Carlos Etchichury: O possível e o impossível

Foi com a intenção de transformar a realidade que o editor-chefe de Zero Hora escolheu o Jornalismo como profissão

Carlos Etchichury - André Ávila

A ideia de que não há tarefa impossível é algo que Carlos Etchichury, editor-chefe de Zero Hora, acostumou-se a carregar consigo. Tem sido assim desde quando escolheu seguir o Jornalismo e a cada passo que delimita os rumos na profissão. Com dedicação e obsessão pela precisão, construiu uma trajetória que se inicia como repórter de sucursal a gestor. A regra é válida para a definição da pauta, mas também para a tomada de decisão. "Talvez, a gente não consiga fazer exatamente o que pensou, mas tem que pensar alto, tem que respeitar o veículo que trabalha e o leitor. E isso significa pensar o impossível", sustenta.

Enquanto estudante, trabalhava na área de Comunicação da Prefeitura de Porto Alegre e, a poucos meses da formatura, já tinha a promessa de contratação como jornalista. A remuneração era tentadora - o valor até então recebido, praticamente, quadruplicaria -, mas a atividade não era a que fazia brilhar os olhos. Aceitar ou recusar a proposta foi um dilema que o acompanhou por algum tempo, antes que decidisse compartilhar com o professor Marques Leonam. Dele, teria ouvido: "Não vou dizer o que tu precisas fazer, mas tu sabes o que fazer". Escolheu a reportagem, em uma decisão à época incompreendida pela família e pelos colegas. "Ninguém entendeu. Não tinha nada à vista como perspectiva, e jamais imaginava trabalhar na Zero Hora, porque não era um aluno brilhante. Pensava que começaria por jornal de bairro."

A vida de repórter começou a se concretizar em 1998, quando, por sugestão do professor de Jornalismo, contatou Ricardo Stefanelli, que estava reestruturando a Central do Interior de Zero Hora. Depois da prova e entrevista de seleção, a primeira conquista veio através da oportunidade de optar entre duas vagas: a primeira com início previsto em um mês, em Santa Maria; e a segunda quase imediata, em Santo Ângelo. Com sede de contar histórias, encarou como destino o município do Noroeste gaúcho. "Nunca tinha visto um pé de soja na vida, não conhecia as ruínas de São Miguel... Aqueles foram os melhores nove meses", resume, cerca de 20 anos depois, a experiência na sucursal. O retorno a Porto Alegre foi pela editoria de Geral, a qual identificava como o coração do jornal. "Ali, era onde pulsava, onde se contava as melhores histórias, onde se viajava, onde nasciam as grandes reportagens, e eu queria fazer grandes reportagens", ressalta.

Sede de história

De repente, percebeu-se dividindo a mesa com profissionais como Carlos Wagner, Eliane Brum, Humberto Trezzi e Nilson Mariano. Era o início de um período de 13 anos na editoria, que considera uma escola de reportagem. Pouca conversa e ouvido atento eram parte da regra adotada por ele, a fim de absorver o máximo do conhecimento e técnica dos colegas. E, para driblar o costume de enviar os repórteres mais experientes às viagens que renderiam grandes reportagens, ele admite que precisou ser criativo na construção das pautas.

Imagine uma pauta que inclua uma extensa viagem de caminhão pelo Brasil, do Rio Grande do Sul a Roraima, que atravesse a Floresta Amazônica, com direito a trecho de cinco dias por balsa no Rio Amazonas, que cruze reservas indígenas e ultrapasse a linha do Equador - tudo isso com baixo custo de produção. "Como um editor não bancaria essa?" Sugestão aceita, a viagem de 32 dias deu origem à série 'Viagem aos confins do Brasil', produzida ao lado do fotojornalista Emílio Pedroso, e rendeu reconhecimentos como o Grande Prêmio CNT e o Prêmio Setcergs, além de figurar entre as finalistas do Prêmio Embratel e do Esso. "Foi aí que comecei a ser chamado pelo nome na redação", brinca.

A fórmula também foi aplicada na produção de mais uma série premiada, intitulada 'A vida em alto-mar', que acompanhou, por 20 dias, o cotidiano de quem vive da pesca de atum, considerada a mais perigosa do Estado, devido às condições em que ocorre. A história dos missionários gaúchos na África e as transformações no campo e no perfil do gaúcho que revelaram o novo retrato do Pampa foram pontos de partida para séries de reportagem, antes de investir em uma linha mais investigativa, que originou trabalhos sobre temas como corrupção na área sindical e no sistema prisional. Também é fruto desse período um dos feitos que mais o orgulha: ter produzido a primeira série de reportagens sobre suicídios, publicada por ZH.

O assunto considerado tabu na imprensa  ganhou as atenções do jornalista quando do suicídio de um adolescente em Porto Alegre, orientado e incentivado por membros de um fórum de internet. O episódio foi relatado nas páginas do jornal em 2006, junto de informações sobre prevenção. Mais tarde, as informações coletadas na apuração ajudaram a inspirar a série 'Tragédia silenciosa', que se tornou uma referência da Associação Brasileira de Psiquiatria, em manual que orienta jornalistas sobre como abordar o tema. "Não contamos como fazer, não valorizamos o ato, não supervalorizamos o sofrimento das pessoas, tratamos como uma questão de saúde pública. O que não pode é fazer matéria ruim sobre suicídio - mas não pode fazer matéria ruim sobre nada", pontua.

