Mílton Jung Jr.: Aquele com acento no i

Ele até seguiu os passos do pai, o Milton sem acento no i, mas o apresentador da CBN São Paulo consagrou a carreira na esfera nacional

Ele é assim mesmo, um cara diferenciado. Imagina você ser um torcedor fanático e ter a oportunidade de fazer do estádio do clube um verdadeiro parque de diversões? Ter acesso a informações, jogadores, bastidores e até escolher para "padrinho" o técnico do time ou fazer do campo o quintal de casa? Agora, imagine essa mesma pessoa enxergar o pai como um verdadeiro herói. É tal qual os mocinhos das histórias em quadrinho: ele é reconhecido nas ruas, as pessoas o admiram e ele dá lição nos "vilões", que querem arrasar com a língua portuguesa. Oh não, ele não tem superpoderes, tampouco usa uma capa. 

O pai do perfilado desta semana despertava outro fascínio nas pessoas: era só ouvir aquela voz, que o encanto começava. Está achando essa história com contornos de fábula? Ela cabe nas linhas do jornalista Mílton Ferretti Jung Júnior, e tudo que está escrito acima foi contado pelo próprio entrevistado, durante as duas horas de conversa. Mas não se engane, a vida do Mílton, com acento no i, não é cor de rosa. Até porque, se fosse para escolher uma tonalidade, certamente seria preto, azul e branco, para honrar o time do coração. É que duas verdades vêm à tona na vida da família Jung: uma é que todos nasceram para a Comunicação. A segunda é o amor ao Grêmio, que ajudou a estreitar ainda mais os laços entre pai e filho. 

O início do texto dá o tom para distinguir os Miltons: "Foi uma determinação do meu pai, que respeitava a língua portuguesa e não aceitava que o nome dele, que também era Milton, não tivesse acento no i", esclarece. O leonino nascido em 1º de agosto de 1963, em Porto Alegre, conta que não conheceu até hoje um homônimo com o mesmo diferencial na grafia. 

Criado no bairro Menino Deus na Capital, ele é o filho do meio da dona de casa Ruth Muller Jung e de um dos principais locutores da história do rádio, Milton Ferretti Jung. Datas, idades e anos não encontram registro fácil na cabeça do jornalista, que mora em São Paulo há 31 anos, mas tem um dia do calendário que ele costuma lembrar com carinho. Dos tempos de quando ainda era criança, ao lado da irmã mais velha, a professora aposentada Jaqueline Muller Jung, e do irmão mais novo, o mestre de cerimônias do Palácio Piratini, Christian Muller Jung: o final de tarde e o início de noite da véspera de Natal. 

O trio, de banho tomado, sapatos novos e roupas de festa, era levado pelo pai para subir o Morro Santa Tereza, mais conhecido como Morro da TV, e ficar por cerca de uma hora admirando a cidade do alto. "Quando voltávamos para casa, as luzes estavam apagadas e só a árvore de Natal piscando", era a senha para as crianças saberem que o Papai Noel havia estado na residência, localizada na rua Saldanha Marinho.  

Futebol e redação 

O flerte, porém, com o Jornalismo não data desta época. É bem anterior. Lembram do superpoder do pai-herói? As memórias das visitas às redações da rádio Guaíba e do Correio do Povo seguem preservadas. Talvez porque elas não ocupam lugar na cabeça, mas, sim, no coração. Sábado era um bom dia para visitar os locais vazios da rádio e encontrar os colegas do pai, que improvisavam bolas de futebol com laudas amassadas, envoltas com durex, enquanto Milton fazia a locução do Correspondente Renner, ocupação que teve por meio século. "Meu pai, com a autoridade que tinha, conseguia fazer coisas inimagináveis para a época, como deixar o filho pequeno entrar no templo sagrado dos deuses das vozes maravilhosas", confessou.

