Rádio Guaíba: Um ecossistema pulsante

Da tradição à juventude, o respeito às diferenças precisa estar sempre em primeiro lugar

 

Em 1957, a rádio Guaíba entrava no ar. Criado nas redações do Correio do Povo e da Folha da Tarde, o veículo muito rapidamente ficou conhecido em razão do seu estilo próprio e também pela força de sua audiência. Os 'guaibeiros', como até hoje são chamados os ouvintes da emissora por serem verdadeiros fãs, cresciam a cada dia. Mais tarde, tornou-se consolidado o 'estilo Guaíba' de fazer Jornalismo. Esse modelo é percebido não apenas pelo público, mas também entre os seus colaboradores.

Uma emissora de formato hard news, que transmite notícias e toda uma programação de modo leve, nem tão engessado, permitindo tranquilidade aos seus apresentadores e produtores. Afinal, se tem algo que é repetido quase como um mantra lá dentro é a liberdade para trazerem toda pauta que considerem interessante aos ouvintes e trabalhá-la de diferentes maneiras.

A Guaíba foi responsável por transmissões históricas para os gaúchos, como, por exemplo, a Copa do Mundo de 1958, realizada na Suécia e vencida pelo Brasil pela primeira vez. Vendida a administração em 2007 para o Grupo Record, a rádio vem realizando mudanças em todos os seus setores para se manter em competitividade.

O Coletiva.net passou algumas horas na emissora e pôde conferir de perto os bastidores de uma redação voltada ao rádio. Inúmeros encontros, diversas conversas e ligações, discussões de pautas, gravações de programas, microfones para um lado, operadores de áudio para outro... Enfim, muita coisa que o ouvinte talvez não perceba que acontece dentro de um veículo e que se tornam miniorganismos dentro de um imenso ecossistema.

Liberdade & diferenças

Sobre a rotina e os princípios da Guaíba, o gerente-geral da emissora, Nando Gross, que trabalha na rádio desde 2014, relata que os programas são montados sempre entre produtor, editor e chefe de reportagem. Esse trio tem a responsabilidade de buscar, debater e atualizar as pautas do dia. O gestor ainda alerta: "O cara tem que ter envolvimento. Se não teve tempo de estar aqui, que troque informações através dos grupos de WhatsApp. O fato é que aqui não tem essa de apresentador chegar cinco minutos antes de cada atração".

Nos corredores da rádio, encontramos Taline Oppitz, que, ao falar sobre a rotina, confirma que o aplicativo de mensagens é utilizado com certa frequência pelos produtores dos programas. Ela informa que, embora chegue mais tarde, por volta das 13h, e entre no ar logo em seguida para apresentar o 'Esfera Pública', opta por conferir a pauta com os produtores do programa através do WhatsApp ainda pela manhã. O perfil de Taline, que atua em um dos segmentos mais caretas do Jornalismo, a Política, chama a atenção. Ela, que usa roupas descoladas, é tatuada e anda de tênis All Star, atua - muitíssimo bem, diga-se de passagem - como uma das jornalistas mais bem informadas e com fontes sempre muito boas, na avaliação de Nando.

Durante as últimas eleições de 2018, a rádio sofreu com algumas represálias por causa de seu principal acionista, Edir Macedo, ter declarado voto ao então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro. Entretanto, ainda que exista uma linha editorial, esta é baseada em cima de princípios institucionais, tais como liberdade de expressão, não ao racismo, não à homofobia, defesa da democracia, entre outros. Para embasar, Nando destaca que a emissora conta, na linha de frente, com comunicadores que pensam diferente em termos de política, por exemplo. "Temos o (Rogério) Mendelski e também o Juremir (Machado), o que nos dá um enorme contraponto. O importante é que, na soma de tudo isso, quando bate lá no público, a audiência consiga refletir e ter a sua própria opinião", argumenta o jornalista.

Nando comenta ainda que, quando assumiu o cargo, cuidou de realizar algumas modernizações, como a implementação de uma linha de WhatsApp exclusiva para o ouvinte, assim como a criação de páginas no Facebook e no Twitter, para que, com essas ferramentas, conseguissem atingir um novo público. Ainda de acordo com ele, o objetivo dos investimentos nunca foi afastar os mais velhos, mas, sim, trazer o filho e o neto deles para a audiência da Guaíba. Os novos canais de comunicação buscam se aproximar da geração mais nova, pois entendem que o chamado rádio news é um segmento escutado por pessoas de 40 anos para cima. "Por exemplo, o futebol não está nas chamadas rádios jovens, mas nas news. Então, neste momento, nós temos uma gurizada nos ouvindo", salienta o gestor.

Juventude & experiência

A juventude é um dos novos traços da Guaíba. São poucos os âncoras considerados mais antigos que ainda permanecem na casa. E, na opinião de Nando, esse é um dos diferenciais da emissora. Outra questão que cabe destacar é a capacidade de trabalhar e produzir conteúdos especiais sem muita estrutura ou investimentos financeiros. Cristiano Silva, repórter, apresentador e comentarista, cita que, no momento atual de crise, muitas vezes a rádio "vai para a guerra com revólveres, enquanto outros vão para a mesma armados de tanque", demonstrando a disparidade de estrutura existente entre alguns veículos. Porém, orgulha-se de, com frequência, ganhar da concorrência.

