Julio Cesar Santos: O perseguidor da notícia

Inquieto por natureza, o jornalista honrou a profissão por 40 anos e hoje, fora das câmeras, desfruta a vida na companhia de seus melhores amigos

A fala, por vezes acelerada, e a inquietação revelam um pouco sobre quem é Julio Cesar Santos. Com uma carreira consolidada, o jornalista se entregou de corpo e alma à profissão, e por 40 anos dedicou cada dia a ela. A paixão pela notícia nasceu na adolescência, quando ainda era aluno do colégio interno Lar do Estudante, em Santa Cruz do Sul, onde estudou dos 12 aos 19 anos. O internato foi a alternativa encontrada pelo seu Mulford para controlar a impetuosidade do primogênito. Fã do então time da Caldas Júnior, que contava com Lauro Quadros e Armindo Antônio Razolin, vivia acompanhado de um radinho. Da brincadeira de entrevistar, deu início ao seu caso de amor com o Jornalismo.

Nascido em Rosário do Sul, rodou pelo interior do Estado devido ao trabalho do pai, que era funcionário do Banco do Brasil. Passou por São Sepé, Tapera, Ibirubá e Carazinho. Em Santa Maria, fez morada durante o período da faculdade, realizada na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Já no primeiro ano decidiu que queria encarar as ruas. Para isso, foi bater na porta da Rádio Guarathan e acabou conseguindo uma vaga. Tinha como tarefa alcançar as notícias para o radialista Luiz Carlos Barbosa. A dedicação foi recompensada quando recebeu a oportunidade de realizar sua primeira cobertura.

Como correspondente das rádios da cidade, veio para Porto Alegre acompanhar uma das maiores paralisações realizadas pelo CPERS, em 1980, na qual os professores tomaram conta do Ginásio do Gigantinho. Era do orelhão, na frente do local, que mandava os boletins. O bom desempenho acabou chamando a atenção da TV Imembuí, afiliada da RBS TV. Convidado para fazer um teste, não demorou para o microfone parar em suas mãos. "Tremia, mas percebi que levava jeito para a coisa", conta. A primeira reportagem se deu em meio a uma greve de caminhoneiros em São Sepé.

Na Rede Regional de Notícias - o 'Jornal do Almoço' local daquela época -, passou por diversas editorias, mas o jovem e entusiasta Julio queria mais. Ao saber que os profissionais do interior eram constantemente monitorados pela emissora, ligou o alerta. No entanto, como ainda não era formado, precisou esperar. O momento chegou em 1984, com o convite do então diretor de Jornalismo, Roberto Appel, para a editoria de Esporte. Sem pensar, aceitou, deixando tudo para trás, até mesmo a noiva que já havia lhe colocado na parede. "Achei que no Jornalismo teria mais futuro", confessa com um tímido sorriso.     

Solteiro e ávido por conhecimento, iniciou sua trajetória na "firma", como chama carinhosamente, produzindo uma matéria com os jogadores Rubén Paz e Geraldão, do Sport Club Internacional. A performance foi mais que aprovada e, exatamente em abril de 1985, o Morro Santa Tereza se transformou na extensão da sua casa. 

Um livro com mais de cinco mil páginas 

O universo esportivo não era o que fazia seu coração palpitar, faltava adrenalina. Por ironia do destino, o fato de ser solteiro e não ter filhos o levou a encarar o turno da noite. Enquanto alguns fugiam, ele era fascinado. A experiência adquirida no interior também foi de extrema importância para mostrar que estava pronto para tudo. Aquela desejada sensação começou a tomar forma quando foi direcionado para a editoria de Geral. Começava assim um capítulo da sua história que, de modo algum, caberia no número de caracteres disponíveis para a produção deste texto. No currículo, carrega a marca de mais de cinco mil reportagens, o que considera completamente normal. "Se trabalhasse 35 anos e não tivesse esse número, era sinal que havia faltado um dia", justifica. 

