Chico Izidro: Um certo maluco beleza

Carismático e de riso fácil, o jornalista se divide entre a redação do Correio do Povo e inúmeros projetos culturais com os quais se envolve

Se pudesse classificar Chico Izidro em uma palavra, com certeza seria o verdadeiro bon-vivant. De riso fácil e de bem com a vida, o mercado poderia nunca ter conhecido o jornalista, já que ainda criança desejava ser veterinário. Filho único, tinha nos animais criados em casa os grandes amigos. A fauna era composta por gato, cachorro, coelho, papagaio e tartaruga. "Minha mãe fez um acordo comigo. Ela me dava o dinheiro para manter eles, desde que cuidasse. Caso contrário, perderia esse privilégio." Mas o destino tinha outros planos.   

A trajetória no Jornalismo se iniciou na terceira série do ensino fundamental. Foi no Colégio Paula Soares, no Centro Histórico de Porto Alegre, que dois colegas o convidaram para produzir "um jornalzinho". Decidiram adaptar o formato das publicações conhecidas com matérias sobre o dia a dia da escola, como os campeonatos esportivos, calendário de provas e até mesmo uma coluna de fofocas. Com a ajuda de uma professora, utilizaram o mimeógrafo para fazer as cópias e distribuir.

Passados alguns dias, receberam a visita da diretora na sala de aula, que questionou quem eram os autores. Por acreditarem que estavam encrencados, permaneceram em silêncio, até que foram dedurados por uma colega. Chamados à frente da classe, receberam os parabéns. Nesse dia, ao chegar em casa, comunicou aos pais que seria jornalista. Contudo, não recebeu o apoio da dona Flora, que vislumbrava outro futuro para o filho. "Ela foi resistente, mesmo depois que passei no vestibular, quando disse que, a partir daquele momento, era tudo comigo."

Convicto da decisão, aos 12 anos, após uma saída do colégio, desceu a lomba da Caldas Júnior rumo ao Correio do Povo. Lá, deu de cara com Lauro Quadros e Ruy Carlos Ostermann. Logo, foi questionado sobre o motivo de estar ali e prontamente respondeu: "Quero trabalhar com vocês". Lauro então aconselhou: "Guri, estuda muito e um dia volta aqui". Nessa altura, a profissão já tinha tomado conta do Chico adolescente, que, aos domingos, preferia acompanhar o jornal de Vanguarda da Rede Bandeirantes do que Os Trapalhões, programa mais assistido da época. Aliás, também se destacava quando o assunto era leitura. Por vezes, matava aula para ficar na biblioteca, e o dinheiro da mesada se transformava em livros e revistas. 

Aprendendo a caminhar

Ainda no segundo grau (hoje ensino médio), trabalhava como arquivista no Juizado de Menores quando viu surgir a primeira oportunidade para atuar na área desejada. O setor da Comunicação havia ficado sem um responsável e, por saber do seu sonho, foi chamado pelo RH. A proposta era assumir como assessor de imprensa, porém com salário inferior, já que não tinha formação. Topou na hora, sem ao menos pestanejar. "Imagina a minha faceirice ao saber que teria uma sala só para mim?". Passados dois anos, já como estudante da Unisinos, foi chamado pelo pai para uma conversa sobre o futuro. 

Assim como outros universitários, também tinha dificuldade de cursar mais cadeiras por semestre por conta da mensalidade. Para ajudá-lo, ofereceu bancar a faculdade, aluguel e demais custos. No entanto, devido a complicações de um AVC, seu Francisco acabou falecendo um ano depois. Sem dinheiro e desempregado, voltou a morar com a mãe e, juntos, apertaram o cinto e conseguiram um crédito educativo.

Prestes a se formar, arranjou emprego no jornal viamonense Quarta-feira, do historiador e produtor cultural Vitor Ortiz. Por lá, conseguiu sentir o gostinho de estar na rua em busca das pautas, mas desejava mais. Passado um tempo, recebeu a notícia de uma ex-colega do Tribunal que a Rede Bandeirantes estava com vaga aberta para produção. A empolgação tomou conta dele, não somente pela oportunidade, mas, principalmente, porque estaria ao lado da rádio Ipanema FM, onde estavam seus grandes ídolos: Katia Suman, Mauro Borba, Alemão Vitor Hugo e Cagê. Carismático, não demorou para ganhar espaço na turma.