Comportado, Mílton ficava lá, sentado, admirando a maneira particular que o pai tinha de ler, com os dedos nos ouvidos, no formato de concha, para gerar melhor retorno (enquanto conta, ele repete o gesto). Lembrança é o que acontece quando, mesmo sem autorização, o pensamento reapresenta um capítulo, na definição de Adriana Falcão. (Guardem este nome: o emocionário, dicionário de emoções,da escritora aparecerá outras vezes, em itálico no texto) 

A frase que norteia a vida de Mílton não é só uma referência ao hino do seu imortal tricolor. Ele defende que as pessoas não devem parar nunca: "Eu poderia ter aproveitado a fama do meu pai, mas saí do caminho dele e segui outro rumo". Era só um convidado de um casamento, mas "alguma coisa aconteceu no coração deste gaúcho quando cruzou a Ipiranga e a avenida São João", como Caetano Veloso eternizou na canção Sampa.

Mílton só voltou a Porto Alegre para fazer as malas e se despedir da família e dos amigos. Era início de 1991. Não foi tão poético quanto na letra do cantor e compositor baiano, mas a mudança para a capital paulista foi, no mínimo, curiosa. "A vizinha do prédio que eu estava em SP contou que estavam havendo testes para repórter na TV Globo. Eu fui! Para a minha sorte, a avaliação era ir a um local e fazer a descrição do que eu via. Exatamente como na rádio", recorda. Até então, Mílton só havia tido um pequeno contato com uma emissora de TV, quando trabalhou seis meses no SBT-RS.

O que o tranquilizou foi que o expediente era na madrugada, por isso, fazia entradas ao vivo nos telejornais matinais. Ou seja, fazer boletins já fazia parte da rotina do jornalista graduado pela PUCRS em 1985, que trabalhou na rádio Guaíba durante cinco anos, passou pelo Correio do Povo e por um mês na rádio Gaúcha, até ser aprovado no teste da TV Globo . Ele tinha que mudar porque certeza é quando a ideia cansa de procurar e para

O parque de diversões

Pressentimento é quando passa em você o trailer de um filme que pode ser que nem exista. Mas, no caso de Mílton, existiu, e era um longa-metragem de terror. Se passou entre a quinta ou a sétima série, a data exata se perdeu, mas a lição daquele ficou. Dona Ruth foi buscar o boletim do filho no colégio Rosário e se deparou com um imenso NS (Não Satisfatório) em vermelho. Reprovado.

Ele foi orientado pela mãe a contar ao pai, que naquele dia estava viajando para cobrir um jogo. No dia seguinte, como de costume, pai e filho foram ver o treino do tricolor no estádio Olímpico, o parque de diversões de Mílton, lembram? Mas naquele dia, especificamente, após a reprovação, não foi assim tão divertido. Naquela época, o time era treinado por Ênio Andrade, que foi adotado como padrinho por Mílton. "Era um cara inteligente, conversava comigo e se dava muito com o pai." 

Os amigos estavam, como de costume, segundo o entrevistado, tomando um whisky depois do treino, quando Milton inventou uma desculpa qualquer para deixar os dois a sós. "Caminhamos pelo estádio quando Ênio colocou a mão no meu ombro e falou 'E aí Alemão, como está na escola'? Ali ele me matou", relembra. Só depois desse episódio, os Miltons conversaram. O pai não era de dar bronca nos filhos, mas omitir sobre a repetição de ano não tinha a ver com medo de punição, mas com o fato de decepcionar seu herói. "Por isso, digo que minha personalidade foi forjada dentro do Olímpico", explica.

Jornalismo raiz

Saudade é quando o momento tenta fugir da lembrança para acontecer de novo e não consegue. Bem que por vezes Mílton gostaria de retornar à sala da casa da Saldanha Marinho e ouvir o "shhhhhh" imposto pela mãe em tom de ameaça aos três filhos: "Silêncio que o pai vai ouvir vocês pelo rádio". Ele soube só algum tempo depois que o rádio não tinha ouvidos. Anos depois, descobriria o que é sentir saudades de escutar a voz de dona Ruth, que faleceu em 1984.  

