Diversidade e Comunicação: Cleiton Chiarel e a inclusão feita com dados e alma
Autor do artigo publicado em Coletiva.net nesta sexta-feira, comunicador e cientista político foi entrevistado por Luan Pires
Essa foi uma entrevista especial. O Cleiton Chiarel é um comunicador em essência, mas de uma forma muito específica, o que me fez querer tê-lo aqui neste espaço. Cientista político e social, um dos articuladores do Coletivo POA Inquieta (coletivo de pessoas que organiza de forma ativa e colaborativa na cidade de Porto Alegre a transformação local) e chefe da divisão de Desenvolvimento Profissional da Superintendência da Educação Profissional do Estado do Rio Grande do Sul (Suepro), ele é uma interseção de como a Comunicação que fala e que ouve pode mudar uma cidade e a população que vive nela.
Você também é pesquisador de Cultura Cidadã e conselheiro do Pacto pela Educação. Em resumo: você usa a Comunicação falada, escrita, política e mercadológica para entender a cidade e dar voz aos seus anseios para que esses sejam atendidos. Seria um bom resumo?
Eu falo bastante, então qualificar resumos não é minha praia. Mas eu diria que sim. Sempre trabalhei, desde a minha dissertação, sobre Cultura Cidadã e o conceito está intimamente ligado a trabalhar com a diversidade entendendo que ela torna qualquer região ou comunidade da cidade um local competitivo e melhor.
Como pesquisador, você também está diretamente ligado à Comunicação. Os dados vêm de pessoas e comportamentos. Você os leva para frente.
Exato. Eu tenho minha própria empresa de pesquisa. Foi assim que eu acabei conhecendo todas as regiões e as vivenciando de fato. Eu sempre busquei trabalhar em projetos que conseguissem impactar o maior número de pessoas, principalmente as de vulnerabilidade. Um método para isso é a economia criativa, capaz de desenvolver uma cidade sem desconsiderar as diversidades específicas de cada cantinho dela. Para isso, a economia criativa potencializa negócios diversos e essa é a importância de mapear, ouvir e pesquisar. Para resolver qualquer problema, você precisa identificar o que precisa ser feito.
Na prática, como você usa a Comunicação nesse trabalho de mapeamento, conversa e incentivo?
Principalmente pela escuta ativa. Quando escuto ativamente e consigo entender, de fato. A questão do urbanismo social é um exemplo: é preciso entender para assim otimizar espaços com ações que vão repercutir positivamente na localidade. Tenho trabalhado muito o desenvolvimento social com o mapeamento de diversidades para implementar soluções urbanísticas que façam sentido para as pessoas. Qualquer construção é melhor quando é planejada da escuta ativa. Outro exemplo foi quando fiz o estudo do que é o axé (o financeiro e a questão da religiosidade). Visitamos terreiras na cidade, vimos como funciona essa cultura em Porto Alegre, registramos os locais, as casas, os frequentadores... Tudo para entender como é e, com base nisso, levar proposições de potencialização dessa cultura. Por exemplo, identificamos a necessidade de desenvolver a cultura de gestão de dinheiro nesses centros porque cerca de 90% de quem consome são autodeclarados negros, mas a maioria dos donos são brancos. O que podemos fazer e propôr para dar equidade a essa cultura?
Falando de cultura, vivenciamos uma cultura de fake news e falta de transparência. E isso está totalmente relacionado com o que tu faz. Vejo o seu trabalho como uma ponte entre o que a cidade está querendo dizer com quem pode fazer isso pela cidade. E os dados são as principais ferramentas para comprovar e ajudar isso acontecer. Qual o poder dos dados e da transparência para fazer isso acontecer?