Após ser demitido da Band, recebeu um telegrama de Nilton Fernando, na época diretor da rádio Ipanema, para assumir como folguista. "De cara, me colocaram para produzir textos para a Katia, estava encantado demais e sem acreditar." Estar à frente do microfone era um desejo e poderia ter se tornado real. Em duas ocasiões, foi orientado a iniciar o programa, pois o locutor estava atrasado, mas o pânico o paralisou. "A trilha começou e eu simplesmente congelei. Infelizmente, perdi minha chance", lamenta. 

A saga de um sonho

Na intenção de mudar de ares, resolveu partir para São Paulo para fazer o curso de redação do jornal Estadão. Por lá, acabou assumindo um cargo na Secretaria de Cultura do governo do estado e se mudou para uma república na Vila Mariana. O expediente de apenas seis horas diárias lhe permitiu viver ao máximo a cidade. "Durante a tarde, batia perna por tudo, ia nos cinemas, no Museu de Arte (MASP), nas livrarias. Passei um ano absorvendo cultura." Porém, a saudade foi mais forte e o trouxe de volta para o Rio Grande do Sul. 

Morando com a mãe em Viamão, leu em Zero Hora que a Unisinos estava com matrículas abertas para um curso de extensão em Jornalismo Esportivo, ministrado por Júlio Sortica e Miro Bacin. Nesse curso, conheceu Leonardo Meneghetti, a quem chama de padrinho. Na época no Correio do Povo, o jornalista avisou os estudantes que o jornal, em breve, abriria vaga para a editoria de Esporte. Era o que precisava para dar continuidade à história que se iniciou lá na infância. Vestindo seu melhor terno, chegou na redação no final da tarde de uma segunda-feira de muito calor, com a convicção de que sairia empregado.  

Por seis meses, uma vez por semana, aparecia na redação para dar um oi e se fazer presente. "Cheguei ao extremo de ir na noite de Natal, mas com a desculpa de entregar uma barra de chocolate para cada um." Um dia, visitando a rádio Guaíba, deparou-se com Luís Henrique Benfica, Haroldo de Souza e Milton Ferretti Jung no canto do café. Foi então que escutou do primeiro: "Esse é o guri que vai trabalhar no Correio do Povo". Espantado, questionou Benfica, que desconversou. Era um sinal. A tão almejada chance chegou em 8 de fevereiro de 1994, e a cadeira que era de Meneghetti é a sua até hoje. 

Universo da cultura

Além de ofício, o futebol sempre foi uma das paixões do jornalista, que é torcedor fanático do Grêmio. Contudo, o interesse pela cultura ocupa um lugar enorme. A oportunidade chegou durante as férias do então editor de Variedades do jornal, Carlos Tiaraju Brockstedt. A missão era escrever sobre a série Arquivo X e a repercussão foi muito boa, rendendo até mesmo envio de cartas dos leitores para a redação. A partir de então, outras portas se abriram, como o convite de Gilson Camargo, para contribuir com a revista Carta Capilé, de São Leopoldo. Além disso, acabou se tornando membro-fundador da Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (ACCRIS) e vice-diretor da pasta de Cultura da Associação Riograndense de Imprensa (ARI).

Um Chico digital começou a surgir em 2006, com a criação do blog Sala Escura e, posteriormente, com o 'Guaibadas', espaço onde exibe histórias pessoais e exalta o amor por Porto Alegre. Este, por sua vez, acabou migrando para o Youtube, em 2022, após incentivo do amigo cineasta Cristiano Mentz Aquino, o Criba, que igualmente o convidou para fazer parte do canal Cinema de Peso. Ao lado de Lauro Arreguy, o trio disseca clássicos do cinema, enquanto apreciam um bom vinho ou uma cerveja. Mas, estar em frente à câmera não é tarefa fácil. Devido à timidez e ao medo de falar em público, Chico acabou adquirindo uma gagueira psicológica. "Precisei fazer sessões de fonoaudiologia, já que, por vezes, as pessoas não me entendiam", explica. 