Surge um gestor

A gestão, ele garante, não era uma ambição quando, em 2012, Marta Gleich, então diretora de redação, lhe propôs assumir o posto de editor de Geral. "Para mim, Geral sempre foi a editoria mais importante. Ela tornou Zero Hora conhecida além do Mampituba. Eu precisava pensar. As decisões mais importantes da minha vida eu consultei o Marques Leonam (professor de Jornalismo). Nesta, não, porque eu já sabia o que ele iria dizer", lembra aos risos. Como preparação, passou a responder pela seção de Polícia, até 2014 quando houve a reestruturação da redação e virou editor de Notícias do digital. Ali, reuniu na equipe Carlos Wagner, Débora Ely, Marcelo Gonzatto, Maurício Tonetto, entre outros profissionais.

Ainda, seguiu para o cargo de editor-chefe do Diário Gaúcho e, no caminho, ainda assumiu a coordenação do Grupo de Investigação (GDI), do Grupo RBS. "A responsabilidade no GDI era com o Jornalismo. O fracasso do GDI é o fracasso do Jornalismo, e o sucesso do GDI é o sucesso do Jornalismo. Para que funcione, a gente tem que ser bom, as pessoas têm que perceber valor. O GDI tem que ser perene, tem que ser uma conquista do Jornalismo brasileiro e não estou sendo pretensioso", assegura, ao citar o contexto de redações  enxutas.

Após um período de quase quatro anos no título popular da organização, retornou para ZH. Com Stefanelli e Marta como referências nessa mudança de visão profissional, assumiu com a gestão uma rotina diferente na redação, novas missões e funções de representação, mas ainda carrega o aprendizado dos dias de repórter. "Como princípio, tenho pra mim que não farei com as pessoas coisas que não gostava que fizessem comigo. Vou ser transparente, não vou enrolar. Vou ser fraterno no trato, mas duro com o nosso produto", garante.

As durezas e as levezas da vida

A infância, Carlos Roberto Fialho Etchichury Júnior foi vivida entre os bairros Cidade Baixa e Jardim Botânico. O caçula de três irmãos viu os pais, Carlos Roberto Fialho Etchichury e Vânia Maria Moraes Rodrigues, separarem-se ainda cedo. Com o rompimento do casal, o contato com o pai, falecido aos 49 anos, foi quase inexistente. Funcionária pública da Secretaria da Fazenda, a mãe cuidou e educou os filhos sozinha. Na ausência do pai, a avó, Antonieta, é lembrada com carinho, por sua personalidade doce e marcante, pelo jeito de contar histórias, pelas risadas. "De certa forma, ela ocupava esse espaço que ele tinha deixado", reconhece.

Entre as memórias da juventude, estão os três anos em que jogou vôlei - embora meça apenas 1,70, atuava na posição de atacante levantador - e pelos ensinamentos de Tamay, professor do esporte na Sogipa, citado como um exemplo de organização, foco, disciplina e integridade. "Era um adolescente de família simples, de escola pública. O vôlei me organizou e foi um complemento para minha vida", admite. Mais tarde, durante a graduação de Jornalismo na Famecos, conheceu o professor Marques Leonam, que veio complementar mais um pouco da lacuna deixada pela figura paterna. "Leonam é quase um pai. É uma pessoa muito importante profissionalmente e pessoalmente", reconhece.

Se as recordações dos tempos de menino soam duras, por outro lado, elas ajudam a guiar a forma como lida hoje com os filhos, Santiago, 8 anos, e Alícia, 2. "A vinda do Santiago era a oportunidade de ser pai e filho ao mesmo tempo. A minha relação com eles sempre é balizada por isso", argumenta. Os pequenos são fruto da união com a jornalista Vivian Eichler. Os dois se conheceram no fim da década de 90, durante o Congresso da UNE, em Belo Horizonte, quando ela o entrevistou para uma matéria, mas só retomaram o contato em 2003, durante uma cobertura em Passo Fundo. "Ele é um paizão, extremamente dedicado e preocupado em transmitir valores para as crianças. É um supercompanheiro, amigo, tranquilo e também um romântico", define Vivian, ao contar que, quando morou na Argentina, recebia flores e bombons em Buenos Aires.

No sangue

No tempo livre, a família e os filhos estão no centro das atenções. Bastante caseiro, se diz um "carnívoro insuportável" pelo tanto que aprecia. O gosto foi apurado a partir do convívio com a família de uma ex-namorada, cujo pai era uruguaio. Foi com ele que aprendeu a fazer o legítimo churrasco, assado todo o final de semana. Junto dos seus, não precisa muito para estar satisfeito. São as atividades simples as que mais curte, como montar legos, assistir Netflix e Now ou andar de bicicleta.

Já o estilo musical transita pela música latina, pelo MPB, jazz, rock, entre outros. O argentino Atahualpa Yupanqui, a chilena Violeta Parra, a banda britânica U2 e os brasileiros Zeca Baleiro e Legião Urbana estão entre os que podem compor a playlist. As leituras diárias incluem os jornais Zero Hora, Folha e O Globo, além de conteúdos digitais. Nos livros, os títulos mais recentes foram 'Hoje eu venci o câncer', de David Coimbra, e 'Casei com um comunista', de Felipe Roth. 'Os ratos', de Dyonélio Machado, está entre as obras que o impactaram e, talvez, possa ter contribuído para despertar a paixão pelo Jornalismo. "A forma que Dyonélio conta a vida do Naziazeno, aquele drama de 24 horas, é espetacular."

Com o pensamento no futuro, as atenções seguem com a família e a profissão. Conta sobre a viagem de 20 dias com a esposa e os filhos para a África do Sul, e revela que a experiência despertou a vontade de viajar mais a roteiros alternativos, com as crianças. "Como gestor, quero ser um bom editor-chefe e honrar essa função", simplifica. Ao contar a própria história, a determinação salta como um traço forte da personalidade, assim como a paixão pelo Jornalismo. "Ele traz essa vibração para dentro de casa e faz isso de uma forma leve. Não sei se ele poderia ser outra coisa. Acho que nasceu para ser jornalista", comenta Vivian.

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