A partir dessa fala, Julio abre a sua caixa de Pandora. Relatos incríveis de uma época marcada pela produção de grandes reportagens. Entre os casos mais emblemáticos, está a cobertura do maior motim do Estado, coordenado por Dilonei Francisco Melara, em 1994. O fim da sua escala aconteceu ainda em meio às negociações para a liberação dos reféns; no entanto, algo lhe dizia para ficar, então decidiu fazer hora extra. Com a liberação dos presos, iniciou-se uma perseguição digna de filme pelas ruas da Capital, que culminou com a invasão do Hotel Plaza São Rafael, no centro da capital gaúcha. Antes mesmo da chegada da polícia, lá estava, a postos, para documentar a rendição do então maior líder de facção do sistema prisional. 

A tensão também se fez presente durante o confronto entre manifestantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Brigada Militar, que resultou na trágica morte de um policial e dezenas de feridos. Durante o conflito, após enviar um material para a TV, recebeu a informação de um amigo delegado que a situação poderia piorar. Por cerca de oito horas, a Esquina Democrática se transformou em uma trincheira. As imagens ganharam as telas do temido 'Plantão da Globo' e, posteriormente, do 'Jornal Nacional'. Exibida no 'Globo Repórter', a matéria recebeu um prêmio do programa.

Foi com essa intensidade que viveu inúmeros momentos como esses: "Quando eu segurava aquele microfone, não tinha ruim". O apego era tanto que não gostava de falar em folga, muito menos nas férias, "era uma coisa até meio doentia", reflete. Medo? Declara que nunca sentiu. Para ilustrar, relembra um jantar com colegas, entre eles Rosane Marchetti, na Churrascaria Barranco. Ao se aproximar da sua mesa, um homem perguntou se ele era o repórter responsável pela matéria que revelou um esquema de funerárias. Ao dizer que sim, recebeu a resposta: "O próximo caixão é o teu!". Prontamente respondeu: "Então vamos buscar agora mesmo".  

Cadeira cativa no Palácio da Polícia

O retorno positivo sobre as investigações era cada vez maior e, por consequência, o número de denúncias. As fontes sempre foram fundamentais, mas ganhar sua confiança exigiu muito trabalho. "A gente vai pegando a prática para não cair em nenhuma armadilha. Contudo, era igualmente importante ter a ficha limpa para chegar na hora de ir para cima, ir com segurança", evidencia. Figura carimbada dos delegados e policiais de todo Estado, era com eles que, por diversas vezes, fazia a reunião de pauta. Ao estilo Caxias, ao chegar na redação e verificar que nada havia, já ia para o telefone. Foi assim que passou a ser respeitado. Por tudo isso, conquistou um 'Prêmio Esso de Jornalismo', pela descoberta de um esquema envolvendo o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (DAER-RS). 

Após um grave acidente de ônibus, que vitimou um grupo de argentinos, foi descoberto que veículos sem condição de circular recebiam, de forma irregular, autorização para continuar transportando passageiros. Outro momento do qual se orgulha muito foi a produção de uma série de reportagens sobre as condições dos prédios públicos de Porto Alegre. Por 20 dias, em parceria com os bombeiros, constatou que grande parte apresentava problemas nas estruturas e que, em caso de incêndio, seriam muitas vítimas. O conjunto da obra rendeu um documentário com direito a imagens suas pulando do helicóptero no Guaíba simulando um resgate.

A noite de Porto Alegre

As noites nem sempre foram para cobrir motins. Apaixonado por música e dono de uma coleção de mais de três mil discos de vinil, teve a oportunidade de conhecer muitas bandas, entre elas, Titãs, Legião Urbana, Capital Inicial e a que mais faz seu coração bater, Iron Maiden. "A vida noturna da Capital era muito legal e a Alice Urbim, que na época comandava o 'Jornal do Almoço', valorizava demais esse cenário", comenta. Onde tinha trabalho também podia ter diversão, certo? "Avulso", como se classificava, aproveitava o fato de ser solteiro para dar uma esticada. O local preferido? O bar Ocidente. O modus operandi era sempre o mesmo: ia para casa por volta das cinco da manhã tomar banho e já partia para a TV. Para se refazer, cochilava no sofá da recepção sob os olhos da tia Carmen, "não a famosa, mas a recepcionista da TV", que o avisava caso alguém chegasse.