Ai, essas mulheres

"Amo as mulheres! Tenho uma grande paixão por elas." E assim começou a conversa sobre o que o transformou em escritor. Namorador assumido, o jornalista amou loucamente algumas vezes, a ponto de lhe render boas histórias e lições de vida. Um desses amores foi o responsável pela primeira criação: 'Era Vidro e Se Quebrou'. Após levar um fora da mulher que considerava perfeita, entrou em depressão e perdeu cerca de 40 kg. Na época com 40 anos, achou que estava tudo perdido, que nunca mais encontraria o amor ou formaria uma família. 

Um dia, ao encontrar a jornalista Eliana Camejo, que trabalhava em frente ao consultório da sua terapeuta, contou o que estava passando e escutou: "Isso dá um livro". Assim, recebeu um caderno e a ordem de colocar tudo ali. "No outro dia, fui até o escritório dela, que ficou impressionada com a minha produção e pediu para que sentasse e passasse tudo para o computador", relata. Com a impressão nas mãos, seguiu para o costumeiro futebol com o pessoal da Zero Hora. Ao final da partida, David Coimbra questionou o que era aquele monte de folhas. Após explicar, o amigo perguntou se poderia levar para ler em casa.

A surpresa veio dias depois, com a ligação de Larissa Roso, jornalista e colega de Coimbra, avisando que o colunista havia falado sobre seu livro. "Me emociono cada vez que lembro que ele não está mais aqui. Ele não tem noção do que fez para mim, coisa de irmão mesmo." Depois de algumas aparições na coluna, conseguiu aprovação de uma editora. Já em 2009, lançou 'Olhos Verdes', história de quando teve o coração arrebatado por uma colega de trabalho com quem tinha "um rolo", mas era maltratado. "Ela ficou sabendo que foi citada na coluna e me ligou. Resultado? Nos acertamos e ficamos juntos por um tempo." No momento, três projetos de livros estão no papel. Um sobre ciúmes, outro sobre como se tornou jornalista e a biografia de um cantor de heavy metal brasileiro, que ainda não pode revelar o nome. 

Um VJ gaúcho

Se a MTV Brasil ainda contasse com um time de VJs, Chico, com certeza, poderia estar entre eles. Como uma versão gaúcha do apresentador Gastão Moreira, o jornalista respira música, mas o rock'n'roll é, disparado, o gênero preferido. Cresceu ao som das bandinhas alemãs e bolero, estilos escolhidos pelo pai, mas queria achar um som para chamar de seu. O estalo veio quando viu os Rolling Stones na TV. "Me encantei com o balanço do Mick Jagger e o cigarro na ponta da boca do Keith Richards." No colégio, foi apresentado por colegas, que contavam com os ensinamentos dos irmãos mais velhos, conheceu bandas como Pink Floyd, Kiss e Black Sabbath e se apaixonou. Quem não aprovava muito esse gosto era o seu Francisco, que dizia ser "coisa de maconheiro".

A paixão se transformou em uma coleção de discos de vinil e CDs, que, por sua vez, serviram de inspiração para a criação do programa Chicoteca, no canal do YouTube do Correio do Povo. Na atração, o roqueiro discorre sobre a história de uma das suas relíquias. Na versão digital do jornal, além da coluna cultural, mantém o Cena Rock, espaço onde apoia o trabalho de bandas gaúchas. E foi com esse espírito solidário e acolhedor que Chico construiu a carreira e cultivou grandes amizades. Sobre o futuro, diz não ter o costume de planejar; no entanto, carrega consigo a certeza de que jamais abandonará o universo cultural. Entre os sonhos, está viajar para Paris, mas, para isso, sabe que tem que fazer o sacrifício de gastar menos com livros. 

Assim como um bon-vivant, Chico termina esta divertida conversa com um largo sorriso dizendo: "O que mais desejo é continuar escrevendo, absorvendo cultura de todos os lados, acompanhado, é claro, de uma boa taça de vinho".

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