Toda forma de Comunicação precisa ser interativa. Você precisa falar e ouvir. Mas quem fala tem a responsabilidade de ser verdadeiro, transparente e comprovar isso. Quando estou fazendo uma pesquisa, o que eu gosto é do olho no olho. Uma coisa é você escrever num papel que vai ser lido por alguém que vai responder a pesquisa. Mas outra coisa é avaliar o timbre do que está sendo dito. Eu chamo isso de trabalhar dados com alma. É ter empatia com quem está sendo entrevistado: essa pessoa não é mais uma, ela é a Dona Maria, que pega dois ônibus para trabalhar. Estamos ouvindo-a para entendermos melhorias possíveis de mobilidade. Não conseguiríamos entender a situação tão bem se ao invés de ter empatia pela Dona Maria, a gente resolvesse pegar o GPS dela e ver quanto tempo ela leva num transporte público. Isso porque ela vai dizer coisas que só ela pode dizer: que a parada é perigosa e que, por isso, o motorista passa direto a partir de tal horário... Isso é Comunicação com alma: extrair o que a pessoa quer te passar, mesmo que a pessoa não diga isso diretamente. É legal entender que a pessoa que está com o problema, de alguma forma também está com a solução.
Como é que você, pertencente a um grupo minorizado, encara a sua trajetória: a de um menino negro e curioso para um homem que achou a vocação de ouvir e entender pessoas que são silenciadas porque "ninguém" quer ouvi-las ou porque moram distantes de grandes centros?
Acho que tudo começou com a construção do meu senso de pertencimento quando eu morei na Europa. Lá eu percebi que todo latino era colocado no mesmo "pacote". No começo achei ruim porque é uma generalização grosseira, mas com o tempo fui mudando meu olhar sobre isso. Essa "classificação" me fez ter orgulho de pertencer a uma comunidade. Eu pensei: Cara, os latinos têm, sim, uma cultura diferente por muitas questões ruins e até históricas; nós fomos conquistados/colonizados, temos um mix de influências e um apego, por isso mesmo, com a nossa cultura. Temos aspectos culturais distintos, claro, mas por que não ressignificar esse sentimento e elevá-lo à questão de pertencimento e orgulho? Então, comecei a pensar em fortalecimento de comunidades. E falei tudo isso para responder que olhar para essa construção é inspirador porque me faz entender que eu faço parte desses contextos. Essa descoberta me fez querer, quando voltei ao Brasil, trabalhar a diversidade em sua pluralidade de pautas, mas também como fortalecimento conjunto de comunidade. Todo grupo é mais forte. Não podemos esquecer ou inviabilizar as diferenças, mas podemos usar as semelhanças para ficarmos mais fortes, também.
Acho legal que, ao mesmo tempo que a gente traz que cada pessoa de determinado grupo identitário é diferente, ela não pode esquecer que faz parte da mesma comunidade. Isso que você trouxe sobre orgulho da comunidade é vital para a nossa sobrevivência. Aproveitando o gancho da comunidade, que tem tudo a ver com sentimento de inclusão, pergunto: o que é diversidade e inclusão para você?
É fazer parte. É a gente chegar em um lugar e se sentir bem-vindo e acolhido. Quando a gente se sente acolhido, vive melhor porque fica menos na defensiva e mais aberto às diferenças. Os negros que vieram presos para o Brasil ganharam "liberdade" sem acolhimento. Sem inclusão. Por isso, a reparação histórica é importante e a cidadania está aí para isso: lembrar de onde viemos e porque devemos dar oportunidades de equidade para todas as comunidades. Por isso, eu amo a cultura cidadã, porque é o papel dela resgatar as pessoas que o Estado, às vezes, não vê: pessoas em situação de rua, abaixo da linha pobreza, entre outros. Resgatar que eu me refiro é oferecer equidade, valorizando as diferenças porque é a diversidade que faz um estado ou nação competitivo de verdade.
Esta matéria faz parte de um conteúdo especial sobre diversidade e Comunicação, produzido por Luan Pires para Coletiva.net. Todas as semanas, o jornalista publica uma entrevista exclusiva com o articulista do dia. Para conferir o artigo de hoje, assinado por Cleiton Chiarel, clique aqui.