contar a história. Mas, como nem tudo são flores, os filhos não puxaram da mãe a paixão pelo azul, preto e branco, e se tornaram adeptos do rival histórico. A exceção vem do caçula, que "até estava indo por esse caminho", mas viu que o futebol não era sua praia.

O esporte sempre fez parte da vida de Carla, que começou a profissão como jornalista esportiva na TV Difusora a convite de Claro Gilberto, a quem havia conhecido durante um seminário na faculdade. "Eu estava sempre levantando a mão durante as explicações e perguntando. Uma vez, ele nos mostrou os equipamentos de televisão e eu fui logo dizendo: 'Tá e quando vamos mexer neles?'", conta. Um tempo depois, encontrou o profissional em um clube que ambos eram sócios e, depois de muito conversarem sobre as expectativas para a carreira, ele se comprometeu a levá-la para trabalhar consigo quando pudesse. Ao se transferir para a Difusora, Claro ligou para ela, que ainda estava no terceiro semestre, a convidando para o emprego.

Ela, que brinca que queria ser o "Paulo Sant'Ana de saias", por compartilhar com ele a paixão pelo futebol e pelo Grêmio, começou a carreira já na reportagem do 'Porto Visão', jornalístico que ia ao ar por volta do meio-dia. "E eu fiquei pensando 'como assim? Eu ainda estou na faculdade. Como é que eu vou ser repórter? Não era nem estágio, nada. Era para ser repórter'", preocupou-se. Outra coisa que a tomava o pensamento é que, em 1980, poucas mulheres trabalhavam com o futebol. Porém, uma conversa com José Fogaça, comentarista da TV e ex-prefeito de Porto Alegre, a fez aceitar a proposta. "Ele olhou para mim e disse: 'Guria, vou te dizer uma coisa: esse cara (Claro) tem olho clínico. Se ele está apostando em ti, é porque vai dar certo." A cena é vívida na memória de Carla, que lembra até hoje da disposição das janelas e cortinas da sala onde se encontrava ao ouvir aquelas palavras.

Jornalista antes mesmo de ser

Mesmo tendo escolhido o Jornalismo apenas durante a primeira parte do curso de Comunicação da Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Carla, sem saber, já havia tido contatos com a função. É que no tempo da escola, por conta da habilidade na escrita, recebia o pedido de colegas para que escrevesse cartinhas que seriam entregues àqueles que gostavam. Para além de produzir o texto, ela ainda entrevistava os apaixonados. Porém, por pouco não se tornou arquiteta, uma vez que também tinha paixão por desenhar e viu na Arquitetura uma chance de unir o trabalho a algo agradável. Na época, prestou vestibular na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), mas o mau resultado na prova de Biologia a fez seguir o caminho que trilha até hoje.

Pioneira, quando começou a carreira como repórter de futebol na TV Difusora, foi a primeira mulher do Estado a ocupar a posição. Não muito tempo depois, por novo convite de Claro, transferiu-se para a extinta TV Guaíba a fim de produzir uma atração infantil. "Ele me disse: 'Eu preciso organizar esse programa e tem que ser uma pessoa com a tua característica, tem que ser tu'", relembra. Foi nesse trabalho que conheceu Vera Vergo, que se tornou uma "gigantesca amiga". Juntas com o cenógrafo Elton Monganelli, construíram cenários, brinquedos, mascotes e conseguiram até patrocínios para darem presentes às crianças que iam ao show.

Mas não demorou muito para que ela pudesse voltar ao campo do futebol. No lugar, que caracteriza como de muito aprendizado, conviveu com grandes nomes, como Armindo Antônio Ranzolin, João Carlos Belmonte e Lauro Quadros, além de ter vivido o início do tradicional 'Cadeira Cativa'. "Era um programa de tamanho sucesso. Ele começava tarde, terminava depois da meia-noite... Todo mundo saía para jantar no mesmo lugar para depois ir para casa descansar", conta.

Novamente pioneira, em 1983, partiu para a TV Gaúcha, onde foi a primeira mulher chefe do Núcleo de Esportes da emissora. Na empresa, inovou com a ideia que "o repórter também podia participar das matérias" e contou com a parceria de Lupi Martins. "Ele topava todas. Uma vez se jogou de asa delta com um microfone sem fio." Ela, que passou por diversas frentes no Jornalismo, organizou o setor de Comunicação da Sogipa, clube em que ficou por anos, até uma troca de gestão. Após isso, somado ao fato de ter que, sozinha, cuidar de três filhos, passou a atuar em diferentes posições, seja como freelancer ou como assessora da área política.

A volta para a televisão, no entanto, aconteceu em 2014, quando foi contratada pela Record TV para ser editora. O início foi desafiador, seria a primeira vez que trabalharia com computadores nos bastidores. Tal qual o pai, é amante da tecnologia e mergulhou nos estudos para poder entender o funcionamento dos programas de edição. "E aprendi bem rápido", garante. Cerca de seis meses depois, já receberia uma promoção. Por meio de uma ligação, foi convidada a ser editora-chefe e tinha apenas 10 minutos para responder à proposta. "Eu comecei a rir e disse: 'Eu topo'."

Em família

Na Record até hoje, ela é editora-chefe do 'Rio Grande no Ar' e desempenha o trabalho em família. E isso, literalmente, já que entre tantos colegas, um deles é o filho Daniel, formado em Cinema em Los Angeles, no estúdio Universal, que atua como editor de imagens. Na verdade, a paixão de Carla pela Comunicação foi passada a todos os três filhos. O "do meio", Rafael, é repórter fotográfico. Com passagem pela Secretaria de Comunicação (Secom) do Estado, foca-se em "trabalhos autorais". Já Jorge, o caçula, é formado em Design Gráfico pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), mas se dedica ao trabalho de administrador da empresa deixada pelo pai.

Mesmo sem ter a intenção, Carla, de forma indireta, influenciou-os a seguir na área. "O pai deles dizia que deveriam fazer Administração, para cuidar da empresa da família", contextualiza. Porém, ela, ao ver a dúvida dos filhos, reiterava que eles deveriam seguir o que gostavam de fazer. Aliado a isso, o fato de verem o trabalho da mãe e sua paixão por ele faz com que acredite que isso também serviu de motivação para os três.

O exemplo de deixá-los livres para escolherem a profissão, ela traz de casa. Os pais nunca disseram aos três filhos o que deveriam ser, não à toa, cada um seguiu um caminho: o irmão mais velho virou médico e a irmã mais nova, a Kátia, fotógrafa. "Claro que dinheiro é importante, a gente precisa pagar conta. Mas, honestamente, o que é o mais importante: pagar contas e daqui a pouco tu está gastando um caminhão de dinheiro em remédios porque tu tá com depressão? Ou fazer algo que também te deixa feliz?", opina. Aliás, a vida para Carla precisa ser feliz. Sempre sorridente, ela diz que essa é a sua principal característica. "Toda vez que a gente sorri para uma pessoa, ela sorri de volta. É impossível não fazer. O sorriso é contagiante", finaliza.

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