Ser filho de um ícone da Comunicação é notório no currículo de Mílton, o que talvez muitos não saibam é que também vem da hereditariedade materna a paixão pelo Jornalismo. Nas palavras dele, o tio Tito Tajes, pai do publicitário Duda Tajes e da escritora Cláudia Tajes, é o repórter raíz da família: de caneta e bloquinho na mão, jornalista de rua, chegou a cobrir uma guerra e foi diretor do Correio do Povo. Quando ainda criança, ele se deslocava com o tio, da rádio até a rotativa do jornal. O cheiro insalubre de ferro e aço também habitas suas lembranças. "Desde muito pequeno, vivenciei o Jornalismo e como funcionavam os bastidores", pontua.

Presente da TV Globo

Intuição é quando o coração dá um pulinho no futuro e volta rápido. A escapada que o coração de Mílton deu quando conheceu a também jornalista Abigail Costa foi tempo suficiente para definir que ela era um presente da TV Globo. A passagem pela emissora foi rápida, durou apenas 12 meses. O casamento com a então colega, porém, já tem 29 anos. Da união, nasceram os filhos Gregório Costa Jung, que seguiu a profissão dos pais, e Lorenzo Costa Jung, que trabalha em uma empresa de Marketing, especializada em influenciadores e Games. Felicidade é um agora que não tem pressa nenhuma. E este é o sentimento que Mílton tem quando está em casa com a família e os dois gatos, Bocelli e, o mais novo mascote, Geromel, introduzido ao núcleo na pandemia. 

Outra característica herdada do pai é a ansiedade, que é quando sempre faltam muitos minutos para o que quer que seja. Ainda mais para alguém que está sempre com a "cabeça maquinando", como admite o entrevistado. Por isso, ele busca a calmaria, na tentativa de silenciar a mente. "Passo o tempo todo produzindo alguma coisa", confessa. Mania adquirida no início da vida adulta, quando ainda morava em Porto Alegre e voltava a pé para casa. No trajeto, repassava reportagens que tinha feito, e o fazia corrigindo o texto e a forma como havia apresentado. 

Um privilegiado 

Na visão de Mílton, houve mais privilégios do que cobranças ou algum peso por ter um pai famoso. "Eu adorava ouvir: teu pai é o Milton Jung? Gol, gol, gol", perguntavam os fãs ao fazer referência ao grito do locutor, que também narrava jogos de futebol. "Abraçavam meu pai no caminho para o estádio. Isso sempre me encheu de orgulho", comenta. Mas foi outro tipo de orgulho que fez o então estudante de Jornalismo pensar em traçar outro caminho: "Eu tinha determinado que não trabalharia na rádio Guaíba porque aquele era o lugar ocupado pelo Milton sem acento no i".

Paixão é quando apesar da palavra "perigo" o desejo chega e entra. E foi assim que ele entrou, como estagiário, na rua Caldas Júnior. "O fato de eu ter vivenciado a Comunicação tanto com meu pai, quanto com o tio me fez entender que eu sabia de Jornalismo. Hoje, tenho a clara a visão de que fui um aluno e colega prepotente na faculdade", admite. E dos tempos de universidade lembra com carinho de alguns mestres, "como o genial, Marques Leonam, que era exigente com o texto".

Nas redações, o comunicador sempre se comportou como um aprendiz, mas sabe que, hoje, está mais para observado do que obsevador, como brinca. "Vivenciamos uma grande transformação e não podemos ficar parados na nossa história." É por isso que gosta da troca que o ambiente da redação proporciona. É pelo exemplo dentro de casa, ao ouvir a visão dos filhos sobre diferentes assuntos, que o jornalista enxerga uma nova forma de viver e de falar. Desde que seja da maneira correta, pois a exigência é outro traço da família Jung. "O texto de rádio se desqualificou e foi esquecido ao longo do tempo", condena. 

