Diversidade e Comunicação: Luana Daltro pela inclusão
Relações-públicas é a articulista de Coletiva.net nesta sexta-feira e conversou com Luan Pires
Quem é a Luana e como ela se apresenta perante a pauta de diversidade e inclusão?
Nasci e fui criada na periferia de Porto Alegre, sou mulher negra de pele clara e isso fala muito sobre os recortes que me definem e sobre a forma como eu conduzo minha vida. Não tem como pautar somente gênero, raça ou classe para me definir. Preciso sempre estar me vendo por esses três marcadores juntos, porque fazem parte da forma como eu fui construída e de como eu vou analisar o mundo. Sou formada em Relações Públicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) pelas cotas raciais, um ponto importante, porque as cotas são a oportunidade de pessoas negras e indígenas terem acesso à busca de equidade na sociedade. Sou uma comunicadora que sempre trabalhou com estratégias para marcas e comecei a atuar em consultorias de Comunicação em diversidade racial.
Em que momento a pauta diversidade se fez clara sob seus olhos?
Foi nesse período na Ufrgs que me descobri uma pessoa negra. Esse processo de autoafirmação, de se identificar e se reafirmar aconteceu aí. Passei pelo processo de transição capilar, que foi uma forma de me conectar com minha ancestralidade e raízes. Foi esse processo que abordei no meu Trabalho de Conclusão de Curso, falando da representação das mulheres negras nas mídias. Foi durante essa pesquisa que percebi que não poderia deixar esse assunto morrer e aí comecei a produzir conteúdo sobre isso e dar palestras.
Como foi esse momento de autoafirmação?
Diferente de boa parte das pessoas negras, vim de uma família interracial. Perguntei para minha mãe uma vez em que momento aconteceu a pigmentação da minha pele, porque nasci uma criança de pele clara. Fiz isso porque sempre tive a sensação de que me descobri negra bem criança, comparando minha pele com a da minha mãe. Eu pensava: "Por que temos peles diferentes?" Lembro que quando tinha cinco anos já havia sofrido vários racismos por ter uma mãe branca. Talvez, por consequência, quando via casais interraciais pensava: "Nunca vou casar com alguém que não seja da minha cor, por medo do que poderia acontecer". Então, a pauta racial esteve sempre presente para mim de alguma forma, mas, como criança, não sabia nomear isso.
Essa questão de estar em um ambiente em que tu se sente minoria, mesmo não sendo a realidade demográfica brasileira, sempre aparece por aqui como um fator determinante para a compreensão do eu identitário. Como vê isso?
É um processo de resistência, mas tem várias óticas: no Rio Grande do Sul, sinto que as pessoas não fazem muita questão de esconder esse pensamento: "Nós, brancos, somos um grupo, e vocês, negros, são outro". Por mais que não exista uma segregação dita e posta, existe uma velada. Na construção desses imaginários e lugares ocupados por pessoas negras, esse lugar nunca é o do lazer, é sempre o da subserviência. Como se eu, como negra, sempre estivesse em um ambiente para servir. Em muitos momentos, é difícil desligar essa chave, porque às vezes eu só quero viver e aí vem o racismo e me atravessa. Por exemplo, quando estou no shopping em uma loja e vem o segurança atrás de mim, ou quando eu não estou usando nenhum uniforme e, mesmo assim, vem a pessoa perguntar algo sobre a loja como se eu fosse funcionária. É como se a pessoa negra só pudesse ocupar essas duas posições, de perigo ou de subserviência, então é muito difícil esse movimento de ocupar os lugares porque se torna cansativo. Eu tento não me confrontar mais. Shopping é um local que eu procuro não ir muito, porque são ambientes hostis para pessoas negras. Eu acho que é muito difícil sempre estar nesse papel de ocupar e pertencer. Eu quero selecionar os lugares e ambientes mais enegrecidos para eu não passar por essas situações. Uma escolha pela minha saúde mental.
