Diversidade e Comunicação: Carine Brazil e a luta por meio da Comunicação e da música
Regente do bloco Não Mexe Comigo que Não Ando Só, articulista em Coletiva.net, conversa com Luan Pires
Carine Brazil é um nome conhecido musicalmente. Além de uma vivência musical ativa em Porto Alegre, chegou ao posto de uma das regentes do conhecido bloco Não Mexe Comigo que Não Ando Só e multi-instrumentista do grupo de música e dança Afrosul-odomode. Formado apenas por mulheres, o Não Mexe teve seu nome retirado a partir de uma experiência vivida por parte das meninas que participam do grupo. Ao serem assediadas por alguns homens quando andavam na rua, elas começaram a cantar uma música da Maria Bethânia chamada 'Não Mexe Comigo'. Depois disso, acharam que esse seria um bom nome para o bloco. Além de contar sua experiência como mulher, preta, periférica e lésbica em dos maiores blocos do nosso Carnaval, Carine, que também trabalha com engenharia de Produção, contou como a Comunicação foi importante dentro de um grupo que reúne mais de 70 mulheres com vivências distintas, mas lutas parecidas.
Me conta como começou a sua história musical a até chegar a ser uma das regentes de um dos maiores e mais representativos blocos de Porto Alegre?
Minha vida musical começou no Afrosul, que é um projeto social com foco em crianças e adolescentes. Estou ligada ao programa desde pequena, hoje já tenho 30 anos. A iniciativa tem várias oficinas e naturalmente aos poucos fui me destacando na área musical tocando instrumentos. Fui criada lá dentro e é de lá a minha construção do entendimento da cultura negra.
Musicalmente, ali pude me desenvolver e depois ensinar. Lembro de uma vez que me falaram que só tinha eu pra dar aula e desde então não parei mais. Fazem dois anos que faço esse trabalho que é muito mais que música: no último ano, por exemplo, ensinei para turma a cultura do Maracatu, que nada mais é do que uma homenagem aos reis e rainhas negros. Passar essa mensagem de que não existem só reis e rainhas brancos foi importante.
Lembro que comecei a perceber meu potencial e tocar na rua, em outros grupos, buscando fazer dinheiro. Aos poucos, comecei a crescer profissionalmente e ter nome no meio e assim no bloco Não Mexe Comigo que Não Ando Só. Uma coisa que sempre reparo é que o branco aprende a se comunicar e o negro, em geral, se cala e aguenta no peito e acho que isso prejudicou minha entrada no começo. Eu não sabia me comunicar lá, ninguém entendia muito bem os meus motivos... Mas, aos poucos, fui aprendendo e claro, mostrando meu lado. É um bloco de 90 meninas. A comunicação não é algo fácil, mas o importante é que com o tempo comecei a ser ouvida de forma eficaz. Atualmente, sou regente junto com outra menina. É claro que como pessoa preta e periférica, precisei aprender a expressar meus limites de forma clara e saudável porque nem todo mundo tinha a mesma realidade que a minha. Hoje, vencidos e vencendo obstáculos, tenho orgulho do que todos nós conquistamos com o bloco.
Como você vê essa questão de identidade? Muita gente que já passou por aqui mencionou que realmente entendeu sua identidade depois de mais velho?
Sim, a gente se descobre muito tarde. Até no meu caso que cresci em um ambiente de iguais. É que um ambiente onde todo mundo é igual, você recebe a informação, mas, às vezes, não contextualiza a importância dela, até sair para outro ambiente em que as pessoas não entendem o modo que você se expressa. Foi quando comecei a buscar essas informações de identidade de novo. Acho que é mais que uma busca por entendimento, é uma busca por acolhimento e pode ser feita de várias maneiras: terapia, letramento racial, contatos de amigos.
Como você encara vivenciar um ambiente que é, em sua maioria, de brancos? Você mencionou muito a questão da Comunicação como ponte?
Em geral, eles vão ter somente a visão deles porque eles não viveram o que nós, pessoas não-brancas, vivemos. Uma pessoa preta ser chamada no aeroporto acha que vai sofrer racismo, o branco acha que é um procedimento normal. O que aprendi é que a gente não ganha o pão falando manso. O que faço dentro do bloco é engajar quem quer ser ativo na luta. O branco não pode esquecer que tem papel na luta. Mas, quando vejo que o branco não está me entendendo, afasto-me porque não tenho energia sobrando pra desperdiçar em algo que não vai ser resolvido. Se a pessoa te admira e te respeita, o mínimo esforço que ela precisa fazer é te escutar.
Daria para chamar de moeda de troca? Afinal, os responsáveis pelo racismo são os brancos, nada mais justo que terem um papel presente nessa luta.
Sim, eu sempre busco olhar de um jeito que me faça entender que o branco tem grande visibilidade, então temos que nos aproveitar disso. Afinal, eles ainda detém um monopólio cultural e devemos usar esse poder a nosso favor, dando limites, claro. Eu estou sendo reconhecida, hoje, em parte porque eu toco com pessoas brancas. É uma realidade dura, mas que não pode ser romantizada. Claro que o objetivo é mudar isso, mas é um processo. Além disso, essas brancas que eu toco junto me respeitam e com elas eu consigo expressar-me, pontuar coisas e colocar limites.
O que é diversidade e Inclusão para ti?
Inclusão é você incluir de dentro pra fora. É a pessoa se sentir parte em todos os processos. E diversidade é a informação geral que precisa ser engajada para gerar a real inclusão. Não basta ter diversidade, precisa ter inclusão.
Esta matéria faz parte de um conteúdo especial sobre diversidade e Comunicação, produzido por Luan Pires para Coletiva.net. Quinzenalmente, o jornalista publica uma entrevista exclusiva com o articulista do dia. Para conferir o artigo de hoje, assinado por Carine Brazil, clique aqui.