Marcas de uma pandemia 

Assim como uma parcela privilegiada de brasileiros, Mílton conseguiu montar uma boa estrutura de home-office, e também uma academia, que é utilizada por todos os integrantes da casa. O jornalista, que adora correr, poupa as costas e por isso dedica mais tempo à musculação e à bicicleta. E, se é para falar em cuidados, ele se esforça para deixar o lado italiano de lado e abre mais espaço aos peixes e saladas quando o assunto é gastronomia. E o churrasco, que passou a fazer depois de receber dicas em uma live, da qual participou ao lado de Rusty Marcellini, em que o prato era carne grelhada ao molho de chimichurri e outra com molho béarnaise. 

Preocupação é uma cola que não deixa o que ainda não aconteceu sair de seu pensamento. Noticiar as milhares de mortes durante os primeiros meses da pandemia abalou o apresentador. "Antes, eu fazia o jornal em um canto escuro da casa, falar não só nos números, mas também nos artistas e colegas que morreram em 2020 mexeu comigo. Eu sucumbi", revela. Um dos momentos mais difíceis foi quando recebeu no ar a informação da morte do jornalista da rádio Bandeirantes paulista, José Paulo de Andrade, aos 78 anos, por Covid-19. 

A sequência de más notícias trouxe insegurança: "Tem que haver equilíbrio, você tem um microfone aberto, a sua palavra pode ter impacto muito grande na vida das pessoas, isso vale tanto para alegria como para indignação, euforia e tristeza", ensina. É com alegria que lembra que alimentou o ego quando descobriu que o cronista Zuenir Ventura o escutava pelas manhãs. Tony Ramos, outro fã de rádio, também está entre a audiência qualificada do apresentador. 

Mas o jornalista ressaltou que se comove com o ouvinte anônimo, aquele que tem nome, está em casa e decide enviar uma mensagem. Ou compartilhar uma história, como fez Rita Linda, que foi ao lançamento de um dos livros de Mílton e, ao pegar o microfone, contou que não tinha muito estudo, mas que aprendia tudo que precisava ouvindo a rádio. Com o tempo, ela descobriu que tinha um nível de informação maior do que as patroas e passou a ser respeitada por isso.

Batata de Mílton

Se as últimas reportagens de um telejornal ou de um assunto de rádio são "leves", geralmente descontraídas, parece justo encerrar o perfil de Mílton contando uma "batatata" da carreira do jornalista, quando repórter de TV. A pergunta sobre algo engraçado na carreira surgiu depois dele contar que um livro o marcou muito lá nos idos da década de 1990, intitulado 'A Imprensa e o Caos na Ortografia - com um pequeno dicionário de batatas da imprensa', de Marcos de Castro. 

Quando era repórter da TV Globo, Mílton foi escalado para fazer uma pauta em um restaurante português. O boletim, produzido previamente, mostraria um bacalhau sendo preparado e uma família ao redor da mesa, esperando para degustar o prato. Pelo ponto, o jornalista foi avisado de que a entrada ficaria para o segundo bloco, o terceiro, para o último bloco. Até o derradeiro "caiu, Mílton, não vai ter link". Ele ficou paralisado, mas não teve dúvidas, fez sinal ao cinegrafista e "entrou ao vivo" mesmo assim. Um tempo depois, encontrou uma das pessoas do restaurante, que falou: "Que chato aquela vez, você não estava no ar". "Eu achando que estava enganando todo mundo". Vergonha como um pano preto que você quer pra se cobrir naquela hora. 

Para os próximos cinco anos, o jornalista planeja uma mudança significativa: morar com a esposa na Itália. "Se apresentei o jornal em home-office em São Paulo, por que não posso apresentar da minha casa na Europa?", indaga. Inteligente, amistoso e bem-humorado, Mílton prometeu "um furo de reportagem ao portal Coletiva.net" quando o sonho virar realidade. A entrevista, inclusive, terminou porque estava na hora da aula de italiano. "Buona Fortuna, Mílton". 

Comentários