Tem esse pensamento do movimento negro ocupar espaços embranquecidos, mas não se pode esquecer de valorizar espaços periféricos, como o Michel me disse no papo que tive com ele nesse espaço. Como fomentar o espaço periférico na sua visão, qual a importância disso?
Em Porto Alegre, todas as ações culturais são no centro da cidade. Só que a gente tem periferias e bairros afastados. Hoje eu estou em São Paulo, mas nasci e cresci no Rubem Berta, então sei que qualquer movimento leva pelo menos 40 minutos até o Centro de Porto Alegre. Para mim, faltam ações na periferia para a periferia. Isso possibilita que as pessoas desses locais tenham acesso às coisas que muitas vezes só são oportunizadas nos grandes centros da cidade. Pensa na pessoa que trabalha oito horas por dia, pega uma condução lotada durante mais de duas horas (considerando ida e volta e trânsito), daí vai querer ir durante o final de semana pegar várias conduções, novamente, mesmo cansada, para ir a um show? Provavelmente, não. Por isso, as marcas precisam ampliar o local das ações. Isso resgata a necessidade dessas pessoas serem ouvidas e serem protagonistas. Importante pensar em como se descentraliza o acesso e como podemos montar planos de incentivo e ações promocionais, com respaldo da Comunicação, também nessas localidades, porque nessas localidades estão, muitas vezes, os maiores consumidores dessas empresas.
Como tu vê esse processo do negro numa empresa? Existem vagas afirmativas, mas poucos movimentos de equidade dentro das empresas para oportunizar que a pessoa se desenvolva.
Acredito que se a gente olhar a história do país, o processo de abolição da escravatura foi uma falácia. Foi assinado e as pessoas tiveram que se virar. A consequência é que as pessoas negras ainda estão no lugar de subempregos, trabalhos informais, mulheres negras atuando como empregadas domésticas. Para mim, é necessário que, desde a base, a gente tenha uma política de ações afirmativas. Mas é bem como tu falou, não só uma questão de entrar, mas de ter um ambiente receptivo. Em empresas, já tive altos e baixos. Momentos bons onde pude me afirmar, mas em outros sofri micro violências. Existe também um tipo de violência que é o tokenismo. Funciona assim: me diziam em outras palavras: "Já que tu és uma pessoa negra, vou te utilizar em tudo". A empresa me usava como ferramenta quando convinha para ter uma imagem. O tokenismo mostra que as empresas usam as pessoas negras como um objeto, um símbolo, um token, um corpo a ser usado.
O que tu dirias para as pessoas que querem ajudar de alguma forma, mas não sabem direito como?
Eu acho que tem algumas ações: a primeira é se atentar, tirar as vendas dos olhos e aceitar que existe desigualdade racial no Brasil. Ponto. Existe, isso é fato. Não tem discussão. A segunda, a partir do momento de ter consciência, não podemos nos silenciar, nem brancos e nem pretos. Devemos usar a voz, coibir ações de preconceito e incentivar e cobrar projetos de políticas públicas. É importante que a gente consiga mexer na estrutura e sabemos que isso leva a perda de alguns privilégios e é normal que a perda dos privilégios doa. Mas é um passo importante para o bem-estar social. Outra coisa: precisamos gritar e cobrar as empresas sobre esses movimentos, para que criem processos que façam pessoas pretas entrarem e ficarem nesses lugares. Uma empresa precisa ter estruturas que evitem a opressão desses profissionais no dia a dia também.
Para finalizar, a nossa pergunta clássica: o que é diversidade para ti?
Diversidade para mim é englobar o máximo de pessoas, suas histórias e vivências. Que todas essas consigam estar em comunhão. Mais ainda: que todas as suas ideias, pensamentos, atitudes sejam levados em consideração. Que todos tenham vozes e que seus corpos, vontades e desejos tenham liberdade de existir.
Esta matéria faz parte de um conteúdo especial sobre diversidade e Comunicação, produzido por Luan Pires para Coletiva.net. Todas as semanas, o jornalista publica uma entrevista exclusiva com o articulista do dia. Para conferir o artigo de hoje, assinado por Luana Daltro, clique aqui.