Geórgia Santos: Amar e mudar as coisas

Ela não é só uma voz bonita

Geórgia Pelissaro dos Santos gosta tanto de mudar as coisas, que inspirou esta repórter que faz, hoje, seu primeiro Perfil a iniciar o texto de uma forma diferente. É que, além de transformar, a jornalista entrevistada também inspira. Com autorização da publisher de Coletiva.net, Márcia Christofoli, eu, Márcia Dihl, quis escrever em primeira pessoa porque foi com esta linguagem que Geórgia me contou que conquistou o primeiro prêmio da carreira. A reportagem 'Que Fazer. Uma história sobre a labuta dos imigrantes' narra a situação precária dos senegaleses no Brasil e foi a vencedora do Prêmio Ministério Público do Trabalho de Jornalismo. E começa assim: "Quem são esses homens nas calçadas? Faço essa pergunta com certa frequência. Algumas vezes em voz alta. Quem são os homens nas calçadas, vendendo tantas coisas?". 

Esta foi a primeira entrevista feita presencialmente no período de pandemia para a seção Perfil do portal. Respeitando o protocolo sanitário, com uso de máscara e distanciamento, na conversa que durou cerca de duas horas, Geórgia relembrou os tempos de infância na pacata Paraí, distante 240 km da Capital. Parada só a cidade, pois a vida da jornalista teve bastante movimento, a começar pelas brincadeiras nas ruas e calçadas, passando pela doce lembrança de comer as frutas do pé do pomar, que fica entre a casa dos pais e dos avós. Ouvindo um pouco da história de vida, dá para entender como essa jornalista virou mestre em Comunicação e em Ciências Políticas, e doutora em Ciências Sociais. 

Articulada, desenvolta, inteligente, alguns dos adjetivos oriundos da criação do seu Jorge dos Santos e de Gertrudes Pelissaro dos Santos, pais dela. Ele, delegado, hoje aposentado, a mãe, advogada e com a vida dedicada à gestão pública, sendo a primeira e única prefeita mulher de Paraí, aos 34 anos de idade. "Minha mãe sempre fala: 'o que estão reclamando hoje das mulheres que amamentam em público? Eu fazia isso, te levava para todos os lados, te amamentava e ninguém falava nada", relembra Geórgia, ao dizer que a mãe sempre teve um perfil progressista.

Com a pandemia, uma nova Geórgia

Nesses dois últimos anos, a jornalista conta que teve muito medo de perder os pais e as pessoas que amava para a Covid-19. Segundo ela, tudo que desejou em termos profissionais e materiais se dissolveu e só queria estar ao lado da família.  "Se tu me perguntasses quem era eu há dois anos, diria: jornalista. Mas hoje sou a pessoa que está sempre querendo crescer e mudar", citando na sequência a frase de uma letra do cantor Belchior: "Amar e mudar as coisas". Geórgia vive movida por amor, paixão, pelas pessoas que gosta, por mudança. Ela garante que não suporta as coisas iguais por muito tempo. 

De Paraí para Porto Alegre 

A chegada à Capital se deu aos 18 anos, quando cursou Jornalismo na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). A vinda para cá foi um mergulho no Jornalismo e no meio acadêmico. O início da vida profissional foi dentro da própria PUC, no Centro de Produção Multimídia da Famecos, em TV. Foi lá que se lembrou da professora Arlinda, da 3ª série, que pediu aos alunos para levarem um recorte de jornal e fez com que cada um apresentasse a notícia como se fosse âncora de TV. Geórgia apresentou a notícia da vitória de Guga Kuerten na quadra de Roland Garros e, desde aquele dia, teive a certeza de que não queria fazer mais nada: "Eu seria jornalista!". 

A voz

O começo foi na TV, mas o foco era mesmo trabalhar em rádio. Conta que sempre gostou do meio radiofônico e lembra até hoje do pai ouvir Jayme Copstein, nas madrugadas da rádio Gaúcha, única que pegava em Paraí. A oportunidade de chegar onde queria foi com a aquisição do grupo Record à rádio Guaíba, em 2008. "Eu diria que a pessoa responsável pela minha trajetória foi o professor Cláudio Mércio. Ele perguntou se eu e meu colega Wagner Machado queríamos estagiar na emissora".

Lembra com carinho desse período em que conviveu com profissionais como Ataídes Miranda e Idalino Vieira. "A primeira vez que entrei no ar, a voz me ajudou porque eles ficaram impressionados, e isso acelerou muito minha trajetória. Eu ainda não tinha me formado e era repórter de trânsito e âncora", conta Geórgia, que na época, fez curso para Formação de Profissionais para Rádio e TV. 

Unindo paixões 

Em 2011, foi contratada por André Machado para ser repórter política na rádio Gaúcha e ganhou espaço como âncora em alguns programas. "Sempre segurei bem os vivos, tinha desenvoltura e a experiência da rádio Guaíba." Na época, ela também ministrava aulas no curso de Comunicação da PUC. Neste período da vida, Geórgia uniu paixões: o meio acadêmico, o rádio, a política - e até na vida pessoal.