As madrugadas renderam também momentos emocionantes, como o encontro com um dos seus ídolos, Cazuza. Já em fase terminal, o cantor veio tentar um novo tratamento para pacientes com AIDS, que estava sendo aplicado pelo Hospital de Clínicas. Após algumas negociações, acompanhou o seu processo, bem como de outro paciente, que acabou falecendo antes das matérias irem para o ar. 

O retorno ao Esporte

A volta para o Esporte aconteceu em 2007, após uma reflexão sobre seu futuro na empresa. Apesar de ter podido vivenciar intensamente muitas histórias, o fato de ver muitas não solucionadas, geralmente envolvendo crianças, trouxe dúvidas se o seu trabalho estava fazendo a diferença. "Quase tive uma Síndrome do Pânico", afirma. O retorno lhe rendeu diversas coberturas, entre elas Gre-Nais, a Copa do Mundo e a Olimpíada no Brasil. Dessa época, guarda igualmente na memória a amizade que fez com figuras como Renato Portaluppi, Andrés D'Alessandro e Luan, agora jogador gremista. Com esse, aliás, chegou a se desentender após receber uma ríspida resposta a um questionamento. 

Mas nada foi tão marcante quanto uma entrada ao vivo no 'Globo Esporte', que acabou originando um dos maiores memes da RBS. Em frente ao Beira-Rio, daria informações sobre o Internacional, que jogaria nos próximos dias. No entanto, com o tempo chuvoso não haveria entrevista coletiva. Então, para não falar sobre quero-quero, lembrou do frio da sua cidade natal e soltou: "Boa tarde, Alice! Tudo bem? Tá ouvindo o barulhinho? Que tarde, heim! Para um bolinho de chuva, para brincar de amor, heim?! O Internacional treinou hoje de manhã". Pega de surpresa, Alice Bastos Neves pareceu um tanto assustada, mas depois, nos bastidores, virou uma grande brincadeira e uma engraçada história para lembrar. Seu último ato como repórter aconteceu em 3 de outubro de 2019, quando se despediu ao vivo durante uma partida entre Grêmio e Flamengo, na Arena.

Muito amor e admiração

Irmão mais velho de uma prole de cinco, sendo quatro homens e uma mulher, lembra com muito carinho da infância e das molecagens, motivo que o levou para o internato. Muito apegado à mãe, a dona Iara, tem nela uma inspiração. "Minha mãe é uma guerreira! Ela que cuida do pai que está no início da doença de Parkinson." Eles, assim como os irmãos, atualmente moram em Camboriú, mas para matar as saudades, conversam todos os dias. Gremista fanático, escolheu o time para contrariar seu Mulford. Após descobrir que o diretor do colégio era tricolor, resolveu virar a casaca.

Atualmente, vivendo em um sítio em Eldorado do Sul, divide seus dias com os melhores amigos, os mais de 100 animais. Entre eles, cães, gatos, galinhas, papagaio, pato, coelho, ganso e até mesmo um casal de pavões. "Estar com eles é uma terapia, um aprendizado diário. Aprendi a ser mais forte", declara. Entre as paixões, destaca Weiss, um Dogo argentino de cinco anos, com quem dança diariamente música eletrônica. E ainda o White, um pastor branco suíço de seis anos. A escolha por uma vida pacata e longe do tumulto é consequência de tudo que viu enquanto repórter e da conclusão que chegou: "O ser humano é muito perverso".

Vivendo um "grande amor", optou por não casar, nem ter filhos. Quanto a isso, tem uma opinião forte e realista, mas que, para muitos, pode ser vista com antipatia. "Acho que tem que acabar em mim. Não quero deixar ninguém nesse mundo para apenas ser mais um", argumenta. Autêntico e muito verdadeiro, se vê como "um louco de cara" e satisfeito com o caminho que trilhou até aqui, pois o Jornalismo voltou a pulsar. Em parceria com o ex-colega Leonardo Müller no seu canal no YouTube, o 'Careca de Saber', voltou para os microfones para narrar os jogos do time do coração. "Tu sabes qual é a melhor parte da aposentadoria? É que agora, eu posso ser eu", finaliza.

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