A diversidade nas pautas é algo constantemente buscado pelos jornalistas, tanto que há na equipe quem conheça muito de assuntos que fogem do hard news, como música, feminismo, futebol americano, lutas, cinema, séries, entre outros. "Nós temos que focar em coisas diferentes. Não podemos abrir mão da obrigação de dar o factual, mas apresentar algo que os outros não tenham" esclarece Nando.

E já foi exatamente essa multiplicidade de assuntos que complicou a emissora algumas vezes. Afinal, não são raros os momentos em que o público se sente parte do veículo e, por vezes, extrapola o tom das críticas ao cobrar decisões, opiniões, pautas e abordagens dos comunicadores. É o caso da frequente acusação de que a Guaíba seja comunista. Na opinião do gestor, o rádio news como um todo é muito careta e conservador, então basta não concordar com tudo que a 'direita' prega para ser taxado dessa forma.

Polêmica e integração

Um episódio recente, ainda deste ano, foi durante o programa 'Bom Dia', no qual Juremir Machado se retirou da atração ao vivo após ser impedido de se manifestar - a pedido do próprio entrevistado - ao, à época candidato, Jair Bolsonaro, durante entrevista. A situação ficou embaraçosa, é verdade. Contudo, o gerente-geral relembra que foi uma falta de comunicação interna, mas a audiência tratou o assunto "como algo do outro mundo" o entrevistado escolher para quem falaria. "Isso acontece desde que eu nasci no Jornalismo. Nós tratamos o tema de forma franca e aberta. Fui pro ar e disse que achei que erramos com o Juremir. E respeitei totalmente o lado dele", afirma Nando, questionando em qual outra emissora isso teria acontecido.

Sobre uma tendência que tem tocado alguns veículos de comunicação, o fenômeno da integração de redações, a Rádio Guaíba se vê um pouco distante dessa modificação. Uma vez que, ainda que Correio do Povo e TV Record pertençam ao mesmo grupo, os públicos atingidos por cada um são diferentes. Por outro lado, existem, sim, matérias que são realizadas de modo integrado.

Personagens & confraternizações

Entre empregados e colaboradores, trabalham na rádio Guaíba cerca de 80 pessoas e, como toda equipe, há sempre alguns personagens mais conhecidos e carismáticos dentro da redação. Um desses famosos é Luís Tosca, editor no turno da manhã. Comenta-se, em tom de brincadeira, que ele perdeu o termostato, pois mesmo nos dias mais quentes, não liga o ar-condicionado. O narrador José Aldo Pinheiro é outro que, notadamente, é muito querido por todos. Por ser advogado, é considerado como 'o cara dos discursos e das palavras difíceis'.

Carlos Guimarães é tido como um personagem despojado e desprendido, cujos discursos 'do nada' são frequentes, mas, dois minutos depois, está em outro tom, como se nada tivesse acontecido. E ele mesmo afirma ser assim: "Sempre fui eu, sempre fui assim, com convicção daquilo que penso. Aí, às vezes, parece que sou expansivo, quando, na verdade, estou apenas defendendo um ponto de vista", diz o coordenador de Esportes.

Por ser uma empresa mais enxuta, os momentos de confraternização ocorrem corriqueiramente. Um fator interessante e que contribui para essas interações é que muitos dos jornalistas vieram de fora da Capital, o que, de alguma forma, faz com que, além de colegas, muitos deles se tornem amigos - e, em alguns casos, até casal.

Colaborando ainda para esses momentos, Malu - Maria Luiza Benitez, jornalista da rádio - canta às quartas-feiras em um bar do Centro da cidade. Dessa forma, muitos deles se encontram nesse local. Nando destaca também que, atualmente, uma das coisas que mais gosta da rádio é o ambiente, que, visivelmente, é outro, diferente daquele de quando assumiu. Com a proibição por lei de fumódromos, bem verdade é que muitos desses encontros também ocorrem do lado de fora do tradicional prédio da Rua Caldas Júnior, pois os fumantes se reúnem em frente a uma porta de entrada desativada.

Influências & cenários

Um dos ambientes mais conhecidos do público é o Estúdio Cristal, que, por ser de vidro e estar localizado na esquina com a Rua dos Andradas, possibilita uma ampla visão daqueles que passam do lado de fora, além de contemplar caixas de som viradas para a parte externa do prédio. Atualmente, devido a algumas incompatibilidades tecnológicas, o local vem sendo pouco utilizado. Entretanto, alguns programas ainda são realizados de lá, principalmente quando se trata de assuntos com maior repercussão, como nos casos das presenças de personalidades famosas ou mesmo debates entre os candidatos a cargos públicos.

Um fator destacado por unanimidade é que, em que pese a administração da rádio ser exercida por uma igreja evangélica, nunca nenhum jornalista relatou ter problemas ou sofrer com influências religiosas. A alegria e a motivação dos que lá trabalham são cativantes, comoventes e até exemplares.

Se antes se comentava na famosa rádio-corredor que o ambiente era pesado, hoje, o inverso é verdadeiramente proporcional. Não é preciso muitas horas para perceber que a equipe atual é positiva, entusiasmada e conectada entre si. A renovação, a multiplicidade de assuntos, a gestão exercida, os diálogos estabelecidos entre apresentadores e ouvintes dão, hoje, outra cara à emissora. A liberdade na produção de pautas também é um dos fatores que, sem dúvida, contribuem para o cenário. E assim, como um enorme ecossistema pulsante, funciona um dos principais grupos de comunicação do Estado.

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