Foi na Gaúcha que iniciou o relacionamento com o atual marido, o jornalista Cleber Grabauska. Juntos há nove anos, ela diz ter ao lado um parceiro de vida: "Eu cozinho e ele lava", brinca. Também elogia o companheiro por sempre a incentivar em projetos, como nas duas vezes que morou no exterior, por um ano em Lisboa, para fazer o mestrado, e nos EUA, onde ficou por seis meses durante o doutorado. A risada rola solta quando conta que, quando viajam de carro, os dois jornalistas e locutores impostam a voz para ler as propagandas dos outdoors do caminho (uma pena esse texto não ter áudio para você, leitor, ouvir a brincadeira. É mesmo engraçada). 

O Vós

O romance com o marido segue firme, mas o 'hard news' se perdeu no caminho dos protestos de 2013. "Fiz uma boa cobertura, não tinha nada fora do lugar, mas eu me perguntei naquele momento o que estava fazendo ali." Foi assim, com algo protestando dentro dela, que Geórgia largou o meio tradicional e abraçou o novo jornalismo. E, então, a voz criou o Vós, que significa pessoas no plural, diversidade e liberdade, segundo a própria empreendedora. É neste espaço que ela cria, se realiza e vive o ideal do que acredita ser o bom Jornalismo (para ela). "O que me levou a criar o Vós foi a diferença de ritmo de trabalho. Sou boa no hard news, mas não é o meu melhor. Este precisa de tempo."  

Foi o tempo que mostrou para Geórgia que ela é, sim, uma baita jornalista. Aliás, o tempo e os prêmios. Após dar vida ao seu projeto, recebeu mais de 11 premiações em três anos. E lembram da primeira reportagem premiada, dos senegaleses? Ela levou dois anos para escrever, pois foi no período do doutorado, quando foi para os EUA. Para ela, os prêmios são sinônimo de superação. 

Dos tempos de rádio, ficaram as amigas, as jornalistas Flávia Cunha, que é parceira no Vós, ao lado do também jornalista Tércio Sacool, Evelin Argenta, Fernanda Ferrão e Renata Colombo, a quem a entrevistada chama de irmã mais velha. E também as saias justas, como na vez que foi cobrir uma coletiva do governo Yeda Crusius, no Cais do Porto, usando um vestido plissado. Bem na hora do boletim, com celular na mão e papel na outra, bateu o vento: "Duzentas pessoas, eu ao vivo, com as duas mãos ocupadas e não podia largar o texto porque tinham números que eu noticiaria. Comecei a ir de ré até uma parede e me encostei. Não adiantou, porque o vento bateu de frente, fui deslizando, agachada, em posição fetal, mas segurei o boletim", lembra, rindo, enquanto recorda dos erros de locução como quando "incendiou uma floresta de pneus". 

Espiando a culpa 

Criada dentro do catolicismo, Geórgia lembra até hoje da culpa que sentiu quando beijou na boca pela primeira vez, aos 12 anos. Hoje, se diz agnóstica. Ela, que frequentou a umbanda, diz admirar os orixás, que são carregados de coisas boas e ruins. É assimilando e entendendo essa dicotomia, e com a ajuda de terapia, que, atualmente, diz viver bem, escolhendo suas batalhas: "Sofro com o que preciso sofrer, nem sempre eu consigo, até porque tenho diagnóstico de ansiedade. É uma luta constante, mas tento não me preocupar com o que não preciso", diz a jornalista que se alegra em conseguir separar as horas de lazer, de trabalho e de descanso. Sem culpa. 

A batalha que ela perde é para a grosseria. Isso é o que tira essa pisciana do sério. Geórgia é daquelas pessoas que interfere quando presencia um fato, como no dia que viu um garçom ser destratado por um cliente. "Uma coisa que me irritava na redação era chamar atenção de alguém na frente dos outros e pedir desculpas na salinha. Isso é uma grosseria! E me incomodava."

Gosto pra tudo 

Eclética em tudo, da gastronomia à música, passando por filmes, séries e programas de televisão, ela não se aperta. Poderia comer, por exemplo, todos os dias pizza e tomar uma taça de vinho, uma de suas paixões. "Só não como mesmo lima. O resto, vai de tudo", diz, sem frescuras, a apreciadora de novelas e séries como 'Seinfield', 'Veep' e 'The Office' para rir e relaxar, 'The Americans' e 'Succession', que está maratonando no momento, mas sem descartar atrações consideradas 'mais bobinhas' como 'Irmãos a Obra', 'Casamento às Cegas' e "todos os programas de culinária". Se declara fã de Olímpiadas, daquelas que optaria por tirar férias só para acompanhar toda programação e sem descartar nenhuma modalidade. Afinal, ela gosta de tudo. Menos de lima.

Nada adepta dos exercícios físicos, ela conta que é fã de dança e yoga. Práticas que passou a incluir na nova rotina, que envolve acordar mais cedo, ler notícias e colocar os fones, acionar a playlist 'Dança G', que tem músicas de É o Tchan à Aretha Franklin e que só terminam "quando a gringa fica vermelha" e suada.

"Eu quero estar feliz! Fazendo o meu jornalismo, sem pressão externa. Quero trabalhar menos, o que tenho conseguido fazer, pois me desligo profissionalmente às 18h." Entre os projetos estão novas viagens, como uma visita ao Oriente Médio, e talvez um novo intercâmbio, dessa vez ao lado do marido.

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